Europa junta líderes mundiais para pagar uma vacina
Europa junta líderes mundiais para pagar uma vacina
Não foi só o montante atingido o que levou Ursula von der Leyen – a presidente da Comissão Europeia (CE), anfitriã de uma maratona global de angariação de fundos – a dizer que o arranque da iniciativa tinha sido um sucesso e que se estava a começar a ganhar a luta contra o coronavírus. Num tom invulgarmente eufórico, a presidente da CE anunciou que o objetivo de reunir 7,5 mil milhões de euros no primeiro dia da recolha de dinheiro para criar uma vacina e tratamentos para a covid-19 (que dura até ao fim de maio) tinha sido praticamente atingido: "Estou muito orgulhosa e aliviada. Juntámos 7.4 milhões de euros".
A maratona que dirigiu do seu quartel-general em Bruxelas, ao longo de três horas de videoconferências com líderes mundiais, no passado dia 4 de maio, foi, sublinhou von der Leyen, um êxito diplomático e de cooperação: "Acho que isto é um sinal claro de solidariedade e união" em que "o mundo mostrou uma unidade extraordinária em prol do bem comum".
Todo o mundo? Bem, não todo. Num evento online que deveria ter sido global, houve parceiros que estiveram ostensivamente ausentes. A Rússia e os Estados Unidos – cujo Presidente tem feito questão de exibir o seu amuo com o resto do planeta. A China, que está numa corrida à parte para produzir a sua própria vacina e já tem duas a serem testadas em humanos, fez-se, relutantemente, segundo o jornal inglês Guardian, representar por um diplomata. E a Índia fez a sua festa à parte – e no mesmo dia – numa cimeira dirigida por Narendra Modi, com "convidados" menos alinhados com os interesses europeus, como é o caso do Irão.
Tirando estes percalços, a videoconferência contou com um coro de discursos dos líderes mundiais afinados por uma vontade altruísta de vencer a covid-19. A angariação de fundos que fora anunciada publicamente 10 dias antes, a 24 de abril – com vídeos de personalidades como o treinador português José Mourinho – partiu de uma ideia elaborada durante a videoconferência extraordinária do G20 (as 20 maiores economias mundiais), no dia 24 de março, quando a Europa era então o epicentro mundial da epidemia.
E foi então entendido, que seria a UE o bloco geopolítico com mais condições para liderar a petição internacional. Quanto ao valor da fasquia, os tais 7,5 mil milhões de euros, correspondem a um cálculo recente do Banco Mundial da quantia que está a faltar aos laboratórios para dar um empurrão nesta primeira fase.
Boris diz presente
Foi uma espécie de "Um só Mundo: Juntos em Casa" – mas em vez de estrelas como Lady Gaga que atuaram num concerto online – houve líderes mundiais a comprometerem-se financeiramente com um esforço comum. Tedros Adhanom Ghebreyesus, secretário-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, os líderes do G7 (os sete países mais ricos do mundo), excluindo Donald Trump, juntaram-se virtualmente e concordaram na tarefa de erradicar a covid-19 a todo o custo, sem discussões ideológicas, e sem privilegiar os ricos.
Entre os contribuintes fora da Europa incluíram-se líderes de diversos espetros políticos, e alguns às vezes 'persona non grata', como o presidente turco, Erdogan, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. E o próprio Boris Johnson, o primeiro-ministro inglês que assinou o Tratado do Brexit, fez agora um discurso de união: "A corrida para descobrir uma vacina não é uma competição entre os países. É a humanidade contra o vírus".
A equipa Europa, como lhe chamou Ursula von der Leyen – e que jogava em casa – contribuiu com mais de 4 mil milhões de euros, uma quantia superior a metade do bolo. E já no final da videoconferência, Madonna entrou para anunciar a contribuição de 1 milhão de euros.
A Noruega deu a maior fatia, com 1,2 mil milhões de euros. Portugal ofereceu o valor simbólico de 10 milhões de euros, 1 euro por cada português, com contributos privados e públicos. E Emmanuel Macron, não tendo sido um dos dadores mais generosos (França ofereceu 500 milhões de euros), foi visto por Ursula von der Leyen, como um dos grandes mestres de cerimónias da sessão. Macron explicou ainda o princípio da fraternidade: "Os que criarem a vacina serão justamente pagos, mas o acesso a ela será dado a todo o globo através das organizações que escolhermos".
Vacina em setembro?
Do dinheiro arrecadado, 4 mil milhões serão encaminhados especificamente para a vacina, 2 mil milhões para tratamentos e 1,5 mil milhões para o fabrico de testes de deteção de covid-19. E serão encaminhados através de entidades internacionais já a funcionar, como o GAVI (Global Vacine Imunisation Alliance), um fundo internacional de vacinação com mais de 20 anos. E haverá ainda o contributo do CEPI (Coalition for Epidemic Preparedness Innovations), uma coligação internacional criada na Conferência de Davos de 2017, com o patrocínio de Bill Gates e, precisamente, para preparar o mundo para a pandemia de que se estava à espera.
De momento, segundo informação da OMS, já há 89 projetos promissores liderados por governos, ou farmacêuticas, dos quais pelo menos sete estão em ensaios clínicos. Na China há quatro empresas a testar a vacina em humanos e, segundo as autoridades, em setembro poderão começar a estar disponíveis em pequena escala. Entre todos os projetos, a "vacina de Oxford" parece a mais promissora, com até 6 mil pessoas a serem testadas até ao final de maio. Segundo o Jenner Institute, se se conseguir provar que a sua vacina funciona (já se garantiu que não é prejudicial), os primeiros milhões de doses podem estar disponíveis em setembro.
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