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O português do Luxemburgo que troca mensagens com o homem mais rico do mundo

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O português do Luxemburgo que troca mensagens com o homem mais rico do mundo

O português do Luxemburgo que troca mensagens com o homem mais rico do mundo
Reportagem Contacto nos EUA

O português do Luxemburgo que troca mensagens com o homem mais rico do mundo


23.02.2023

Micael Oliveira fez o doutoramento de Física no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa. Foto: Micael Oliveira

Natural da Tocha, Coimbra, "Mica" Oliveira cresceu num T1 no Luxemburgo com a mãe e os dois irmãos. É, aos 36 anos, cofundador da promissora startup Amplemarket, que levantou recentemente 11 milhões de euros em investimento, reside no coração de São Francisco e até troca mensagens com Elon Musk, o homem mais rico do mundo em 2022.

(Tiago Carrasco, em São Francisco, EUA)

Há instantes que mudam uma vida inteira. Micael Oliveira viveu um desses momentos no final de 2013, enquanto aguardava num Starbucks de São Francisco (SF) a resposta final do Y Combinator (YC), o maior acelerador de startups do mundo – responsável pelo lançamento de mais de 3 mil empresas inovadoras, como a Airbnb, Coinbase, Dropbox ou a Stripe. 

Estava com os irmãos João e Luís Batalha, com quem tinha deixado tudo para trás para criar uma solução tecnológica para disponibilizar às lojas online todas as ferramentas necessárias para otimizarem as suas vendas. Chamaram-lhe Orankl (hoje Amplemarket), uma mistura de "oráculo" com "ranking".

 Acho que toda a gente devia experimentar ser emigrante porque é algo que confere, ou devia conferir, a capacidade de nos adaptarmos a contextos que nos são estranhos.

"Tanto podíamos receber um email a dizer que tínhamos sido rejeitados, e regressar a casa, ou uma chamada para nos informar da aceitação no programa do YC, o que naquela altura significava uma grande vitória e a obrigatoriedade de nos mudarmos para São Francisco" diz Micael, 36 anos, mais conhecido por "Mica" entre amigos e colegas.

Tinham lutado muito para ali estar. Um ano antes, Mica e Luís, alunos de doutoramento de Física no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, e João, que completara o mestrado em engenharia informática no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos da América (EUA), haviam decidido tirar um período sabático para criar uma ideia que pudesse mudar o mundo. "Começaram a surgir as primeiras startups em Portugal e nós falávamos muito sobre aquilo", recorda Mica. 

"Quando olho para trás, percebo que fizemos uma loucura. Não tínhamos qualquer fonte de rendimento! Mas, como tantos outros empreendedores, acreditávamos que sabíamos tudo e que podíamos inventar algo novo a partir de um quadro em branco".

Mal sabiam que estavam apenas a arrancar para um longo caminho que lhes iria dar trabalho incessante nos anos vindouros.

 Inscreveram-se na primeira edição do Lisbon Challenge – um concurso de startups promovido pela Beta-i –, sem grandes expectativas, apenas com o objetivo de contarem com um prazo para os pressionar a desenvolver o primeiro protótipo. "Primeiro, até fomos rejeitados, não aceitaram a nossa candidatura. Mas metemos na cabeça que não nos podiam fechar a porta. Num fim de semana, pusemos o protótipo a funcionar, até que nos validaram", diz o empreendedor. Acabaram por vencer. O prémio foi de 75 mil euros e espaço para escritório em Lisboa durante 30 anos.

Deu-lhes ainda a confiança necessária para avançarem com a inscrição para o competitivo YC. São milhares de candidaturas de todo o mundo e somente as melhores são escolhidas: a taxa de sucesso é de 1,5 a 2%, inferior à de entrada nas melhores universidades americanas, como Harvard (5%). Passaram a primeira fase. "A etapa seguinte obrigava-nos a irmos a SF para nos submetermos a uma entrevista de dez minutos com os fundadores do YC. Hoje isso já é feito remotamente, mas na altura tinha de ser mesmo aqui". 

