Opinião. A Europa ligada ao ventilador
Opinião. A Europa ligada ao ventilador
Quando escrevi neste mesmo espaço (há apenas duas semanas que parecem uma eternidade) sobre eventuais aspetos positivos trazidos pelo coronavírus, previ que a catástrofe iria derrubar tudo o que fosse líder político incompetente e demagogo. As mentiras sinistras dos Trumps, Bolsonaros, Putins e Johnsons deste mundo tornaram-se mais diretamente mortíferas, e o momento de pagar por elas também está mais perto.
A primeira vítima, no entanto, pode ser muito mais importante: a própria União Europeia. Com o seu sistema imunitário ainda debilitado pela crise de 2009 e as divisões dilacerantes que dela advieram, cuidada por elites cada vez menos capazes de lhe curar as maleitas de que padece, a Europa pertence a um grupo de risco: não está de todo preparada para um choque tão brutal como aquele que vivemos. Agora está em maus lençóis, de rastos e com respiração assistida, com metade das sociedades italiana e espanhola – outrora dois países afincadamente europeístas – a desejarem-lhe o pior, enquanto as restantes se interrogam sobre a bondade do velho projeto. Sim, porque a Europa é uma construção para melhorar a vida dos seus cidadãos, bem alicerçada na solidariedade e na união; sem estas não faz sentido.
A metáfora deve ser levada um pouco mais longe: a forma de salvar a Europa é fortalecê-la. É que a União não tem quaisquer poderes na área da saúde – e isso deveria ser repetido aos cidadãos desiludidos juntamente com o corolário: mas devia. Juntemos-lhe o motivo: os governos nacionais guardam ciosa e irresponsavelmente essas competências dentro de cada país. O resultado são sistemas de saúde nacionais muito desiguais, mas com a característica comum de serem perfeitamente incapazes de lutar contra um problema grave de saúde pública causado por um vírus que se ri das inúteis fronteiras. O único que Bruxelas pode fazer é insistir para que os países cumpram as regras, como aconteceu logo nos primeiros dias da pandemia quando alguns países queriam proibir ilegalmente a exportação de máscaras para outros Estados-membros.
Se a Europa relativamente pouco pode fazer para resolver a crise atual, vai ser sim vital na que virá a seguir – uma brutal depressão económica que fará a de há uma década atrás, tão mal resolvida, parecer uma brincadeira de crianças. E com mais duas enormes diferenças: desta vez é um choque externo (não pode haver, portanto, a narrativa repugnante da "culpa" dos "gastadores em copos e mulheres") e também é simétrico, o que quer dizer que ataca todos, não há vencedores, só perdedores. Continuará a UE a seguir o diktat de Berlim & amigos ou aprenderá com os seus erros?
Os primeiros sinais não são nada encorajadores. Mas confio em que os medíocres políticos que temos no poder vão abrir os olhos a tempo e perceber que o risco é real: neste clima irrespirável, será preciso mais que um ventilador para salvar a Europa. Exigimos ambição. Visão. Humanismo. É agora ou nunca.
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