Escolha as suas informações

Sobreviveremos?
Opinião Sociedade 3 min. 11.03.2023
Media

Sobreviveremos?

Opinião Sociedade 3 min. 11.03.2023
Media

Sobreviveremos?

Hugo GUEDES
Hugo GUEDES
Não sabia que Ai Weiwei também podia dirigir um simples jornal e, em apenas um dia, arrancá-lo à sua mediocridade e levá-lo à cúspide da actualidade.

Há vezes em que um jornal ainda toca a excelência, em que os meios de comunicação de massa ainda superam as desgraças quotidianas, em que a palavra escrita ainda emociona e nos toca mais além da superfície.

Aconteceu outra vez, no fim-de-semana passado e um tanto inesperadamente. O diário português Público completou no domingo passado 33 anos de publicação, e para assinalar a efeméride decidiu convidar Ai Weiwei, o artista chinês que durante a pandemia se apaixonou por Montemor-o-Novo e aí comprou uma casa no momento em que a viu, a ser director do jornal por um dia.

Como servir a dignidade, a ética e a rectidão sem as conspurcar pela leviandade, a hipocrisia ou a corrupção?

Eu sabia que Ai Weiwei era uma espécie de polímato renascentista versão século XXI: arquitecto, fotógrafo, designer, activista, artista plástico, realizador de cinema, escultor, em suma, um dos poucos génios que andam por aí. Não sabia que também podia dirigir um simples jornal e, em apenas um dia, arrancá-lo à sua mediocridade e levá-lo à cúspide da actualidade, reflectindo sobre o que realmente importa depois de passada a espuma dos dias.

Dirigir um jornal é uma enorme responsabilidade. Um meio de comunicação tem o poder assinalável que lhe confere uma voz amplificada, voz que não apenas informa como sobretudo molda mentes, forma opiniões e empedernece convicções. O activista global que escolheu "por intuição" o Alentejo para viver liderou pelo exemplo e mostrou o que devia estar sempre vivo (mas não está) na mente de quem tem tais poderes: o que temos a obrigação de mostrar; sobre que devemos escrever. 

Como servir a dignidade, a ética e a rectidão, entre os valores que devemos defender, valores esses nunca conspurcados pela leviandade, a hipocrisia ou a corrupção. Como levar a melhor vida possível – no sentido de bondade, não de materialismo – e contribuir para que os outros também o façam.

Ai Weiwei desafiou jornalistas e leitores a pensarem na vida e na morte. "A morte é o definitivo, e muitas vezes desvalorizado, tesouro da vida", escreve Ai. "Com a morte como um inevitável fim, podemos reflectir sobre o significado e a importância das nossas vidas". 

A partir daí, o artista leva-nos a confrontar a condição humana, aqueles temas que de tão pesados resvalam sempre para o fundo e raramente são pescados nas insignificantes discussões do dia-a-dia. Vale a pena elencá-los:

Sobreviverão os direitos humanos às perseguições? Sobreviverão os protestos à irrelevância? Sobreviverá a democracia ao desencorajamento? Sobreviverá o planeta ao que consumimos? Sobreviverá a liberdade aos extremismos? Sobreviverá a educação à falta de ligação com a realidade? Sobreviverá a China ao capitalismo? Sobreviverá a Arte à decoração? Finalmente... sobreviveremos nós à guerra?

Estamos em 2023. Estas perguntas têm de ser formuladas, preocupar-nos o espírito, incentivar-nos a pensar em soluções e em ser agentes da mudança. Porque – e isto nunca nos é dito, mas é impossível disfarçá-lo – o estado actual do mundo é desastroso, e torna-se difícil não cair no pessimismo. Para voltar a citar Ai Weiwei:

"Precisamos de auxiliar aqueles que caíram à água, providenciar aquecimento e alimentos aos que necessitam, ajudar crianças a frequentar a escola, assegurar que os idosos recebem apoio médico, e encorajar os adultos a contribuir. Apesar de isto poder parecer simples, é uma tarefa difícil, pois o nosso mundo ainda é controlado pelos indivíduos mais desequilibrados, que acreditam que apenas eles são donos da verdade e causam tragédias ao mundo."

Por uns tempos, sobreviveremos. Nada de desesperar, até porque há soluções, para as quais a liberdade de expressão e publicação é condição essencial. Por enquanto, concentremo-nos em ler, absorver e guardar a edição do Público de 5 de Março de 2023. Ficou espantosa.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

O Contacto tem uma nova aplicação móvel de notícias. Descarregue aqui para Android e iOS. Siga-nos no Facebook, Twitter e receba as nossas newsletters diárias.