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Mónica Gomes. A brasileira que foi "escolhida" pelo Luxemburgo
Sociedade 9 min. 18.08.2022 Do nosso arquivo online
Integração

Mónica Gomes. A brasileira que foi "escolhida" pelo Luxemburgo

Mónica chegou ao Luxemburgo num domingo e no dia seguinte já estava a trabalhar.
Integração

Mónica Gomes. A brasileira que foi "escolhida" pelo Luxemburgo

Mónica chegou ao Luxemburgo num domingo e no dia seguinte já estava a trabalhar.
Foto: Anouk Antony
Sociedade 9 min. 18.08.2022 Do nosso arquivo online
Integração

Mónica Gomes. A brasileira que foi "escolhida" pelo Luxemburgo

Paula SANTOS FERREIRA
Paula SANTOS FERREIRA
Por amor ao marido deixou uma vida boa como dentista no Brasil, onde sempre vivera, e foi para Portugal. A pandemia deixou-a sem trabalho. Foi à luta e, aos 52 anos, deu por si a recomeçar sozinha a vida no Grão-Ducado, onde nunca pensara viver. Já não quer partir.

Dois anos depois de ter chegado ao Luxemburgo, Mónica Gomes sente-se de novo uma mulher realizada profissionalmente. Aos 54 anos, trabalha com prazer até às 22 horas, para atender todos os pacientes no consultório de medicina dentária,no centro da capital. E o Grão-Ducado revelou-se uma boa surpresa. “Um país seguro, agradável, animado por pessoas das mais diversas nacionalidades e no centro da Europa, onde com facilidade podemos visitar tantos outros países”, assim descreve Mónica Gomes o novo país de acolhimento, na entrevista que decorreu bem cedo, numa manhã ensolarada, antes do início de mais um dia de trabalho que ia ser longo.

“Adoro o volume de trabalho. Nossa, era como no Brasil, que saudade, começo às 9 da manhã e vou até às 8, 9 ou 10 da noite. Sinto-me viva novamente!”, diz a médica dentista com um sorriso rasgado, realçando, com orgulho, os seus trinta anos de carreira. No seu país natal tinha consultório próprio e trabalhava ainda para duas clínicas públicas do município, numa maratona semanal de horas de trabalho, mas que compensavam bem financeiramente, como admite.

Mónica Gomes reconhece que tinha uma boa vida no Brasil, “à custa de muito trabalho”, e também mérito profissional. “As minhas duas irmãs emigraram há 20 anos para Oslo e Copenhaga e diziam-me sempre para eu emigrar também para estes países. Eu dizia sempre que não pensava em sair do Brasil, pois estava bem”, relembra.

Só que, há seis anos, o então marido ficou sem emprego e quis ir voltar para o Porto, a terra natal. Por amor, Mónica Gomes, que tinha adquirido a nacionalidade portuguesa por casamento, decidiu ir com ele. Aos 48 anos, recomeçou uma nova vida em Portugal. Foi-lhe concedida a equivalência do curso de medicina dentária e começou a trabalhar, mas não no volume de trabalho que estava habituada. Se a situação já não era boa, com a pandemia a sua cadeira de dentista ficou vazia.

Sem trabalho, foi à luta

Pela primeira vez na vida viu-se sem pacientes. “Pensei 'aceita que dói menos' e vai à luta. Nessa altura, o meu trabalho passou a ser procurar trabalho. Todos os dias procurava afincadamente. Estava muito difícil. Soube que havia ofertas interessantes em França mas eu só sabia falar um pouco de francês e inglês. Resolvi que iria para França, mas antes fui fazer um curso de francês”, lembra.

Foto: Anouk Antony

“Inscrevi-me na Alliance Française e empenhei-me a fundo, estudei muito e conclui o curso em tempo recorde”, lembra a rir. “Não que seja mais inteligente que os outros, mas porque levei o curso muito a sério e me empenhei totalmente. Se nos empenharmos a fundo em algo, conseguimos”. Este é o seu lema de vida: “Nos momentos mais difíceis é preciso muita força de vontade e fé. Fé em Deus, que eu tenho, ou noutro credo qualquer, e acreditar em nós próprios. Mesmo que hoje nada aconteça, amanhã algo pode mudar, que vai dar certo. Acredito que funciona para todo o mundo”.

