Quem matou Diana? A história por detrás do crime
por Tiago RODRIGUES/ 12.10.2022
Esta é a história da portuguesa que foi assassinada e desmembrada. Vivia no Luxemburgo, mas o corpo foi encontrado em França. Um homem foi detido por homicídio premeditado. Mas ainda há muitas perguntas sem resposta. O mistério da morte de Diana Santos continua por resolver.
Mistério
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A história começa com um acaso. Foi por uma urgência de alívio que um adolescente de 16 anos se encontrou naquele local, àquela hora. Era segunda-feira, dia 19 de setembro. Perto da uma da tarde. Em Mont-Saint-Martin, uma pequena comuna francesa junto à fronteira com o Luxemburgo. Quando o jovem se pôs atrás de um edifício abandonado, nas imediações da Câmara, viu algo que desejaria nunca ter visto. Ao primeiro olhar, pensou tratar-se de um boneco, parte de um manequim. Mas, ao aproximar-se, reparou que havia uma tatuagem e um piercing. Era um cenário de terror: o corpo nu, desmembrado, decapitado, de uma mulher.
Em choque, o adolescente alertou o dono de um bar próximo, que chamou a polícia. Foram destacados para o local vinte agentes e uma equipa forense. O aparato era grande. A curiosidade também. Quem é a mulher? De onde vem? O que é que fazia? Por que é que a mataram? Muitas perguntas para poucas respostas. As autoridades francesas diziam apenas tratar-se de uma "mulher relativamente jovem". E que aquele era "claramente um caso criminal". Com a autópsia surgiram novas pistas. O cadáver foi encontrado sem vestígios de sangue, o que poderia indicar que teria sido desmembrado noutro local e transportado até ali.
Os detalhes divulgados na imprensa dois dias depois revelavam um crime macabro: os membros inferiores tinham sido cortados ao nível dos joelhos, não havia braços, nem cabeça. Essas partes continuam desaparecidas. O corpo não apresentava hematomas visíveis, nem sinais de ferimentos de bala ou faca ou violência sexual. Não estava em degradação profunda, levando as autoridades a acreditar que a mulher teria sido morta nas 24 horas antes de o cadáver ser encontrado. A identidade da vítima continuava por descobrir. As únicas pistas que podiam ajudar a desvendar o mistério eram as tatuagens encontradas no tronco.
Em França, o caso gerava preocupação. Nas notícias, a especulação. O medo de um possível "assassino em série" à solta foi dissipado pelo procurador de Nancy, François Pérain, numa conferência de imprensa. Não havia qualquer ligação entre o corpo da mulher e o cadáver de um homem decapitado que fora encontrado dias antes, a poucos quilómetros, numa floresta em Meurthe-et-Moselle. As hipóteses de um feminicídio ou o assassinato de uma prostituta na Bélgica ou no Luxemburgo eram consideradas. Naquela fase, o objetivo principal das autoridades era chegar à identidade da vítima.
Pérain revelou as duas tatuagens encontradas no cadáver: uma com um punhal e uma rosa e outra com o nome "Kiko". Eram elementos "importantes" para identificar a mulher. No entanto, continuava a faltar um elemento "essencial": a cabeça. "Na ausência desta, não podemos determinar a causa da morte, porque a vítima pode ter sido morta na cabeça", explicava o procurador, prevendo uma investigação de "longo prazo". Foi criada uma linha direta para quem tivesse informações sobre o crime. Entretanto, surgia uma nova dor de cabeça para as autoridades: andavam a circular nas redes sociais vídeos do momento em que o corpo foi encontrado.
O município de Mont-Saint-Martin alertou a polícia. O Ministério Público de Nancy anunciou a abertura de um processo. De acordo com a lei francesa, a difusão desses vídeos é punível com uma multa de até 15 mil euros. O Contacto confirmou, através da polícia grã-ducal, que as imagens também circulavam no Luxemburgo. Por cá, quem as divulgar arrisca pena de prisão até três anos e multa até 50 mil euros. Essa foi a primeira ligação do caso ao Grão-Ducado. As notícias em língua portuguesa chamaram a atenção de algumas pessoas em Portugal. Veio de lá a primeira grande revelação do caso. Um amigo da família da vítima garantia ao Contacto: aquela mulher era Diana Santos, uma portuguesa que vivia no Luxemburgo.