Micael Oliveira com os irmãos Luís e João Batalha, os outros cofundadores da Amplemarket
Micael Oliveira com os irmãos Luís e João Batalha, os outros cofundadores da Amplemarket
Foto: Micael Oliveira

Com dinheiro à conta para os voos, o trio português ficou a dormir no chão da sala de uma amiga italiana de João Batalha, Aurora, em East Palo Alto, uma zona meio obscura de Silicon Valley, enquanto se preparavam para o dia decisivo. Nessa manhã, Mica vestiu uma t-shirt com uma estampagem de uma fórmula de física de partículas, esperando aguçar a curiosidade científica dos entrevistadores. 

Resultou: os chefes do YC perguntaram o que aquilo significava e quebrou-se o gelo. "Foi tudo muito dinâmico. Eu estava com o PC aberto para mostrar a demo, uns estavam a falar de pé, aquilo passou num instante. Naquela fase tão prematura, o que mais lhes importa é saber em quem estão a investir, quem são aquelas pessoas que vão ter resiliência para trabalhar até encontrarem uma coisa que funcione", explica Mica.

Horas depois, ouviu a vibração do telemóvel na mesa do café. Do outro lado, Paul Graham, um dos fundadores da aceleradora: a Orankl tinha sido admitida, numa lista de 68 startups que contemplava ainda outra portuguesa, a Unbabel, as primeiras nacionais a integrarem o prestigiado programa californiano. "Festejámos muito porque pensámos que entrando para o YC tínhamos a vida feita", recorda Mica. "Hoje sabemos que não significa nada, foi só um passinho inicial na longa caminhada que temos pela frente". 

Em janeiro de 2014, Mica mudou-se para Silicon Valley com os seus amigos e cofundadores, deixando do outro lado do Atlântico Portugal e o Luxemburgo, os dois países em que cresceu e desenvolveu o engenho para solucionar problemas.

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Partículas de um emigrante
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Quando Micael nasceu, em 1986, a sua mãe tinha somente 18 anos. Os seus progenitores eram ambos da Tocha, uma vila com 4 mil habitantes no concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, mas emigraram para o Luxemburgo no final da década, levando o varão e o seu irmão mais novo, André. 

Não durou muito: problemas entre o casal fizeram com que a mãe optasse por entregar as crianças aos avós e aos tios, na Tocha, onde Mica viveu até aos nove anos. Entretanto, em Hesperange, no Luxemburgo, o casal Gomes de Oliveira iria ainda conceber um terceiro rapaz, João, antes da inevitável separação. 

Sem o pai em casa, a progenitora fez então os filhos mais velhos regressarem ao Grão-ducado. "Eu só falava português e colocaram-me numa turma de inserção com cursos intensivos de francês e de matemática", recorda Mica. "No primeiro ano, sentia que os miúdos luxemburgueses gozavam comigo e cheguei a meter-me em bulhas e sarilhos. Nada de especial, sempre fui bom aluno, mas deu para sentir na pele o que é ser o outro num país estrangeiro".

Essa experiência, relata o empreendedor, não só não o marcou como o tornou mais forte: "Acho que toda a gente devia experimentar ser emigrante porque é algo que confere, ou devia conferir, a capacidade de nos adaptarmos a contextos que nos são estranhos e de nos colocarmos na difícil posição daqueles que não pertencem à sociedade maioritária", afirma. 

"No Luxemburgo, havia o preconceito de que os homens portugueses construíam as estradas e as mulheres eram empregadas de limpeza e tomavam conta de crianças. E em parte era verdade... a minha própria mãe limpava casas e guardava miúdos. Qual o mal disso? Nenhum, No entanto, esse juízo de valor deu-me uma motivação extra para mostrar que os portugueses não eram apenas isso".

