Mais amor, por favor
Mais amor, por favor
O meu avô contou-me uma vez que tinha passado 20 anos sem falar com a irmã porque ela não respondeu a um convite de casamento, na verdade o matrimónio dos meus pais. Eu devia ter uns dez anos quando ele me falou nisto. Explicou-me que se sentiu desprezado e traído pela pessoa preferida que tinha na família e a dor era tamanha que decidiu cortar relações com ela. Ignorou-a simplesmente. Foram-se afastando.
Duas décadas depois, no funeral do irmão de ambos, reencontraram-se e falaram do assunto. E então a minha tia-avó tirou-lhe o tapete dos pés dizendo que o convite nunca chegara. No início dos anos setenta, descobri eu mais tarde, a Câmara de Lisboa mudou uma série de nomes de ruas na zona oriental da capital. Milhares de cartas extraviaram-se por causa disso, incluindo o convite para o casamento dos meus pais.
Nunca percebi porque a minha tia não o confrontou com o afastamento, mas sei que se o meu avô tivesse pegado no telefone e conversado com ela teria poupado duas décadas de ressentimento ao coração. No tempo que levo a viver no Luxemburgo tenho ouvido muitas histórias destas. De famílias que convocam os seus para aqui, de pessoas que tentam fazer projetos conjuntos, de associações que se criam para defender causas – e depois se zangam irremediavelmente.
Vamos lá ver uma coisa: as pessoas mais próximas são as primeiras a conseguir magoar-nos. Mas cometemos como povo um erro frequente – antes de nos dirigirmos a quem nos ofendeu, bradamos a ofensa ignóbil ao mundo e com isso ficamos presos a ela. Orgulho-me da generosidade dos portugueses mas não me identifico assim tanto com a forma como nos vitimizamos. Somos demasiado rápidos a passar 20 anos sem falar com um irmão, como o meu avô fez.
Uma das maiores interrogações que tive quando aqui cheguei foi esta: porque é que num país onde vinte por cento da população é lusófona há tão pouca representação política e cívica dos portugueses. Tenho a impressão de que há mais vereadores italianos ou dos Balcãs nas comunas luxemburguesas do que portugueses, apesar de sermos muito mais. De que a nossa dimensão não equivale à nossa representação. E muitas vezes tenho-me perguntado porquê.
A única explicação que consigo oferecer para isto é que somos umas florzinhas de estufa. Amo o meu país, mas acho que temos um problema. Quando alguém dos nossos nos falha, ficamos mais preocupados em mostrar superioridade moral sobre eles do que em fazer o bem comum. Quantas organizações, ideias, amores ou amizades não se destroem porque sentimos que os outros não se comportam à nossa altura? E quantas vezes não desistimos das boas organizações, ideias, amores ou amizades para satisfazer simplesmente o nosso ego e dizer que os demais não nos merecem?
Há meia dúzia de anos, Lisboa foi invadida por uma série de cartazes que pediam ‘Mais amor, por favor.’ Dou agora por mim a pensar na sabedoria desta frase. É da intolerância que nascem os conflitos e as zangas irremediáveis, tão parvas como a do meu avô com a sua irmã. Apoiar refugiados é louvável neste tempo, mas se não soubermos descer a escada da nossa arrogância e tentar criar caminhos com os nossos, então não percebemos nada do que está aqui em causa. Construir ou destruir, no final das contas, é opção de cada um. Talvez esta guerra nos possa ensinar a descer do pedestal, a edificar melhores pontes na comunidade portuguesa. Mais amor, por favor.
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