Quer ajudar a combater a Rússia? Baixe o aquecimento de casa em 1ºC
Quer ajudar a combater a Rússia? Baixe o aquecimento de casa em 1ºC
Enquanto a solidariedade com os ucranianos cresce por toda a Europa, há uma maneira que, mesmo sem sair de casa, os europeus podem adotar para ajudar no esforço de guerra contra a Rússia. Basta baixar a temperatura dos termóstatos das casas, normalmente aquecidas a gás na Europa Central.
Segundo os cálculos da Agência Internacional de Energia (IEA) a temperatura média das casas europeias no inverno é mantida nos 22º C. Por cada grau de aquecimento que se baixasse, haveria uma redução de 10 mil milhões de metros cúbicos, ao mesmo tempo que se reduz a fatura energética. “Campanhas públicas de consciencialização poderiam encorajar estas medidas. E novos regulamentos nos edifícios públicos poderiam também ser uma ferramenta importante”. Talvez seja esta a altura de a Europa Central deixar de andar de “t-shirt” em casa no inverno e adotar o uso da mantinha para tapar as pernas das casas portuguesas.
45% das importações de gás da Europa provêm da Rússia
A dependência energética da Europa tem sido vista como uma das principais armas de chantagem política de Putin e mesmo durante as pesadas sanções económicas que a União Europeia (UE) e os aliados recentemente impuseram, as importações de gás e petróleo continuam a fazer-se como se não houvesse uma guerra em curso. Segundo um estudo da Agência Internacional de Energia (IEA), a maior autoridade mundial em questões energéticas, em 2021 a União Europeia importou 155 mil milhões de metros cúbicos de gás natural da Rússia, o equivalente a 45% do total de importações de gás. Esta transação, com os preços do gás e petróleo russos cada vez mais alto, é também uma fonte de financiamento muito importante da máquina de guerra russa, neste momento brutalmente atirada contra a Ucrânia.
“Já ninguém tem ilusões. O uso da Rússia dos seus recursos de gás natural como uma guerra económica e política prova que a Europa tem que agir depressa para enfrentar uma considerável incerteza quanto aos fornecimentos de gás no próximo inverno”, disse o diretor executivo da agência, Fatih Birol. O plano em 10 pontos que esta quinta-feira a IEA apresentou “fornece os passos eficazes para a Europa cortar com a dependência da Rússia em mais de um terço ao fim de um ano e ao mesmo tempo apoiar a transição para as energias verdes de uma forma segura e eficaz”. E, alertou, Fatih Birol - tal como tem feito nas inúmeras vezes em que se tem pronunciado sobre a transição energética - as energias verdes têm que ser dominantes o mais rápido possível.
Neste caso, o plano mata dois coelhos de uma cajadada: diminui a dependência da Rússia (neste contexto de guerra, mais premente que nunca) e “acelera a transição para as energias limpas o mais depressa possível”. Segundo Fatih Birol, o plano apresentado vai ao encontro da Lei do Clima europeia e do seu Pacote Fit for 55 de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 55% até 2030. Porque há um perigo real de - para se libertar do gás e petróleo da Rússia - a Europa reativar as ainda mais poluentes centrais a carvão que já deviam estar a fechar.
Na verdade, disse, “a Europa poderia explorar outras avenidas para reduzir a importação de gás mais depressa – mas com grandes aspetos negativos, tais como o recurso às centrais a carvão ou usando petróleo nas centrais a gás”. Mas isso seria um caminho muito perigoso. O facto de estas alternativas não estarem alinhadas como os objetivos do Pacto Ecológico Europeu – e com os desafios mundiais saídos da COP26, em Glasgow – exclui-as de serem sequer consideradas, justificou Fatih Birol.
Muitas das ações propostas pela IEA para aliviar a dependência energética europeia das jazidas de combustível fóssil russo são também elementos chave do Plano para o mundo chegar às emissões zero em 2050.