Revelação
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Nessa segunda-feira, 3 de outubro, quinze dias após a descoberta do corpo, a identidade da mulher foi finalmente confirmada pelas autoridades. Questionado pelo Contacto, o Ministério Público luxemburguês revelou, em primeira mão, que a vítima era de nacionalidade portuguesa e vivia no Grão-Ducado. A notícia depressa se espalhou pelos jornais e televisões do Luxemburgo, da França e de Portugal. O caso tornou-se ainda mais mediático. A questão pairava no ar: quem era Diana Santos? Foi o pai, Horácio Santos, 65 anos, residente no Porto, que nos contou a história da filha.
Diana Isabel Gomes dos Santos nasceu no dia 17 de outubro de 1981, no Porto. Tinha 40 anos. Cresceu no bairro de São João de Deus, na freguesia de Campanhã. Emigrou com pouco mais de 20 anos para Andorra. Depois passou pela França e Bélgica, até chegar ao Luxemburgo. Segundo o pai, sempre trabalhou como empregada de balcão e de mesa ou na cozinha. Tinha um filho de 22 anos, o ‘Kiko’ da tatuagem, que foi criado pela avó em Vila do Conde. A família está toda em Portugal. Ela ia lá passar férias praticamente todos os anos. Com o pai falava "de vez em quando, quando se proporcionava". A última vez que se viram foi no ano passado, num karaoke em Gaia.
Cantar era uma das suas grandes paixões. "Ela cantava muito bem. Divertia-se imenso a cantar. Tinha esse bichinho e uma voz extraordinária. Era o meu rouxinol", recorda Horácio, afirmando que a filha sempre foi muito elogiada. "Tinha um jeito peculiar de cantar. Diziam que era melhor do que a Amália". Quando soube da notícia da morte de Diana, o pai não quis acreditar. "Fiquei meio abananado, caiu-me tudo. Nunca pensamos que pode acontecer a um filho nosso", disse, emocionado. Com uma mistura de revolta e angústia. "A minha filha foi assassinada e desmembrada. Ninguém queria estar no meu lugar, porque nos passa tudo pela cabeça. Não vejo motivos para uma barbaridade destas. Quero justiça, que os culpados paguem".
Horácio foi informado pelo filho, Vítor Santos, de 43 anos. É o irmão mais velho de Diana. Eram muito ligados, tinham uma relação "excecional", segundo o pai. Vítor soube da morte da irmã através de um amigo e depois foi contactado pelos consulados de França e do Luxemburgo. Mas, tal como o pai, diz que não recebeu nenhum contacto por parte das autoridades. Ao Contacto, afirmou ter "coisas importantes a dizer" à polícia. "Decapitada, desmembrada… É uma coisa tremenda para mim. Só quero justiça. Para aliviar o coração da nossa família. Ela morreu, mas continua viva no meu coração", desabafou o irmão.
Para a família, um dos primeiros suspeitos era o ex-companheiro de Diana. Segundo o pai e o irmão, existia um histórico de violência doméstica e o homem até tinha estado preso. Ao Contacto, João Oliveira, 43 anos, conta a sua versão da história. Conheceram-se em 2019, num café em Athus, na Bélgica, onde ela trabalhava e cantava. Diana vivia num quarto na casa dos patrões havia uns meses, depois de ter morado em Longwy, na França. Quando ficou sem o trabalho naquele café e sem estadia, pediu a João para ficar em casa dele, na mesma cidade. Começaram a namorar em agosto desse ano e passaram a viver juntos.
O casal tinha uma relação atribulada. Marcada, segundo o ex-companheiro, pelos problemas de álcool e agressões mútuas. "Muitas vezes discutimos. Cada um puxa o seu elástico e chega a uma altura em que o elástico rebenta. Em agosto do ano passado, fui detido porque a Diana fez queixa à polícia acusando-me de a ter agredido", recorda. João esteve preso na Bélgica durante dez meses. Durante esse tempo, telefonou a Diana quase todos os dias. No dia em que saiu da prisão, no início de junho deste ano, a primeira coisa que fez foi ir ter com ela ao café onde trabalhava havia poucas semanas, em Ettelbruck. "Sentei-me lá como cliente, mas ela não me queria servir e começou a tratar-me mal. Fez um escândalo e foi despedida". Na sua versão da história.
Suspeita
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Até aqui, sabia-se que Diana tinha estado em França antes de se ter mudado para a Bélgica, onde viveu durante três anos, entre 2019 e 2022. Em abril deste ano, mudou-se para Ettelbruck. Dormia num quarto por cima do café onde trabalhava, apesar de ainda ter a chave da casa que antes partilhava com João, em Athus. Nos cafés onde trabalhou, tanto na Bélgica como no Luxemburgo, colegas e patrões recordam Diana como uma "mulher alegre e divertida", que gostava muito de cantar. Mas não quiseram identificar-se nem comentar sobre a vida privada da mulher. Nos locais por onde passamos, existia um clima de medo em volta deste crime.
