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Jovens "agarrados" aos telemóveis no Luxemburgo
Sociedade 6 min. 01.09.2022 Do nosso arquivo online
Ecrãs

Jovens "agarrados" aos telemóveis no Luxemburgo

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Jovens "agarrados" aos telemóveis no Luxemburgo

Foto: Shutterstock
Sociedade 6 min. 01.09.2022 Do nosso arquivo online
Ecrãs

Jovens "agarrados" aos telemóveis no Luxemburgo

Madalena QUEIRÓS
Madalena QUEIRÓS
Um em cada três jovens no Luxemburgo está mais de cinco horas por dia no smartphone. Estaremos a criar uma geração de "cretinos digitais"? Especialistas respondem ao Contacto.

Quando chegou a meia-noite do dia do seu aniversário, a primeira coisa que fez foi correr para o quarto e criar um perfil no Instagram. Fernanda acabava de fazer 13 anos e chegava à idade autorizada para se inscrever nesta rede social. Uma Cinderela digital que corria em direção a uma das redes mais utilizadas pelos adolescentes em todo o mundo. Fernanda é um exemplo paradigmático da sua geração. Passa uma boa parte do seu dia colada a um ecrã. Até porque a sua escola luxemburguesa substitui os livros pelo tablet. Uma exposição excessiva que não lhe agrada por causa dos problemas de visão que causa. "Durante a pandemia dupliquei a miopia, por causa das aulas online", revela.

Fernanda Zuge
Fernanda Zuge
Foto: DR

Apesar de estar demasiado tempo frente a um ecrã, é uma das melhores alunas da Escola Internacional de Clervaux e conseguiu arrecadar o prémio de melhor desempenho a matemáticas do seu ano. Fernanda não esconde que tem muitos amigos "dependentes do telemóvel". Acha que é porque "não têm alternativas para passar o tempo". "Passo muito tempo no telemóvel porque não tenho alternativas para ocupar o meu tempo", confessa Ana Ribeiro, de 15 anos. 

Estamos todos "agarrados" ?

Um em cada três jovens no Luxemburgo passa mais de cinco horas diárias no telefone portátil. Esta é uma das conclusões do estudo do Statec sobre utilização de smartphones elaborado por Armande Frising. No caso destes jovens estamos já no domínio da dependência. Os especialistas dizem que para além de três horas de utilização diária estamos já a falar de uma adição.


Miopia. A nova pandemia nas crianças
"Olhos lacrimejantes, dores de cabeça, fadiga e visão turva" são apenas alguns dos sintomas desta síndrome causada por demasiadas horas em frente a um ecrã, alerta o médico George Hayeck.

Uma utilização que aumentou com a pandemia. "Durante o confinamento a única coisa que nos ligava ao exterior era o smartphone. A internet foi o que nos salvou", diz Alexandra Brito, professora do 1° ciclo do ensino básico no Colégio Efanor no Porto.

Mas o que mais inquieta esta docente não é o tempo passado frente aos ecrãs, mas o que se faz durante esse período.

O que fazem em frente ao ecrã

Alexandra não esquece o caso de uma aluna de nove anos que, de um dia para o outro, começou a ter dificuldades em dormir porque tinha medos que alguém viesse de noite matar toda a sua família. Em conversa com a professora confessou que tinha visto alguns episódios da famosa série Squid Game. A partir daí as suas noites tornaram-se num pesadelo e foi preciso uma intervenção conjunta dos pais e da professora para que voltasse a dormir tranquilamente. "O que mais me inquieta é o facto de as crianças estarem frente ao smartphone ou a um computador e poderem ver o que querem, sem qualquer supervisão parental", sublinha.

Eles jogam. Elas estão nas redes sociais

O estudo do Statec revela que "o gaming é sobretudo uma atividade de jovens e dos rapazes, com cerca de 25% de utilização, enquanto as raparigas se ficam pelos 17%", sublinha Guillaume Osier do Statec. O responsável pela Unidade de Condições de Vida do instituto de estatísticas do Luxemburgo afirma a ainda que, pelo contrário "as videochamadas são sobretudo uma atividade feminina, com 65% das mulheres a utilizarem-nas".