A busca por trabalho em França, em 2020, foi feita com a ajuda de uma amiga que vive no Luxemburgo. “Recebi uma proposta de Metz e fui lá algumas vezes para conversar e preparar a minha integração no consultório.

Foi então que conheci o Luxemburgo, pois aterrava aqui no aeroporto, o mais próximo de Metz. Na altura, nem sonhava que, afinal, me mudaria para cá”, recorda.

O que aconteceu? “Tinha tudo acordado, quando de repente percebi que a França, nessa altura só aceitava trabalhadores brasileiros com curso superior completo na União Europeia. O meu curso já era da União Europeia, com a equivalência atribuída em Portugal, é válido em todos os países. O problema é que a França só aceitava trabalhadores que se tivessem licenciado na União Europeia. Acho que foi um problema entre o Brasil e a França. Agora já está tudo normalizado”. Só que naquela altura, o aguardado emprego fugiu. Foi então que a sua amiga sugeriu que a médica dentista viesse trabalhar para o Luxemburgo onde também havia ofertas de emprego. “Deixa a vida me levar. Eu sempre fui assim e o Luxemburgo agradou-me logo nas breves visitas que fiz, aquando das idas a Metz. Fiquei admirada com a quantidade de portugueses e lusófonos que aqui residiam. Além de que o francês era também um dos idiomas do país”. E, foi assim, que esta brasileira chegou à capital de malas e bagagens pronta para, mais uma vez em quatro anos, recomeçar uma nova vida. “Eu digo sempre que não fui eu que escolhi o Luxemburgo, mas o Luxemburgo que me escolheu. E ainda bem”, diz Mónica Gomes com alegria.

A chegada ao Luxemburgo

A nova médica dentista do país chegou num domingo, em agosto de 2020 e, no dia seguinte, já estava a trabalhar. Uma mudança que veio acompanhada com novo revés: o marido não quis mudar-se para o Luxemburgo, quis ficar em Portugal.

Ao fim de nove anos de namoro e casamento, os dois separaram-se.

“Foi triste e surpreendente para mim, porque achava que com a melhoria da situação económica, tudo ia melhorar também, mas amor é amor, e dinheiro é dinheiro. Achamos que muitas vezes o problema num relacionamento é dinheiro. Realmente, a falta dele pode ferir muitos relacionamentos, mas no fundo, será que existe amor?”

Aos 52 anos, Mónica Gomes mudava-se assim para o Grão-Ducado, sozinha. No Brasil ficaram as duas filhas, de 36 e 33 anos, casadas. Os netos, agora com um ano, chegaram quando já estavam emigrada. Em Portugal, ficou o até então marido. No Luxemburgo, conhecia apenas a sua amiga. Mais ninguém. Como sempre, enfrentou o desafio com garra e acreditando em si própria.

Começou por residir num quarto alugado pela internet “como todos os emigrantes fazem à chegada, tudo o mais simples possível”. Mónica Gomes admite que no início não é fácil: “É preciso ter coragem e força, não interessa a qualificação que se tem, todos os emigrantes sentem o mesmo”.

A solidão num país desconhecido foi apaziguada pelo trabalho intenso, com a cadeira de dentista sempre com pacientes e a dedicação total à profissão. No início, quase não tinha doentes portugueses ou lusófonos, mas a panóplia de nacionalidades que recebia e recebe no consultório fascinou-a desde logo.

A clínica dentária onde Mónica trabalha.
A clínica dentária onde Mónica trabalha.
Foto: Anouk Antony

E é isso que tanto lhe agrada no Luxemburgo. “Sentimo-nos muito bem. Vemos uma pessoa loira e de olhos azuis, e para mim que sou imigrante, tanto pode ser luxemburguesa, como francesa, alemã, brasileira ou portuguesa. Este multiculturalismo é muito rico para mim”.

Nos seis anos que tem de imigração na Europa, quatro em Portugal e dois no Grão-Ducado, apercebeu-se que, tal como ela, todos os imigrantes têm “grande força de vontade”, e “muito empenho nos seus trabalhos, acho que é notório”.

Pela sua maneira de ser, a integração, primeiro em Portugal e agora no Luxemburgo, não foi difícil. “Sou muito fácil de lidar, comunicativa, adoro gente, sou uma pessoa de pessoas, e até na minha profissão isso é importante, a par com a sinceridade e oferecer um bom trabalho”, diz a dentista orgulhosa dos pacientes que tem conquistado e dos “likes” e comentários de reconhecimento que ganha nas redes sociais na página profissional.