Aprendeu francês, mais tarde também alemão e luxemburguês. O conimbricense teve sempre mais lusodescendentes nas turmas, mas cresceu rodeado de amigos das mais diversas proveniências. Fala hoje cinco idiomas. Com as duas filhas, gémeas, usa o francês, para que assimilem desde crianças três vernáculos: o português (da mãe), o francês (do pai) e o inglês (da escola em São Francisco).

A família começou por viver num pequeno estúdio, separado por um móvel grande: de um lado a sala, do outro um quarto com sofá-cama. "Sempre partilhei o espaço com os meus irmãos e só me fez bem. Hoje, as famílias dizem precisar de um T1000 e de um jardim, mas o espaço é francamente sobrevalorizado. Uma criança precisa apenas de amor e do apoio dos pais", diz. "Hoje vivo num apartamento incrível e sinto-me privilegiado todas as manhãs. Mas nunca me esqueço de onde venho e do quão importante para mim é vir daí".

Micael e os seus parceiros arrendaram um primeiro apartamento, simultaneamente escritório, em Mountain View, no coração de Silicon Valley. Dormiram no chão ao longo de quase três anos.
Micael e os seus parceiros arrendaram um primeiro apartamento, simultaneamente escritório, em Mountain View, no coração de Silicon Valley. Dormiram no chão ao longo de quase três anos.
Foto: Micael Oliveira

Praticava skate e jogava ténis, sem nunca descurar as aulas, em que as ciências desde cedo assumiram carácter de predileção. "A minha mãe trabalhava nas limpezas de manhã à noite, seis dias por semana, para que nunca me faltasse nada. A única coisa que lhe podia dar em troca era ser bom aluno, não falhar nas minhas responsabilidades. Acho que, em parte, fui bom na escola para lhe poder retribuir esse esforço", diz o atual CRO (Chief Revenue Officer, ou diretor de receitas) da Amplemarket.

Micael nem sempre foi o tipo de rapaz infetado pelo "bichinho" da tecnologia. Mais do que os videojogos e os computadores, gostava de resolver dilemas e arranjar formas de contornar obstáculos: "Ia ao videoclube alugar dvd's para os poder hackear em casa, devolvia-os três horas depois, porque ainda era de borla. Era mais pelo desafio, para ver se conseguia". 

Escolhi física de partículas, uma disciplina pela qual nutria muito interesse e que estava muito em voga por causa do acelerador de partículas do CERN.

Micael Oliveira

Ainda se lembra do fascínio sentido com a sua primeira ligação à net, 56k, o router e o telefone a fazerem ruídos bizarros. Mas só aprendeu programação na universidade, em Estrasburgo, França, onde incursou para estudar Física. Aí sim, comprou o seu primeiro computador Mac, apareceram os primeiros iPods e iPhones. 

Na hora de escolher a instituição para o mestrado, virou-se para o IST, em Lisboa, mais para se aproximar da namorada, Diana (hoje sua companheira e mãe das suas filhas), do que por motivos curriculares. "Escolhi física de partículas, uma disciplina pela qual nutria muito interesse e que estava muito em voga por causa do acelerador de partículas do CERN e do dinheiro que estava a movimentar", diz o luso-luxemburguês.


A estrela portuguesa do grupo Ferrero
Filipe Cunha ocupa um lugar de topo no grupo Ferrero. Vive no Luxemburgo desde 2017 com Vera Gomes e dois filhos. São uma das novas famílias portuguesas no Grão-Ducado.

Na universidade lisboeta, rapidamente fez amizade com Luís Batalha: "Fazíamos os trabalhos juntos, tínhamos os mesmos interesses e a mesma onda", diz. "Através dele, conheci o João, que estava a fazer um estágio na Califórnia e nos transmitia que era ali que tudo estava a acontecer". 

