Sim, o Grão-Duque também vai à casa de banho
Sim, o Grão-Duque também vai à casa de banho
"Líderes mundiais na sanita". Creio que era este o título da publicação numa rede social qualquer. A imagem de entrada mostrava Barack Obama com as calças e os boxers ao fundo das pernas, sentado sobre uma dessas peças de cerâmica sanitária a que algumas pessoas gostam de chamar "retrete" (deixamos para outra altura um pouco de escárnio sobre isto e expressões como "encarnado" ou "sófá").
E depois, ao carregar, lá chegávamos às outras ilustrações realistas, que tão bem representavam esses momentos de intimidade com figuras públicas. Das roupas engelhadas e collants em baixo aos vestidos puxados para cima, das pernas peludas aos queixos apoiados nas mãos sobre os joelhos, dos lábios apertados e olhares perdidos aos dedos grandes dos pés ligeiramente levantados, como quem está a fazer força, lá estavam pessoas que todos conhecemos, em casas de banho mais ou menos ostensivas, enquadradas com o contexto da figura em questão. Para ser mais real, só faltava terem telemóveis ou revistas nas mãos.
Obama já não é presidente dos EUA, Isabel II já morreu, o Papa continua a ser Francisco, o Dalai Lama é o mesmo, Mario Draghi já não é presidente do Banco Central Europeu, Angela Merkel já não é chanceler da Alemanha, Silvio Berlusconi já não é primeiro-ministro italiano, Putin continua a ser presidente da Rússia e Benjamin Netanyahu voltou a ser primeiro-ministro de Israel. O que têm em comum? Bom, tal como os outros mortais, também comem, bebem, urinam, defecam. São pessoas comuns que fazem coisas comuns como nós, não importa as responsabilidades que têm ou a exposição pública de que são alvo. Era essa pelo menos, a mensagem que Cristina Guggeri queria passar quando criou as ilustrações em 2015. "Tentei humanizar estas pessoas", disse na altura a artista italiana.
Lembrei-me disso há dias em conversa com a minha filha mais velha, numa tentativa de fazer descer do pedestal uma pessoa qualquer que estava a causar algum temor à pré-adolescente. Era um professor, o motivo era uma apresentação à turma, e eu dizia-lhe que o docente não era ninguém especial só por a avaliar e que, no fundo, era alguém como nós, que também precisava de uma sanita (as palavras não foram bem estas, mas mantenhamos o nível acima do escatológico). E lá lhe falei destas imagens e desta minha mania de imaginar qualquer pessoa – seja quem for – num momento tão pessoal como esse de se sentar no "trono" ("privada", no Brasil).
Costuma ser um método bom para desendeusar figuras. Comigo resulta, pelo menos. Já escrevi no Contacto sobre outro tipo de desendeusamento, mas aplicado a outra realidade. Chamei-lhe "A tranquilidade do amor banal" e falava de romance e paixão e da importância de gostarmos de pessoas apenas pelo que são e não tanto pelo que fazem.
Mas aqui é diferente. Aqui vou a outro nível. Penso em Marcelo Rebelo de Sousa a cortar as unhas dos pés ou no primeiro-ministro António Costa a queimar-se no fogão e a soltar um palavrão sonoro enquanto leva o dedo à boca. Imagino António Guterres à procura da tampa de um 'tupperware' (nunca sabemos onde estão) para guardar os restos de um jantar para o almoço do dia seguinte ou para dar a alguém porque "sobrou muita comida, leva tu este bocadinho para não se estragar".
Também já vi (na minha cabeça) o Grão-Duque do Luxemburgo a vomitar depois de comer amêijoas estragadas (ou porque bebeu demais) e o presidente francês com um saco de água quente na testa por causa de uma enxaqueca. Acredito que o Rei de Inglaterra também faz uma careta depois de se assoar e ver o que lhe saiu das fossas nasais – sobretudo agora, que sabemos que todos os dias faz o pino em cuecas, revelou o filho mais novo, Harry, na biografia lançada na semana passada. E aposto que a presidente da Comissão Europeia também fica desconfortável se tiver gases e precisar de se conter em público.
Comecei por fazer isto com professores, quando era mais novo, e acho piada a fazê-lo com figuras públicas (ou julgam que os milhões de Ronaldo o impedem de soltar uma última gota de xixi nas cuecas da marca dele). A acabo por recorrer com frequência ao método para fazer descer ao meu nível alguém com quem tenho de falar e que me causa nervoso miudinho. Lembro-me de ter entrevistado o cantor Sting há uns anos e, antes de entrar para a suíte do hotel de Londres onde gravei a conversa, pensar como seria se ele partisse um incisivo central ao dar uma dentada numa coxa de frango. Resultou.
O método nunca falha, quando preciso de "reduzir" alguém a uma condição terra-a-terra. A minha filha achou piada à estratégia. Só não sei o que os meus chefes e colegas pensarão depois de lerem isto e quando me apanharem a olhar fixamente para eles durante as reuniões. Mas não vou perguntar. Até porque são pessoas comuns como eu.
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