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O que aí vem
Sociedade 9 min. 17.09.2021 Do nosso arquivo online
Relatório Estratégico da UE

O que aí vem

As alterações climáticas e outros desafios ambientais são consideradas como algumas das principais ameaças do futuro.
Relatório Estratégico da UE

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As alterações climáticas e outros desafios ambientais são consideradas como algumas das principais ameaças do futuro.
Foto: Shutterstock
Sociedade 9 min. 17.09.2021 Do nosso arquivo online
Relatório Estratégico da UE

O que aí vem

Telma MIGUEL
Telma MIGUEL
Um relatório da Comissão Europeia sobre as ameaças futuras dá pistas de como o bloco pode sobreviver num mundo de escassez e de nova ordem internacional.

O mundo será um lugar mais instável e perigoso e a União Europeia (UE) quer preparar-se. É por isso que no segundo Relatório Estratégico de Prospetiva (REP), apresentado na semana passada pela Comissão Europeia, desenha-se as quatro principais ameaças, bem como a estratégia para o bloco geopolítico chegar a 2050 neutro em carbono, com a democracia instalada e com os seus cidadãos a viver em relativa prosperidade e segurança.

As quatro grandes ameaças identificadas no REP – este ano sob o tema “A capacidade e liberdade para agir da União Europeia” – são as alterações climáticas e outros desafios ambientais; a híper conectividade digital e as transformações tecnológicas; a pressão sobre a democracia e os valores; e as alterações na ordem global e demografia. Avaliados estes perigos iminentes, o REP de 2021 clarifica as possíveis respostas, identificando as 10 áreas estratégicas em que o bloco pode reforçar a sua autonomia e segurança, permitindo ao mesmo tempo uma posição de relativa liderança num mundo onde as peças do xadrez se movem à medida em que o próprio tabuleiro está em construção.

As 10 áreas estratégicas são: garantir sistemas alimentares e de saúde sustentáveis e resilientes (havendo perigos de falta de comida disponível para todos e novas doenças); garantir energia descarbonizada e acessível; fortalecimento da capacidade de gerenciamento de dados, inteligência artificial e tecnologias de ponta (levando a UE a ter que competir com os outros blocos geopolíticos); garantir e diversificar o fornecimento de matérias-primas críticas (a falta de matérias-primas em território europeu foi notória durante a pandemia); garantir a posição global de pioneiro na definição de padrões (desde direitos do consumidor a standards de segurança alimentar e éticos); criação de resiliência e sistemas financeiros e económicos à prova de futuro (com o surgimento de cripto moedas e de sistemas passíveis de ataques informáticos); desenvolver e reter habilidades e talentos que correspondam às ambições da UE; fortalecimento das capacidades de segurança e defesa e acesso ao espaço; trabalhar com parceiros globais para promover paz, segurança e prosperidade para todos; fortalecimento da resiliência das instituições.

O relatório baseia-se em estudos e prospeções internos e de várias entidades internacionais. O vice-presidente da Comissão Maros Sefcovic salientou que o título – “A capacidade e liberdade para agir da União Europeia” – é o resultado de a dimensão geopolítica e resiliência ocuparem o lugar central deste segundo relatório anual (o primeiro foi lançado em 2020). “Perguntámo-nos a nós próprios o que significa levar a autonomia estratégica da EU e a liderança global ao próximo nível numa ordem mundial cada vez mais complexa”, disse Sefcovic. Lendo o extenso documento percebe-se que isto não está nada fácil.

Alterações climáticas: 1,5ºC ao virar da esquina

Há já quase certeza absoluta de que nos próximos 20 anos o aquecimento global atingirá um aumento consistente de 1.5 (em relação a 1750) e poderá atingir os 2 a meio do século, o que irá causar grande pressão sobre a disponibilidade de água potável e segurança alimentar em todo o mundo. Segundo a Organização Meteorológica Internacional, o primeiro ano em que a Terra aumenta 1.5ºC pode ser já antes de 2026. Com as subidas dos termómetros globais, os fenómenos meteorológicos extremos que este ano estiveram nas notícias serão mais frequentes, mais intensos e mais duradouros. O recente relatório dos cientistas da ONU confirma estas previsões. Em 2050, cerca de 200 milhões de pessoas vão precisar de assistência humanitária, em parte por causa da crise ecológica.