Foi então que as startups começaram a dominar as suas conversas: era a época da explosão do Facebook, da Tesla e da tecnologia informática. "São Francisco era o sítio para estar", reflete Mica. "Era como ir para Hollywood se sonhasses ser ator ou para Nova Iorque se quisesses trabalhar no mundo financeiro. Se quisesses criar uma startup e levantar dinheiro, ninguém te ia tomar em conta se estivesses em Lisboa ou no Luxemburgo. O nosso sonho passou a ser Silicon Valley".

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O caminho das pedras
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O triunvirato português arrendou o seu primeiro apartamento, simultaneamente escritório, em Mountain View, no coração da zona a sul de SF que a partir de 1970 ficou conhecida globalmente por Silicon Valley – devido à concentração de um elevado número de empresas inovadoras especializadas em transístores e chips de circuito integrado baseados em silício, ou silicone. 

Se quisesses criar uma startup e levantar dinheiro, ninguém te ia tomar em conta se estivesses em Lisboa ou no Luxemburgo. O nosso sonho passou a ser Silicon Valley.

Micael Oliveira

O dinheiro flui abundantemente: o "Vale" é a sede de 30 das 100 maiores empresas do mundo, segundo a Forbes, tem o terceiro maior PIB per capita do planeta (depois de Zurique e Oslo), movimenta um terço do capital de risco existente nos EUA, e tem a maior percentagem de casas com um valor estimado em mais de um milhão de euros. 

"A nossa primeira renda era de 3.500 euros. Pensei que se tinham enganado, que tinham colocado um dígito a mais", relembra Mica. Sem dinheiro para mobiliário, compraram unicamente três colchões, uma mesa para os computadores e cadeiras. Dormiram no chão ao longo de quase três anos. Na parede, uma bandeira de Portugal e folhas de papel desenhadas para se fazerem passar por quadros.

Micael nem sempre foi o tipo de rapaz infectado pelo “bichinho” da tecnologia. Mais do que os videojogos e os computadores, gostava de resolver dilemas e arranjar formas de contornar obstáculos.
Micael nem sempre foi o tipo de rapaz infectado pelo “bichinho” da tecnologia. Mais do que os videojogos e os computadores, gostava de resolver dilemas e arranjar formas de contornar obstáculos.
Foto: Micael Oliveira

O programa do YC durou três meses: um processo em que empreendedores mais experientes ajudaram os portugueses a desenvolver a sua ideia, a encontrar potenciais investidores e a criar redes de contactos. "Todas as semanas havia um jantar com todas as startups em que a comida não era a prioridade, mas vinha alguém muito proeminente partilhar a sua história. Até o Marc Zuckerberg, do Facebook, já lá foi. Nós apanhámos, entre outros, os fundadores da Airbnb, que têm uma história para lá de complicada, com cartões de crédito todos esgotados, uma dívida gigante, estiveram para desaparecer uma data de vezes. Acreditaram naquilo e fizeram bem, hoje são bilionários", conta Mica.

"Qual o objetivo dessas sessões? Mostrar que os maiores empreendedores são pessoas comuns, como nós. Eu cresci com aquela ideia de que temos de ter respeito pelos doutores e aqui a mentalidade é que quem está no topo do mundo são pessoas normais. É inspirador e motivante porque te faz pensar que podes ser o próximo".

Conseguiram angariar centenas de clientes e levantar cerca de 500 mil euros na ronda de investimento pre-seed, dinheiro que usaram muito cautelosamente nos anos seguintes para desenvolver o negócio: "Atribuímo-nos o salário mínimo e ficámos nós a fazer quase tudo para fazer render o dinheiro. Quase ninguém acredita que aguentámos em SF até 2020 só com essa soma", diz. 

As jornadas de trabalham tinham 14, por vezes 16 horas. "Era levantar, ir para o computador, trabalhar e só parar para voltar a cair no colchão. É preciso ser forte mentalmente. Por isso é que muitos fundadores de startups sofrem esgotamentos e depressões. Antes, na escola e na universidade, as regras eram simples e os problemas bem definidos, trabalhava e depois tinha o reconhecimento com uma boa nota no exame. Aqui não. Trabalhas imenso e o sistema não te reconhece nada, pelo contrário, nunca é suficiente, estás sempre fora da tua zona de conforto e é como se estivesses sempre a falhar".

