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Foi há um ano, foi há tanto tempo
Opinião Sociedade 3 min. 28.02.2023
Guerra na Ucrânia

Foi há um ano, foi há tanto tempo

Opinião Sociedade 3 min. 28.02.2023
Guerra na Ucrânia

Foi há um ano, foi há tanto tempo

Hugo GUEDES
Hugo GUEDES
Nessa manhã a Europa acordou duas vezes.

"Foi uma manhã estranha. Sem dizer nada, afastámo-nos do rádio que tinha lançado para o quarto uma mensagem que haveria de sobreviver aos séculos, uma mensagem destinada a modificar o nosso mundo e a vida de cada um de nós. Uma mensagem na qual estava implícita a morte daqueles que a tinham escutado em silêncio, o luto e a desgraça, o desespero e a ameaça para todos nós e, só passados muitos e muitos anos, talvez um sentido criador. Era outra vez a guerra. Uma época chegava ao fim, de novo começava outra época".

Stefan Zweig, o judeu austríaco a quem o nazismo levou ao exílio no Brasil, primeiro, e ao suicídio, depois, assim descreve em "O mundo de ontem – Recordações de um europeu" o momento em que lhe chegam as notícias do início da Segunda Guerra Mundial. A ele, e a todos que também tinham sobrevivido à Primeira Guerra, sobrava a incredulidade por ver que a Humanidade não tinha aprendido com os erros passados, deitando-se nas mãos de um ditador sanguinário que guiava o mundo em direcção à barbárie.

24 de Fevereiro de 2022 também foi uma manhã estranha. "Não acredito, está mesmo a acontecer!" Outra vez a loucura de um ditador, outra vez a guerra na Europa, às nossas portas. Uma guerra que não estamos a travar, mas que – paradoxalmente – não podemos perder.

Nessa manhã a Europa acordou duas vezes.

Da primeira com os telefonemas, mensagens, notícias, tweets dando conta de uma invasão em força com o seu cortejo de violência e morte. Na segunda, um despertar doloroso para a realidade de um mundo perigoso que não se compadece com as vontades (ou as ilusões) europeias.

Somos culpados de eurocentrismo porque cremos – e ok, talvez haja aqui pelo menos um fundo de verdade – que representamos um farol para o planeta, a melhor versão de um espaço de liberdade, prosperidade, humanismo, democracia e justiça. Chega a ser estranho que para o resto do mundo isto não seja óbvio, ou que todos não almejem seguir-nos, a nós e aos nossos valores. 

É duro descobri-lo mas... para grande parte do planeta, somos sim uns hipócritas em que não se pode confiar. Por exemplo, uma grande parte da população da China, Índia ou Turquia, longe de considerar a Rússia como um pária perigoso, olha para Putin como um parceiro estratégico necessário, e identifica-se com a sua retórica autocrática e anti-ocidental.

Que nada disso nos faça vacilar. A União Europeia está do lado certo da História, e, na verdade, há muito tempo não se apresentava tão unida em face de um inimigo comum. A nossa reacção solidária, de apoio político, económico e militar, é forte, unida e determinada – como tem de ser. Mesmo sabendo que os pacotes de sanções não tiveram tantos efeitos quanto o esperado.

Passou um ano de "dor, sofrimento e fé", nas palavras de Zelenskiy. Mas agora importa olhar para o ano que está à nossa frente, e tentar descortinar uma saída do conflito entre o "nevoeiro da guerra" – a incerteza perante os diferentes cenários possíveis.

Entre o arrastar do conflito até uma espécie de guerra fria onde ninguém tem a capacidade de chegar à vitória (afinal, a situação que se verifica desde a invasão da Crimeia) ou uma mudança de liderança em Moscovo ou Kyiv; entre uma retirada russa ou um cessar-fogo com conquistas territoriais, ninguém tem a capacidade de prever o que se vai passar durante 2023. 

Neste momento só há duas certezas bastante seguras. Uma: Vladimir Putin vai tentar outra grande ofensiva no início da Primavera. E duas: eles não passarão.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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