Partes da UE já estão sob stress hídrico entre o médio e o elevado. Nos países vizinhos da bacia do Mediterrâneo, a sul, a falta de água irá levar a conflitos e possivelmente novas ondas de migrações atingirão a Europa. A UE pode ter carência de alimentos e choques de preços. As zonas agrícolas não irão subir para norte num continente europeu mais aquecido, previsivelmente porque uma mais fraca Corrente do Golfo (responsável pelas temperaturas europeias amenas) poderá levar ao surgimento de vagas de frio extremo nos invernos, com efeitos nefastos para as colheitas. 

Segundo o relatório, perante a insegurança alimentar na forma tradicional de produzir alimentos, são as inovações disruptivas que poderão garantir alguma soberania alimentar europeia: comida feita a partir de insetos ou de algas, agricultura celular (incluindo a carne de laboratório), cultivo dentro de instalações. A biotecnologia poderá também desempenhar um papel de proteger as colheitas de pestes, doenças e efeitos de alterações climáticas. Crucial será uma nova abordagem ao sistema alimentar como um todo, incluindo a redução do desperdício.

Os ecossistemas europeus enfrentam pressão também por causa da poluição, escassez de terras, extração de recursos, espécies invasoras e perda de insetos polinizadores. O relatório destaca ainda o elo entre estes fatores e a saúde pública. A perda de biodiversidade, a pressão sobre os habitats naturais, o uso excessivo de antibióticos, os riscos relacionados com a pesquisa com micróbios altamente patogénicos (a hipótese de o SARS-Cov-2 ter escapado de um laboratório em Wuhan ainda não foi totalmente descartada) tornam futuras pandemias ou doenças mais prováveis. A resistência aos antibióticos é outra das preocupações, bem como a malária e o dengue que poderão afetar as populações europeias.


European Commission President Ursula von der Leyen delivers a speech during a debate on "The State of the European Union" as part of a plenary session in Strasbourg on September 15, 2021. (Photo by YVES HERMAN / POOL / AFP)
Estado da União. A diferença que um ano faz
Nesta edição, que aconteceu esta quarta, o "State of the Union" teve um brilho que o de 2020 não teve. Os desafios que vão marcar a agenda política da UE no próximo ano.

Entre as várias ferramentas para lidar com a crise climática, aponta-se o sistema financeiro europeu. Segundo os cálculos, a UE vai precisar de 470 mil milhões de euros em investimento adicional por ano para atingir os seus objetivos para 2030 de redução de pelo menos 55% de emissões em relação a 1990. Isto irá requerer uma mobilização massiva de capital privado. É ainda preconizada uma maior transparência na pegada ecológica dos produtos financeiros e dos ratings, bem como dados sobre a sustentabilidade, que serão essenciais para financiar uma transição ordeira e para prevenir o “greenwashing”.

Demasiado conectados pode não ser bom

A soberania tecnológica da UE ainda não está assegurada, embora equivalha a cerca de 20% do total mundial de pesquisa e desenvolvimento, publicações e registo de patentes. As capacidades europeias na Inteligência Artificial (IA) são comparáveis às japonesas, mas tem que, segundo o REP, alcançar os maiores: EUA e China. O relatório destaca que inovações de ponta ainda não previstas poderão ser fundamentais para a transição digital e climática. Onde a UE já é líder é na mobilidade sustentável e nas tecnologias de baixo-carbono.