No processo de ampliação da Orankl, os empreendedores tropeçaram em dificuldades na parte das vendas. "Já havia softwares para isso, mas tinhas de usar uns dez diferentes, era um espaço muito fragmentado, em que as soluções eram limitadas e não se interligavam umas com as outras", explica o CRO da empresa. "Por que não criar um programa que açambarcasse todas essas ferramentas de otimização de vendas? Era um espaço fulcral, em branco, e com dinheiro, porque se uma startup quer crescer precisa que os clientes lhe comprem o produto de uma forma prática e funcional".

Assim nasceu a semente para a transformação da Orankl na Amplemarket. A decisão levou um ano a ser tomada, mas com o parecer positivo de mentores e investidores, avançou. Seguiram-se três anos de desenvolvimento. "Sabíamos que ia dar muito trabalho, mas era um problema nobre de se resolver", diz Mica.

"A Amplemarket pode vir a ser a empresa que muda a forma como as empresas crescem. Um dos maiores desafios para qualquer empresa é angariar clientes. O que nós queremos é que cada vez que estás pronto a crescer venhas ter com a Amplemarket".

E como isso se faz? Recorrendo a técnicas de inteligência artificial. Por exemplo, se uma empresa X pretende fazer negócio com uma empresa Y, a Amplemarket oferece um software que permite à primeira definir o tipo de cliente que pretende contactar e graças à inteligência artificial a Amplemarket produz uma lista de potenciais contactos e a melhor abordagem comercial em poucos segundos. 

No futuro, a startup pode aperfeiçoar os sistemas de inteligência artificial para a análise de textos que indiquem a abertura de um gestor de uma companhia para contratar determinado bem ou serviço: "estamos concentrados em soluções que ajudem nas vendas entre empresas. Mais tarde podemos vir a alargar o raio de ação com ferramentas para o segmento de talento e recursos humanos, mas é algo que ainda não decidimos e que ainda não consta na estratégia que definimos para os tempos mais próximos", comentou o cofundador João Batalha ao jornal Expresso.

A Amplemarket nasceu oficialmente em 2019 e no final desse ano tinha o produto pronto para ser lançado. Nesse período, Mica foi pai de gémeas e viu o mundo ser sacudido por uma maleita imprevista: "Estava eu ao telefone pronto para vender o nosso programa quando do nada, rebentou a pandemia da covid-19", recorda o empreendedor. 

"Foi um pesadelo. Mas mesmo a tratar das bebés e com as pessoas a pensar que o mundo ia acabar, conseguimos progredir. Aprendi imenso. Sou introvertido, mas quando estou a falar de algo de que gosto, acho que consigo passar muita energia. Um founder que faz vendas é alguém que acredita muito no que está a vender".

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Entre Musk e a recessão
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A Amplemarket tem hoje quase 400 clientes espalhados pelo mundo, 70 funcionários (metade deles em Portugal e um que trabalha enquanto viaja de autocaravana pelo mundo) e receitas que, apesar de confidenciais, são já de sete dígitos anuais. No ano passado, recolheu um investimento de 11 milhões de euros, na combinação de rondas seed e séries A, lideradas pelo fundo americano Comcast Ventures e pelo português Armilar Venture Partners. 

"A abordagem da Amplemarket permite aos representantes de vendas destacarem-se do ruído, causando aumentos significativos na eficácia das vendas", disse Pedro Ribeiro Santos, partner da Armilar, no comunicado de anúncio do investimento.

Em SF, a euforia financeira dos últimos anos foi assombrada pela inflação galopante e pelos agoiros de recessão económica. Micael Oliveira não se mostra assustado; fala com o Contacto na praça de Hayes Valley, no centro da cidade, junto a um grupo de adolescentes que se recria em manobras de skate e de pessoas que se exercitam num ginásio ao ar livre, efeito pós-covid na cidade que está sempre um passo à frente. 

