Um terço dos portugueses sente-se vítima de racismo no Luxemburgo
por Madalena QUEIRÓS/ 23.03.2022
Um em cada três portugueses diz que já foi vítima de racismo ou de discriminação na procura de uma habitação, no emprego ou na sala de aula. São indicadores alarmantes que constam do primeiro estudo nacional feito no Luxemburgo sobre racismo e discriminação.
Imagine que vai a uma reunião de pais na escola do seu filho e que não percebe uma palavra porque o professor só fala luxemburguês? Ou que está no seu escritório rodeado de pessoas que conversam numa língua impercetível para si? Ou que lhe dizem que o apartamento que queria arrendar não está disponível porque o proprietário não aluga a imigrantes portugueses. Casos como estes acontecem todos os dias no Luxemburgo. Mas agora há números reais da percentagem de portugueses ou estrangeiros que já se sentiram vítimas de discriminação no país.
Pela primeira vez, na história do Luxemburgo foi feita um estudo nacional sobre o sentimento de discriminação e racismo percecionado pelos residentes. Ao todo foram inquiridas cerca de 15 mil pessoas, estrangeiras e luxemburguesas. Os resultados agora divulgados fazem soar sinais de alerta de que algo tem que ser feito para combater o racismo e a discriminação, reconhece a ministra da Integração, Família e Grande Região. E revelam como o país europeu com maior percentagem de estrangeiros (quase metade da população) está a falhar a batalha da integração de todos os seus imigrantes.
Mas afinal o que é a discriminação etno-racial? O estudo considera que é “discriminar um indivíduo com base nas caraterísticas que atribuem ao seu grupo de pertença”.
Língua principal obstáculo
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O desconhecimento do luxemburguês é apontado como o primeiro fator de discriminação por 61% dos portugueses (48,8% dos residentes). A cor da pele por 64% dos negros (48,3% dos residentes). “A nacionalidade ou origem suposta” é apontada como causa de racismo por metade dos portugueses e negros (40% dos residentes). E até o apelido e o nome podem gerar discriminação, de acordo com um terço dos inquiridos.
O investigador Frédéric Docquier afirma que “quando olhamos para a comunidade portuguesa o desconhecimento da língua ou a pronúncia é percecionado como um dos principais fatores de discriminação, com o luxemburguês em primeiro lugar, o francês em segundo e o alemão sendo menos problemático”.
“O desconhecimento da língua é visto, de um lado e do outro, como qualquer coisa que deve ser melhorada. O que pode querer dizer que na política de integração o conhecimento da língua luxemburguesa pode ser um ponto importante”, sublinha o co-responsável do projeto “Inquérito sobre o racismo e discriminação etno-racial no Luxemburgo”. “Quase 2/3 dos inquiridos pensam que o emigrante deve fazer um esforço para aprender luxemburguês e entre os luxemburgueses essa percentagem chega aos 80%. Um resultado que pode ser explicado por “algum receio dos luxemburgueses de perder a sua língua e a sua identidade”, conclui.
“Quase 50% da população pensa que há discriminação no acesso à habitação e ao emprego"
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Um em cada três portugueses diz que já foi vítima de racismo ou de discriminação na procura de uma habitação, no emprego ou na escola. “Em matéria de estereótipos e de discriminação na comunidade portuguesa, negra e muçulmana fiquei negativamente surpreendido”, confessa Frédéric Docquier. O investigador do Instituto de Investigação Socio-Económica do Luxemburgo (LISER), diz que não esperava valores tão elevados.
“Quase 50% da população pensa que há discriminação no acesso à habitação e ao emprego e que é baseada em sinais etno-raciais”, sublinha. Um sentimento confirmado pela percentagem de pessoas que se sentem vítimas de discriminação. “Cerca de um terço, ou 40%, em certos setores, da população portuguesa, negra ou muçulmana já se sentiu vítima de discriminação”.
No caso da comunidade portuguesa se olharmos em detalhe para os números vemos que é na escola, o espaço considerado como um nivelador social, onde os portugueses se sentem mais excluídos (35%). Cerca de um em cada dez residentes estimam “ser vítimas nas redes sociais”. Um valor que é mais elevado entre os portugueses (19%), os muçulmanos (26,2%) e os negros (32%).
Outro dos dados surpreendentes do estudo foi o facto de os portugueses serem a comunidade que menos respondeu ao inquérito. Apenas 10% dos portugueses responderam “o que pode revelar um envolvimento político de cidadania baixo”, explica o investigador Michel Tenikue.
Estereótipos persistem
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Outro dos indicadores inquietantes tem a ver com a persistência dos estereótipos. Quase metade da população (45,7%) considera que “certos grupos etno-raciais têm a tendência de não interagir com os outros”. Quase um terço dos residentes considera que “certos grupos são responsáveis por um aumento da violência e criminalidade (...) e têm dificuldade em respeitar as regras de boa vizinhança”.
Depois há o facto de 15% da população considerar “que as reações racistas são, por vezes, justificadas”. Um valor que, no entanto, fica abaixo do registado nos países vizinhos. Em França a percentagem chega aos 46%, por exemplo.
As atitudes de exclusão manifestam-se também em relação à segunda geração de migrantes. Cerca de 12% dos residentes consideram que “que os filhos dos imigrantes, nascidos no Luxemburgo, não são luxemburgueses, como os outros”. Embora a maioria considera que os migrantes contribuem para a economia, quase 30% pensam que “há demasiados imigrantes no país”.
“Como a amplitude da imigração é tão grande há uma percentagem de pessoas que estão menos satisfeitas”, justifica Frédéric Docquier. Mas nem tudo são más notícias. “Quando perguntamos às pessoas a opinião sobre a imigração há coisas muito positivas: há um certo consenso sobre o fato da imigração ser uma boa coisa para a economia, que enriquece a que torna a vida melhor”, sublinha o investigador.
A sociedade luxemburguesa é racista?
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Com todos estes indicadores podemos concluir que a sociedade luxemburguesa é racista? “O inquérito não revela que haja um racismo ideológico muito marcado no Luxemburgo”, responde o investigador. E quando comparamos “com os indicadores dos outros países, os números no Luxemburgo são menos alarmantes que nos países vizinhos”, explica Michel Tenikue, outro dos autores do estudo.
“Mas é uma sociedade em que os estereótipos estão bem presentes e onde a população em geral, os luxemburgueses e os migrantes, sentem que há muita discriminação em certos setores”, conclui Frédéric Docquier.
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