Paula, que diz ser a melhor amiga de Diana, conta que se afastou dela quando se "meteu com más companhias". Conheceram-se nos 'karaokes' em Athus, há três anos, mas já não se falavam desde o ano passado. "Era a melhor amiga dela, mas afastei-me por causa da situação em que ela vivia. Não queria estar envolvida com aquele mundo. Para me proteger. Aquela já não era a nossa Diana", contou, referindo-se a um grupo de pessoas com quem a amiga se tinha envolvido. Segundo Paula e ex-colegas de trabalho, Diana foi vista com dois homens em várias ocasiões. Eram marroquinos e falavam espanhol entre eles.
Tanto a família como o ex-companheiro também tinham conhecimento destas pessoas com quem Diana se dava. João conta que ela lhe falou deles quando estava na prisão. "Disse-me que conheceu um marroquino no final do ano passado e que este lhe arranjou trabalho em Diekirch para cuidar da mulher, que estava doente". Este homem era Said Banhakeia, o suspeito de 48 anos que foi detido na passada quinta-feira pela polícia judiciária luxemburguesa. Está em prisão preventiva na penitenciária de Schrassig, acusado de homicídio "com premeditação". É considerado pelas autoridades o principal suspeito do crime, apurou o Contacto.
Com a detenção de um suspeito, quase três semanas após a descoberta do corpo da portuguesa, surgiram mais questões: Quem é Said Banhakeia? Que relação mantinha com Diana? Segundo João, eles eram amigos, mas o ex-companheiro desconfiava que tivessem uma relação amorosa. Em julho, Said e Diana terão ido juntos de férias para Portugal, durante uma semana. A família confirma que eles estiveram no Porto e que Said foi apresentado como amigo. Nessa altura, Diana terá anunciado que casou uns dias antes, a 14 de julho, com outro homem. Este seria Gibran Banhakeia, sobrinho de Said, que terá entre 35 e 40 anos. O Contacto não obteve a confirmação, através das entidades competentes, de que este casamento aconteceu de facto.
João já sabia deste possível matrimónio desde o início do ano. "Quando estava na prisão, ela disse-me que ia casar. Contou-me que o Said tinha um sobrinho em Paris que vinha para o Luxemburgo e que precisava de documentos para residência. Fizeram-lhe uma proposta de 30 mil euros e ela aceitou", recorda o ex-companheiro, afirmando que sempre foi contra o casamento arranjado. O marroquino terá chegado ao Grão-Ducado nos primeiros meses deste ano. No final de julho, já depois do alegado casamento, Gibran e Diana arrendaram uma casa em Diekirch, que queriam renovar para depois colocar os vários quartos a alugar. Depois do corpo ter sido identificado, a casa foi alvo de buscas e a porta, que tem o nome de ambos, foi selada pela polícia, que não confirmou se aquele poderia ser o local do crime.
A última vez que João viu Diana foi no final de agosto, quando ele estava internado no hospital, devido a um acidente de mota em julho. Esteve hospitalizado até 9 de setembro. Na noite de dia 18, domingo, horas antes de o corpo ter sido encontrado, João perdeu duas chamadas de Diana. Passados cinco minutos, ele ligou de volta, mas a chamada foi rejeitada. "Eu sabia que ela estava em casa, em Diekirch, nesse dia", conta. Só voltou a ligar-lhe uma semana depois, no dia 26. O telemóvel estava desligado. Mandou uma mensagem para o Said a perguntar se sabia da Diana e ele respondeu que também não sabia onde ela estava. Nesse dia, Said terá ido à polícia em Diekirch. A polícia ligou para João a perguntar se era o namorado da Diana e a pedir informações.
Intrigado com o desaparecimento da ex-companheira, João lembrou-se de ter visto nas notícias que um corpo tinha sido encontrado uma semana antes em Mont-Saint-Martin. Decidiu ir ver as imagens que tinham sido divulgadas e reparou na tatuagem com o nome do filho. "É a Diana", percebeu ele. "Comecei a chorar. Telefonei para a polícia francesa e confirmei que era ela. Na quinta-feira, dia 29, fui à polícia judiciária do Luxemburgo para dar o meu testemunho", conta João, garantindo que nunca foi tratado como suspeito. Uma semana depois, Said foi detido. O sobrinho, Gibran, continua desaparecido. As autoridades não confirmam se ele é considerado suspeito e se está a ser procurado. O mistério continua por resolver. Quem matou Diana? E porquê? Onde estão as outras partes do corpo? Que segredos escondem estes homens? Só há uma certeza: esta história é tudo menos um acaso.
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