Globalmente, o número de aparelhos conectados poderá aumentar de 30.4 mil milhões em 2020 para 200 mil milhões em 2030. Se o aumento da inter conetividade de objetos, lugares e pessoas irá resultar em novos produtos, serviços e padrões de vida e no mundo laboral, ao mesmo tempo irão ser aumentados os riscos de ciber ataques, quedas de rede, com infraestruturas a serem atacadas. 

O roubo de propriedade intelectual e de dados poderá expandir-se. A híper conetividade aumentou com a pandemia e o seu impacto social precisa de ser cuidadosamente monitorizado, refere-se. Haverá ainda perda de empregos para a automação, e os novos empregos a criar só serão ocupados com o treino intensivo da força laboral. A transição digital irá ainda aumentar o lixo tecnológico e a exploração de materiais raros.

Os dados produzidos na UE são em grande parte armazenados e processados em nuvens operadas por fornecedores externos, o que os torna sujeitos à jurisdição de países terceiros. Este facto cria dependências estratégicas e riscos de ciber segurança e proteção de dados. Por isso, a recomendação é que a UE crie capacidade de armazenamento de dados. Outra recomendação é que lidere o desenvolvimento de uma IA que garanta os fundamentos éticos.

A democracia na corda bamba

A UE é o maior grupo de democracias no mundo. Mas em 2020, 34% da população mundial vivia em países onde a governança democrática estava em declínio e apenas 4% dos países estavam a tornar-se mais democráticos. A desinformação em grande escala, impulsionada por novas ferramentas e plataformas online, representará desafios crescentes aos sistemas democráticos e conduzirá a um novo tipo de guerra de informação. A contestação geopolítica, a polarização política dentro dos Estados e as tensões deverão ser uma constante nas próximas décadas. 

Se a tendência de erosão da governança democrática continuar, irá afetar igualmente tanto as democracias emergentes como as estabelecidas. As zonas de instabilidade e conflito tanto perto como longe da UE deverão continuar e inclusive aumentar, bem como as ameaças híbridas – incluindo tecnologias disruptivas, desinformação e operações de agências de informação. As ameaças à democracia, são também riscos para a saúde das populações, para a luta contra as alterações climáticas e ameaças à paz.

Nova ordem: a China gigante

O mundo está a tornar-se multipolar. É previsível que a população mundial atinja os 8.5 mil milhões em 2030 e 9.7 mil milhões em 2050, mas o crescimento demográfico será assimétrico. Enquanto expande em alguns pontos, deverá estagnar nas economias avançadas. A UE deverá perder população, passando dos atuais cerca de 450 milhões para 420 milhões, o que fará dos europeus da União apenas 4,3% da população planetária. O centro do poder global irá deslocar-se para leste. No final desta década, a China deverá ser a maior economia mundial e a Índia deverá ultrapassar a UE nos próximos 20 anos. As economias emergentes serão o Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia.

A rivalidade e a fragilidade da ordem mundial irá aumentar. A rivalidade EUA-China poderá tornar-se um elemento definidor da nova paisagem geopolítica. E a transição energética irá também contribuir para o novo balanço de poder: os países exportadores de petróleo irão perder influência e os com grande capacidade de produzir energia de fontes renováveis irão ganhar. A UE deverá esperar forte concorrência e tensão sobretudo originada na China e na Índia e, segundo o documento da Comissão, irá precisar de políticas robustas para projetar estabilidade e prosperidade. 

Em novas áreas, como o espaço ou o Ártico, haverá uma nova competitividade entre as potências. No início de outubro, a Comissão irá apresentar a estratégia europeia para o Ártico. Uma presença forte no espaço será crucial para assegurar as telecomunicações, defesa territorial, contrariar ciber espionagem, garantir a observação sobre a Terra e lutar contra alterações climáticas. A segurança da União Europeia estará ameaçada por um crime organizado cada vez mais forte, corrupção, extremismo, terrorismo e ameaças híbridas, incluindo a instrumentalização das migrações por motivos políticos.

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