Porque é que a luta pelo controlo do Twitter importa
Porque é que a luta pelo controlo do Twitter importa
O que são 2,7 mil milhões de euros? Para mim ou para o/a leitor/a, uma quantidade de dinheiro inimaginável e inatingível; para o Estado luxemburguês, é (por exemplo) equivalente ao total dos investimentos ambientais, energéticos e de luta contra as alterações climáticas ao longo dos próximos três anos; para um homem, Elon Musk, representa um capricho de terça-feira à tarde, em que ele decide comprar uma fatia da rede social onde passa mais tempo – e isto porque os seus fãs lhe pediram encarecidamente para libertar o Twitter da censura bem-pensante.
Essa foi mais ou menos a narrativa posta a circular na semana passada: o sr. Musk, visionário-mor do nosso planeta, "vale" muitíssimo mais do que isso. Como tal nem pestaneja em gastar uma centésima parte do seu porcão-mealheiro para garantir a liberdade de expressão quando esta, no seu entender, se encontra ameaçada (Musk não concordou que a conta de Donald Trump tenha sido suspensa após o ataque ao parlamento americano, em 2021).
Quem controla a narrativa controla a informação, quem controla a informação controla o poder. E quem controla o poder, fechando o círculo, controla a narrativa.
Elon Musk adora apresentar-se como um super-herói cheio de convicções e de ideias fora da caixa – algo que claramente funciona, havendo muita gente a engolir o seu 'spin' com isco, linha e anzol (a sua conta oficial na plataforma tem 82 milhões de seguidores). Mas nesta história há muito que não bate certo, a começar pelos números: 2,7 mil milhões só compram 9,2% do Twitter e um lugar no conselho de administração, o que parece manifestamente pouco. Por isso agora Musk ameaça comprar toda a empresa... por 40 mil milhões de euros. O que já vai sendo dinheiro, mesmo para um multimilionário que não paga os impostos que deve.
A partir daqui já não é possível querer passar a mensagem das "convicções" e de andar nisto só pelo "lulz" (uma boa tradução seria "pela tanga"). O que está aqui em jogo é o controlo total. Quem controla a narrativa controla a informação, quem controla a informação controla o poder. E quem controla o poder, fechando o círculo, controla a narrativa. Por exemplo, os russos sabem muito pouco sobre a guerra étnica de Putin na Ucrânia, pois o seu acesso à verdade foi bloqueado, substituído por mentiras e propaganda.
Elon Musk alega que "as companhias tecnológicas americanas não podem agir como o árbitro da liberdade de expressão", e que sonha com uma internet "livre2. É uma armadilha, claro. Nas plataformas, alguém tem de tomar as decisões sobre que algoritmos estas usam, como funcionam, que destacar, que esconder. O que Musk não diz, mas pensa, é que ele deve ser esse árbitro. E o que ele não pensa é que o grande poder que ele tem deve ser acompanhado de grande responsabilidade.
As suas propostas para o Twitter, bem ao contrário do apregoado, visam tornar essa formidável ferramenta em algo mais opaco, mais manipulável, mais sujeito à influência de campanhas financiadas por grandes fundos anónimos. Tudo bem embrulhado em ruído de vozes neonazis, conspiracionistas, pseudo-cientifícas ou pró-ditadores em Moscovo.
A "visão" de Elon Musk não é sobre liberdade, mas sim sobre controlo e poder. E isto importa-nos a todos porque, queiramos ou não, as redes sociais em geral e o Twitter em particular tornaram-se na praça da aldeia, onde quase toda a vida pública acontece. Se um só homem imaturo tiver a capacidade de decidir o que se torna viral e o que nunca aparece no nosso feed, estamos alguns passos largos mais perto de uma sociedade ditatorial.
Neste ponto, devo assinalar que nem tenho conta de Twitter nem estou muito preocupado; aliás creio que, ao acabar de destruir a credibilidade desta rede social, Elon Musk poderá contribuir para o aparecimento de um concorrente, versão revista e melhorada. Fiquemos optimistas.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)
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