"Acreditamos que somos uma máquina anti-recessão", diz o português. "A Sequoia, a maior empresa de capital de risco, publicou há pouco tempo uma apresentação em que elencava o que as empresas deviam fazer em tempos de crise. Primeiro, reduzir riscos, segundo, investir em ferramentas que ajudem a consolidar custos, e finalmente, investir em ferramentas que ajudem a aumentar receitas. Ora, as duas últimas são o núcleo da nossa missão. Nós ajudamos a consolidar custos oferecendo vários produtos em simultâneo e tudo o que fazemos é ajudar os clientes a aumentarem as suas receitas".


O que é o ChatGPT e por que se fala tanto dele?
É capaz de responder a dúvidas, ter conversas em várias línguas sobre um espectro alargado de assuntos com a mesma naturalidade que um humano e os receios começam aí.

Os investidores viraram as costas às criptomoedas e estão agora concentrados no desenvolvimento das aplicações de criação de conteúdo, texto e imagem através de inteligência artificial, como o ChatGPT, algo que interessa à startup portuguesa, uma vez que futuramente pode vir até a usar a AI para análise de emoções num contexto de vendas.

"É um fator que pode vir a ser muito importante para se saber qual a probabilidade de alguém vir a fechar um negócio, sendo que essa informação pode estar presente nos silêncios ou na inflexões de voz de uma pessoa enquanto fala com outra", disse João Batalha ao Expresso.

Fruto do crescimento da startup, o segundo escritório já tinha outras condições.
Fruto do crescimento da startup, o segundo escritório já tinha outras condições.
Foto: Micael Oliveira

A Amplemarket não é o único projeto conjunto entre Micael e os irmãos Batalha. Criaram a Fermat's Library, uma plataforma para anotar e partilhar artigos científicos, que conta com mais de 850 mil seguidores. Um deles é bastante poderoso: Elon Musk, o patrão da Tesla, SpaceX e Twitter, que segue pouco mais de 170 contas na rede social que administra. A dos portugueses é uma delas.

"Ainda ontem trocámos umas mensagens privadas com ele", diz Mica, mostrando o chat com o homem mais rico do mundo em 2022. A principal ideia é facilitar a colaboração em ciência e ajudar a desmistificar artigos científicos graças a anotações nas suas margens. Quem disse que ninguém liga à ciência? O conteúdo partilhado pelo Fermat's Library conta já com mais de 20 milhões de visualizações todos os meses.

Mica vive hoje com Diana e as duas filhas num apartamento do 27º andar de uma torre na baixa de SF, vizinho da sede do Twitter e do City Hall. Tem uma vista panorâmica sobre a metrópole das mil colinas e até um campo de basquetebol no condomínio. 

Bem, o alojamento é provisório, porque lhe aconteceu uma daquelas coisas que só se passam na América: teve de sair do seu apartamento, uns andares a baixo, porque um vizinho tresloucado abriu as torneiras de segurança e inundou todos os andares inferiores, tendo sido apanhado pela polícia nu e em flagrante e acumulado um prejuízo de algumas dezenas de milhões de euros. 

Mica está decidido a desfrutar do crescimento da startup que ajudou a fundar. Ainda assim, não há garantias de sucesso; tanto se pode tornar num "unicórnio" – e valer milhares de milhões -, como falhar como tantas outras perante a pressão constante do vale da tecnologia. 

"Ainda não ganhámos nada. Temos uma boa carteira de clientes e provámos que o que construímos produz resultados para os nossos clientes, mas só estamos a começar, ainda há muito para fazer. Nós dizíamos que quando chegássemos ao primeiro milhão, estávamos lançados. Depois estás lá, e só pensas em chegar aos dois", diz o luso-luxemburguês. 

Isso tem fim? Mica fica em silêncio uns segundos. "Provavelmente não".

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