Os dez pontos do plano : redução de 50 mil milhões de metros cúbicos
A Comissão Europeia irá para a semana apresentar uma Comunicação sobre Energia, e a comissária encarregue da pasta, Kadri Simson, salientou que “reduzir a nossa dependência do gás russo é um imperativo estratégico para a União Europeia. Nos últimos anos, já diversificámos os nossos fornecedores, criando terminais LNG e novos interconectores. Mas o ataque da Rússia à Ucrânia é um marco histórico”. Por isso, salientou que a proposta da IEA sublinha “os vários passos concretos que podemos tomar para esse objetivo. É uma contribuição muito oportuna e valiosa para o nosso trabalho”. E garantiu que é preciso a UE libertar-se da dependência do gás russo o mais depressa possível. Nos últimos meses, a Comissão Europeia, em aliança com a Casa Branca, tem tentado procurar novos fornecedores, mas o processo não se conclui da noite para o dia.
De forma resumida, a partir do vasto relatório da IEA, os dez pontos são os seguintes.
- 1. Não assinar mais nenhum contrato de fornecimento de gás com a Rússia, o que levará a uma diversificação de fornecimento para lá do ano corrente.
- 2. Maximizar os fornecimentos de gás de outros fornecedores, o que aumenta o fornecimento de gás de outros países em cerca de 30 mil milhões de metros cúbicos.
- 3. Introduzir obrigações de armazenamento mínimo de gás (um dos calcanhares de Aquiles da União Europeia, que tem vindo a ser discutido pelos vários países), de forma a ter uma maior resiliência para o próximo inverno.
- 4. Acelerar o desenvolvimento de novas centrais de energia solar e eólica, o que reduz o uso de gás em cerca de 6 mil milhões de metros cúbicos por ano.
- 5. aproveitar ao máximo as fontes de energia de baixas emissões, tal como a energia nuclear e a bioenergia, o que reduziria o uso de gás em 13 mil milhões de metros cúbicos por ano.
- 6. Promulgar medidas fiscais no curto prazo para proteger famílias e empresas vulneráveis por causa da subida de preços, o que cortaria a fatura energética mesmo quando os preços subirem.
- 7. Acelerar medidas de eficiência energética nas casas e nas empresas, que poderá levar a redução de 2 mil milhões de metros cúbico num ano.
- 8. Acelerar a eficiência energética nos edifícios e na indústria, com cerca de 2 mil milhões de poupança de uso de gás num ano.
- 9. Encorajar a redução da temperatura do termostato em 1ºC pelos consumidores europeus, o que levará à redução de 10 mil milhões de metros cúbicos num ano.
- 10. Levar os governos a fazer um grande esforço para diversificar, descarbonizar e flexibilizar o sistema energético.
Se tomados em conjunto, estes passos levarão a uma redução de mais de 50 mil milhões de metros cúbicos, ou um terço do que importamos, dentro de um ano, calcula a IEA.
O LNG a chegar a Sines e o renascimento nuclear francês
O relatório refere que não será simples e irá requerer “esforços concertados em múltiplos setores, juntamente com um diálogo internacional consistentes com outros mercados”. Segundo o relatório, será crítico reforçar outros “pipelines” e exportadores de gás natural liquefeito (LNG, na sigla internacional). Em relação a isto, saliente-se, o secretário de Estado da Energia do governo português, João Galamba, tem dito nos últimos dias que Portugal pode aumentar o fornecimento de LNG à Europa Central, recebendo carga através do porto de Sines que pode encaminhar o gás através do pipeline da Península Ibérica.
Nesta quinta-feira, além de ter sido apresentado à comissária da Energia, Kadri Simson o relatório foi também apresentado a Barbara Pompili, a ministra da transição ecológica francesa (uma vez que é a França quem detém a presidência do Conselho da União). Barbara Pompili salientou que “mais que nunca é essencial libertarmo-nos dos combustíveis fósseis russos e dos combustíveis fósseis em geral. O que está em jogo é a necessidade de acelerar a luta contra as alterações climáticas e, como podemos ver agora, a segurança energética de curto prazo da Europa”.
A França tem em curso um plano para alcançar a sua soberania energética. Emmanuel Macron declarou recentemente um renascimento nuclear francês com a construção de seis novas centrais nucleares, no momento em que a própria UE estuda a hipótese de incluir o nuclear como uma energia de transição. “Vamos olhar para este plano [da IEA] em detalhe. O governo do meu país está a trabalhar num conjunto de medidas para aumentar a robustez do nosso sistema energético, que certamente ecoará as propostas da IEA”, salientou Barbara Pompili.
Nos próximos dias 10 e 11 de Março haverá um conselho de chefes de Estado e de Governo que reunirá em Versalhes e onde esta política energética de combate à Rússia deverá também ser um dos temas em cima da mesa.
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