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O Grande Ditador
Opinião Sociedade 4 min. 08.11.2022
Elon Musk

O Grande Ditador

Elon Musk

O Grande Ditador

Foto: Jim Watson/AFP
Opinião Sociedade 4 min. 08.11.2022
Elon Musk

O Grande Ditador

Hugo GUEDES
Hugo GUEDES
Este imperador não é benigno. É um sonegador de impostos, manipulador de cotações na bolsa e vendedor de esquemas em pirâmide...

Charlie Chaplin olhava com assombro para os paralelismos entre ele próprio e Hitler. Ambos, ditador e cineasta, nascidos no intervalo de quatro dias em Abril de 1889. 

Ambos oriundos da pobreza e chegados ao estrelato; ambos portadores de um carismático bigode, aparado de ambos os lados, uma das várias semelhanças físicas entre os dois. Chaplin não podia evitar um arrepio ao falar do genocida, num misto de horror e fascínio. "Imagina, meu filho", dizia ele a Charlie Jr. "Ele é o louco, e eu o comediante. Mas podia ter sido ao contrário".

A visita de Chaplin, então no auge da sua popularidade, a Berlim em 1931 foi um êxito tamanho que amedrontou os nazis. Quando estes chegaram ao poder, dois anos mais tarde, publicaram um panfleto intitulado "Os judeus vigiam-te" onde Chaplin, que nem sequer era judeu, era insultado pessoalmente como "esse nojento acrobata judeu". O grande cineasta tomou o seu tempo para a vingança refinada. 

Escreveu, produziu e financiou "O grande ditador", cujas filmagens se iniciaram, por terrível coincidência, poucos dias após o início da Segiunda Guerra Mundial. No filme, Charlie Chaplin encarna o ridículo Adenoid Hynkel, numa paródia evidente a Hitler. Há testemunhos que provam que o líder nazi viu o filme pelo menos duas vezes, mas não sabemos quão furioso ficou.

Ao contrário da ágora, o Twitter é tudo menos democrático: multinacional privada, monopolista e com um único accionista que acaba de se auto-coroar imperador.

Sabemos sim que o novo dono e senhor do Twitter não gosta de ser parodiado e hoje mesmo confirmámo-lo, quando as piadas de uma conhecida comediante americana que o imitou levaram Elon Musk (nome não fictício) a bani-la da rede social e a decretar: "a partir de agora quem mude de nome para imitar outra pessoa terá a sua conta apagada para sempre, sem aviso prévio".

Ui ui, parece que há nuvens negras no paraíso... Musk deve estar amuado porque o brinquedo que há apenas 10 dias comprou por 44 mil milhões de dólares (mais de metade do PIB do Luxemburgo) já vale bem menos do que isso, a avaliar pelas deserções de utilizadores, despedimentos em massa de funcionários e retirada dos anunciantes. Cada dia parece trazer uma nova má notícia para a rede social, um novo motivo de repúdio ou chacota.

O antigo vice-presidente europeu da empresa não teve dúvidas em afirmar que "Elon Musk não tem nenhuma ideia do que está a fazer" e que, se houver uma boa alternativa, os utilizadores devem abandonar o Twitter "sem hesitar". Outros são mais sanguíneos, chegando ao ponto de sugerir que a estratégia é conseguir algo de realmente importante: provar que plataformas digitais monopolistas, gigantes que querem que olhemos para elas como eternas, poderosas e indispensáveis podem, na realidade, cair – e cair tão rápida como facilmente.  

Talvez o Twitter se afunde, ou talvez se converta em máquina de desinformação e propaganda dos mais variados extremismos, à la Facebook. Seja como for, o problema fundamental mantém-se: as nossas sociedades abertas e democráticas precisam de uma ágora para sobreviver.

A ágora, ou o fórum, constituem o espaço público por excelência, a concretização da cultura, política e vida social dos gregos e romanos. Sem as suas discussões e intercâmbios não é possível a evolução – ou a própria sobrevivência – daquelas sociedades clássicas. A sociedade digital globalizada em que vivemos não é diferente e, pelo menos no mundo ocidental, a grande ágora do momento chama-se Twitter. 

O problema é que, ao contrário da ágora, onde a democracia foi inventada, o Twitter é tudo menos democrático: multinacional privada, monopolista e com um único accionista que acaba de se auto-coroar imperador supremo.

E este imperador não é benigno. É um sonegador de impostos, manipulador de cotações na bolsa e vendedor de esquemas em pirâmide, herdeiro de uma fortuna suspeita na África do Sul, cliente de todos e mais alguns subsídios estatais, adúltero inveterado, trumpista pouco disfarçado. Em suma, um pequeno ditador. É esta a pessoa certa para cuidar das chaves do nosso fórum? A resposta é não.

A solução é simples: criar um fórum digital público, a nível europeu. Uma fundação de capitais públicos, sem objectivos de lucro, gerida por um conselho de sábios, com regulamentos claros e sólidos, inclusivo e moderado, implacável contra contas falsas e desinformação, mas também – e sobretudo – livre.

Se nunca chegarmos a criar uma plataforma assim, o preço a pagar será deixar de viver em democracia. Talvez antes do que esperamos.

 (Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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