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Irão não é o mesmo desde "revolução das mulheres"
Sociedade 3 4 min. 06.12.2022
Protestos

Irão não é o mesmo desde "revolução das mulheres"

Uma das imagens mais marcantes do protesto, uma jovem mostra o cabelo numa fila de manifestantes que se deslocam para o cemitério Aichi, onde Mahsa Amini foi enterrada.
Protestos

Irão não é o mesmo desde "revolução das mulheres"

Uma das imagens mais marcantes do protesto, uma jovem mostra o cabelo numa fila de manifestantes que se deslocam para o cemitério Aichi, onde Mahsa Amini foi enterrada.
Foto: AFP
Sociedade 3 4 min. 06.12.2022
Protestos

Irão não é o mesmo desde "revolução das mulheres"

Ana Patrícia CARDOSO
Ana Patrícia CARDOSO
Retratos do Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei foram queimados, as mulheres saíram às ruas sem véu, manifestantes desafiaram as forças de segurança e a polícia da moralidade acabou. A revolução não vai parar.

O regime do Irão termina este ano 2022 mais enfraquecido devido à onda de protestos iniciada pela mulheres iranianas. "Nos 43 anos da sua existência, o regime nunca apareceu tão vulnerável", disse Karim Sadjadpour, especialista iraniano do Carnegie Endowment for International Peace, à revista americana Foreign Affairs. "Este é um movimento de direitos difícil de extinguir", garante Karim, citado pela AFP. 

A mobilização, que começou há quase três meses, tem um rosto: Mahsa Amini, mulher curda iraniana de 22 anos que morreu a 16 de setembro, depois de ter sido detida em Teerão, pela polícia da moralidade por violar o código de vestuário que impõe o uso do véu islâmico em público.


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Numa crise sem precedentes pela sua duração, dispersão pelas províncias, participação de diferentes grupos étnicos e classes sociais e apelos diretos ao fim do regime, muitos dos 85 milhões de iranianos estão a exigir mudanças profundas. 

Retratos do Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei foram queimados, as mulheres saíram às ruas sem véu e os manifestantes desafiaram as forças de segurança. "O ambiente no Irão é revolucionário", disse Kasra Aarabi, perita nacional do Instituto Tony Blair para a Mudança Global, à AFP. 

Como tudo começou 

A morte de Mahsa Amini enviou 'ondas de choque' por todo o país e as mulheres mobilizaram-se contra o uso obrigatório do véu e, para além disso, contra todas as restrições que as penalizam. Cortaram os próprios cabelos e foram para a rua todos os dias, num ato de extrema coragem tendo em conta o controlo que sofrem nas mãos do regime.

Os homens juntaram-se ao descontentamento e o movimento passou a visar cada vez mais os líderes iranianos. Em resposta, o governo confiou no seu "aparelho repressivo bem treinado", relata a Amnistia Internacional, que já denunciou o uso de munições contra os manifestantes. O número de mortos durante as primeiras 10 semanas estabelecidas pelas autoridades ascende a cerca de 300, incluindo manifestantes e forças de segurança. 

A ONG iraniana Iran Human Rights (IHR), com sede na Noruega, comunicou a morte de pelo menos 448 pessoas, incluindo 60 menores, "mortos pelas forças de segurança". De acordo com o IHR, mais de metade das mortes ocorreram em áreas povoadas por curdos e baluchis, duas minorias que são contra o governo. 

Pelo menos 14.000 pessoas foram presas, de acordo com a ONU, incluindo figuras da cultura e do desporto, advogados, ativistas e jornalistas. Seis foram condenados à morte, um número que poderá aumentar, receiam as ONG. "Ficou claro desde o início que os protestos não eram apenas (a favor) da reforma ou (contra) a polícia da moralidade, mas visavam todo o regime", disse à AFP Shadi Sadr, cofundadora do grupo "Justiça para o Irão", com sede em Londres. "O que está a acontecer é um desafio fundamental para o regime".

Longo caminho

Para o governo, estas manifestações são "tumultos" encorajados por estrangeiros e já acusou os seus inimigos - os Estados Unidos, Israel e os seus aliados - mas também os grupos curdos da oposição iraniana exilados no Iraque.  

O Irão é também acusado de violações dos direitos humanos - mais de 500 execuções em 2022 -, de tentar espalhar a sua influência no Médio Oriente, de participar ativamente nas guerras na Síria e no Iémen e de fornecer às forças russas os drones utilizados na sua guerra na Ucrânia. Para Shadi Sadr, "desmantelar um regime como a República Islâmica é uma tarefa muito difícil". 

No sábado, o Irão aboliu a polícia da moralidade, uma força que detinha especialmente mulheres que não usavam o véu islâmico de acordo com os códigos ditados pelo país, informou o procurador-geral do país, Mohamad Jafar Montazeri. Os analistas consideram o fim da polícia da moralidade como uma cedência ao movimento popular. 

No entanto, o controlo vai continuar.  O Centro de Promoção da Virtude e Proibição do Vício do Irão afirmou na segunda-feira "que a missão da polícia da moralidade terminou", mas sublinhou que estão a ser estudadas novas tecnologias para controlar o vestuário das mulheres. 


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Ali Janmohamadi, porta-voz deste centro, indicou que "estão a ser tomadas decisões sobre a castidade e o véu, para que, se Alá quiser, se apliquem num âmbito mais moderno, com o uso de novas tecnologias". As autoridades iranianas utilizam tecnologias, incluindo câmaras nas estradas, para multar as mulheres que conduzem sem o véu obrigatório, e que podem implicar até dois meses de prisão. 

Os rostos da revolução

Para Kasra Aarabi, os manifestantes, e especialmente os jovens, encontram inspiração em personalidades com perfis diversos e popularizadas pelas redes sociais. 

É o caso do defensor da liberdade de expressão Hossein Ronaghi, libertado em novembro, ou o dissidente preso Majid Tavakoli e o ativista pelos direitos humanos Narges Mohammadi. "Estou atrás das grades mas não tenho arrependimentos nem dúvidas", disse Mohammadi numa mensagem para o Parlamento Europeu. 

Aarabi acredita que todos os que saem à rua pensam o mesmo: "a revolução está em curso, sem volta atrás".  

(Com agências)

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