O que mais aprecia da vida no Luxemburgo? A segurança, tal como em Portugal. “No Brasil, cada vez que saía à rua, pensava no que levava na mala e se me faria falta se fosse assaltada. Em Portugal, custou-me a habituar. Até realmente sentir que pode relaxar demora”, confessa contando a rir que, no início, mantinha o ritual e ficava “nervosa sempre que, da minha janela via uma mulher sozinha na rua à noite, a falar ao telemóvel tranquila. Nossa, vai ser assaltada, pensava logo”. Além de que sempre que ouvia uma mota “tremia, pensava sempre que ia ser assaltada”.

“Esta liberdade que vivemos em Portugal e no Luxemburgo não tem preço”, garante a brasileira.

Mónica Gomes gosta da sua vida no Luxemburgo, um país que “tem a porta aberta a todos os emigrantes, mesmo os que não têm qualificação profissional”.

Contudo, reconhece que, para quem vem do Brasil, a motivação tem de ser maior. “É muito longe daqui, quando se sai de lá muda-se toda uma vida, por isso, todos vêm com muita força de vontade, energia e seriedade. São características semelhantes às dos portugueses, cabo-verdianos e outros lusófonos”. Mónica Gomes salienta ainda que os brasileiros que atravessam o oceano até ao Luxemburgo pertencem, geralmente, a uma segunda geração de luxemburgueses no Brasil, “trabalhadores qualificados e que vêm com muito boas oportunidades”.

O "respeito" pelo país de acolhimento

O primeiro ano foi dedicado totalmente ao trabalho. “Só trabalhei mas agora já me permito viajar. Agora é trabalho, trabalho, trabalho e uma viagem”, conta a rir. Sábado, no dia a seguir à entrevista, Mónica Gomes voou para uns dias de férias, pelo Mónaco e depois Avignon, em França, onde uns amigos da família se casam. A alegria ainda é maior porque vai estar com a sua filha mais velha que vêm do Brasil para o casamento. A médica dentista tem aproveitado para conhecer melhor a Europa, uma vantagem da localização central que o Luxemburgo oferece.

E duas vezes por ano vai ao Brasil, para estar com as duas filhas e os netos, Maria e Gabriel, ambos com um ano. Confessa ser difícil viver longe e não ver os netos crescer.

Mónica gosta da sua vida no Luxemburgo, um país que "tem a porta aberta a todos os emigrantes, mesmo os que não têm qualificação profissional".
Mónica gosta da sua vida no Luxemburgo, um país que "tem a porta aberta a todos os emigrantes, mesmo os que não têm qualificação profissional".
Foto: Anouk Antony

Outro dos seus prazeres conquistados no Grão-Ducado é passear pelo país, com os amigos que já ganhou.“Estou a conhecer melhor o país, as outras cidades pequenas, as vinhas, é tudo muito agradável”.

O enamoramento maior é com a capital, onde vive e trabalha. “Amo a cidade, principalmente agora no verão em que todo o mundo sai, conversa muito, a cidade vibra”. E se há menos sol do que no Brasil e em Portugal, então há que aproveitar bem os dois ou três meses mais luminosos.

Mónica Gomes não tem dúvidas: É no Luxemburgo que quer continuar “mesmo depois da reforma”. Não só porque gosta de aqui viver, mas também para que os dois netos, quando forem adolescentes, possam fazer um intercâmbio e vir cá. “Quero que eles aprendam francês, alemão e luxemburguês para que estejam bem preparados para o futuro, como eu preparei as minhas filhas para o mundo. Uma é médica e outra notária. Agora estou tranquila aqui pois elas estão bem e com boas carreiras”, afirma orgulhosa. De seguida solta uma gargalhada. “Já imaginou, eu a viver com dois adolescentes? Então aí é que fico mesmo jovial. Quero muito que venham para recuperar os anos longe”.

Entre os projetos mais próximos está a aprendizagem da língua luxemburguesa.

“Tenho de aprender luxemburguês, por respeito pelo país que me acolhe. Penso que se vivemos aqui temos de conhecer o idioma do país, a sua cultura e apreciar a sua gastronomia”. Nada difícil pois Mónica Gomes pode, sempre que quiser, matar saudades da cozinha portuguesa, que muito aprecia, e brasileira, nos restaurantes de ambas as nacionalidades que tem ao pé de casa.

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