Guillaume Osier, responsável pela Unidade de Condições de Vida do Statec.
Guillaume Osier, responsável pela Unidade de Condições de Vida do Statec.
Foto: Chris Karaba

Ver filmes "é uma atividade masculina com 31% de utilização e dos mais jovens", sublinha. Assim como ouvir a música no telemóvel com 90% dos jovens dos 16 aos 24 anos. Já "participar nas redes sociais é uma atividade predominantemente feminina com 67% das jovens, contra 63% dos rapazes", acrescenta. O TikTok é uma das redes preferidas dos jovens com cerca de 74% de utilizadores entre os 16 e 17 anos.

As redes sociais estão a ter impactos na forma como os jovens e adultos olham para si próprios e na necessidade de sentir a aprovação social.

Ana Cristina Barbosa, psicóloga

Os maiores riscos

"Os riscos maiores de utilização têm que ver com a exposição às redes sociais e o tempo excessivo nos jogos. Os jogos tem um potencial aditivo, porque são desenvolvidos por etapas e tem recompensas intermitentes e quanto mais novos são os utilizadores maior é o potencial aditivo", sublinha Ana Cristina Barbosa. A psicóloga da educação diz que "o tempo dos jogos devia ser controlado" e sugere a utilização de "aplicações de controlo parental que permitem estabelecer limites de utilização que devem ser negociadas com os jovens". 

Sinais de alarme de que podem estar a começar a estar viciados é "irritabilidade quando se tem que desligar um jogo, ou quando há dificuldade em passar para a vida real, com atividades ao ar livre", afirma Ana Cristina Barbosa.

Já "as redes sociais estão a ter impactos na forma como os jovens e adultos olham para si próprios e na necessidade de sentir a aprovação social", sublinha. "Na adolescência, estamos no período que se estabelece mais seriamente a nossa identidade própria e se isso é feito tendo por base as redes sociais, onde a realidade é embelezada, vamos acabar por criar expetativas desfiguradas da realidade", alerta esta psicóloga que exerce no Luxemburgo. "O importante é ajudar os jovens a ter um sentido crítico respeitar as idades mínimas, definidas pelos operadores para utilizar estas redes", alerta.

"Estamos a colocar Ferraris nas mãos das crianças e jovens e temos que dar-lhes cartas de condução adequadas", ironiza Ana Cristina Barbosa.

Diminuir a concentração

"Não podemos responder em absoluto que é preocupante a elevada utilização do smartphone, porque atualmente existe uma maior tomada de consciência sobre o risco ligado à utilização excessiva que pode atingir uma adição", sublinha Guillaume Osier, do Statec. "Mas não vamos dizer para queimar os telemóveis. O smartphone traz também coisas positivas, mas uma utilização excessiva por exemplo, leva a problemas de diminuição da concentração", alerta.

Uma realidade confirmada pelo professora Alexandra Brito. "Claro que temos crianças menos concentradas e interessadas e que não gostam de aprofundar as coisas2, é o que sente na sua sala de aula. Para além disso ainda há "as perturbações do sono".

No seu livro "La Fabrique du crétin digital", Michael Desmurget traça uma quadro negro sobre os efeitos nocivos do uso excessivo de tecnologias. Citando um estudo feito a 125 mil jovens dos 6 aos 19 anos conclui que "há uma forte associação entre a utilização de smartphones à hora de dormir e um número de horas reduzido de sono e a uma sonolência excessiva durante o dia".

Outra das consequência é o défice de atividade física. "Um estudo revela que, atualmente, um adolescente de 18 anos tem o mesmo nível de atividade física de uma pessoa de 60 anos", afirma. Na sua opinião "o consumo digital por lazer está completamente fora de controle. As vítimas desta orgia de tempo dedicada às tecnologias são muitas atividades essenciais ao desenvolvimento: o sono, a leitura, os contactos familiares, os trabalhos de casa, o desporto e atividades artísticas". O livro termina com uma palavra de ordem: "Menos ecrãs é mais vida".

Os exemplos que damos em casa

Depois o exemplo vem sempre dos mais velhos. Porque os mais novos também vêm os pais agarrados ao ecrã. "No outro dia, o telefone enviou-me uma mensagem a dizer que já tinha estado mais de seis horas ligada. Inquieta-me porque sinto que também eu posso estar viciada", confessa uma mãe de uma adolescente de 15 anos. 

E não estamos todos? Já alguma vez parou para pensar e ver quantas horas passa por dia no seu smartphone?

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