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Eles foram vítimas de abusos sexuais e querem dar voz aos sobreviventes
Sociedade 3 6 min. 13.08.2022 Do nosso arquivo online
Violência

Eles foram vítimas de abusos sexuais e querem dar voz aos sobreviventes

A portuguesa Ana Pinto, ao centro, com Christian Faber e Liv Jeit-Wampach, fundadores da Associação "La Voix des Survivant(e)s".
Violência

Eles foram vítimas de abusos sexuais e querem dar voz aos sobreviventes

A portuguesa Ana Pinto, ao centro, com Christian Faber e Liv Jeit-Wampach, fundadores da Associação "La Voix des Survivant(e)s".
Marc Wilwert / Luxemburger Wort
Sociedade 3 6 min. 13.08.2022 Do nosso arquivo online
Violência

Eles foram vítimas de abusos sexuais e querem dar voz aos sobreviventes

Paula SANTOS FERREIRA
Paula SANTOS FERREIRA
Liv foi abusada aos 14 anos por um dirigente musical, Christian aos 6 anos por um padre, e Ana sofreu 11 anos de violência doméstica. Agora eles fundaram uma associação para apoiar as vítimas de violência no Luxemburgo.

Ana, Liv e Christian têm a vida marcada pelas sequelas emocionais deixadas pela violência que sofreram e acabam de fundar uma associação para dar voz às vítimas e sobreviventes da violência sexual, doméstica, psicológica ou de qualquer género.

A portuguesa Ana Pinto viveu 11 anos de um inferno de agressões físicas e emocionais às mãos do marido, do qual fugiu com o filho então de três anos, só com a roupa que tinham no corpo. 

Aos 14 anos, Liv Jeitz-Wampach foi violada, várias vezes, pelo dirigente musical da banda onde tocava. Foi a tribunal com outras três vítimas mas o agressor foi condenado com pena suspensa, continuando em liberdade, porque não tinha antecedentes criminais. 

Desde os seis aos 12 anos, Christian Faber foi abusado por um padre de um internato religioso no Luxemburgo onde vivia, carregando durante décadas a dor do silêncio. Em 2010, denuncia os abusos sofridos à Igreja e ao Ministério Público, é reconhecido como vítima.

Perseguidos pelos traumas

Ainda hoje, décadas ou anos depois, os traumas dos abusos os "perseguem". “Ainda hoje tenho medo de sair à rua e de o ver. Por exemplo, quando vou ao mercado olho bem para ver se o carro dele está lá. Já o vi duas vezes e isso deixa-me bastante perturbada”, contou Liv, 20 anos, recentemente ao Contacto. Isto mesmo contou a jovem aos deputados, quando foi ao parlamento debater uma petição pública que pede penas mais pesadas para os agressores sexuais.

Ana Pinto, que fugiu do então marido, em 2011, após mais uma vez ser espancada e ter acabado numa cama de hospital. Noutra vez, fechou-a na cave de casa um fim de semana, sem comida, nem bebida. Ainda hoje, 11 anos após a fuga, continua a ter pesadelos e continua em disputas legais com o ex-marido. E dá um exemplo. “Quando fugi do meu marido, com o meu filho, de três anos, deixando a nossa casa não trouxe comigo documentos importantes, nem posteriormente apresentei as devidas queixas ou fiz determinadas diligências, que hoje já prescreveram o prazo e me estão a dar muito trabalho e a não conseguir recuperar o que tenho direito”.

Só mais de 40 anos depois dos abusos sofridos em criança cometidos pelo clérigo do internato religioso, Christian Faber tomou coragem para revelar o sucedido, reivindicar justiça e indeminização. Depois de uma longa luta, a Igreja do Luxemburgo assumiu-o como vítima e indemnizou-o com o valor máximo de cinco mil euros, em 2013.  Mas este valor não é suficiente nem para todos os gastos terapêuticos, nem para “devolver a honra das vítimas” de tais atrocidades cometidas por clérigos ao longo de tantos anos, como vincou numa entrevista ao Contacto. 


Contacto,Interview Ana Pinto.Foto: Gerry Huberty/Luxemburger Wort
A portuguesa que está a salvar vítimas de violência doméstica no Luxemburgo
Ana Pinto anda pelos liceus do Luxemburgo a contar como é possível deixar um casamento de violência e reconstruir uma vida feliz. Fundou uma associação e, ao seu lado, tem Liv e Patz, com iguais histórias de luta contra os agressores.

Desde 2010 que se lançou numa cruzada contra os abusos sexuais da igreja, pedindo justiça para as vítimas, com audiências várias com representantes da Igreja no Luxemburgo. "Até agora, estava nesta cruzada sozinho, agora sinto que juntos nesta associação vamos ser mais fortes para apoiar as vítimas de violência, no Luxemburgo, de todo o género".

Ana Pinto e Christian Faber foram durante anos seguidos por psicólogos e Liv ainda continua a receber este apoio que como não tem comparticipação, os custos têm de ser pagos pelas próprias vítimas.

Juntos pelas vítimas

Corajosos, estes sobreviventes começaram a sua busca por justiça e alerta revelando publicamente as suas histórias na imprensa, escolas e participando em campanhas. Agora, juntaram-se para ajudar todas as vítimas de violência, seja qual for o género, prevenir esta violência e alertar o Luxemburgo para este drama que ainda é visto como “um tabu”.

Agora Ana Pinto, 46 anos, conseguiu realizar o seu sonho: fundar uma associação de apoio às vítimas “para que possam ter justiça, apoio especializado e não passem anos a sofrer em silêncio”. Consigo estão Liv e Christian e Patz, o núcleo central da associação “A Voz dos Sobreviventes”.


A jovem luxemburguesa Liv, de 20 anos, é uma defensora ativa das vítimas de abusos sexuais.
Liv. O rosto da coragem contra os abusos sexuais
Vítima de abusos sexuais aos 14 anos, a jovem é co-autora de uma petição que chegou ao Parlamento e pede penas mais duras para os agressores.

“Nós, como ex-vítimas compreendemos melhor do que ninguém o pesadelo de quem sofre abusos sexuais ou de outro género. O nosso objetivo é ouvir e encaminhar as vítimas e sobreviventes para os apoios certos, sejam legais, psicológicos ou de outra natureza. O objetivo é concentrar num só local todas as informações e ajuda que necessitem”, explica Ana Pinto.

Por isso, a dirigente lança o apelo público a especialistas das mais variadas áreas ligadas ao flagelo da violência que possam juntar-se à associação e dar apoio gratuito a estes casos. "Já temos um advogado que se juntou a nós disponibilizando-se para ajudar quem precise e várias pessoas já ofereceram também a sua ajuda", conta Faber.

O primeiro passo da nova associação foi a criação de uma página do Facebook e um endereço de email, onde as vítimas podem entrar em contacto com a associação. Em apenas sete dias 55 pessoas quiseram tornar-se membros da associação, anunciou Faber entusiasmado.

“Inauguramos a página do Facebook há uma semana e já recebemos inúmeras mensagens de apoio e de especialistas e antigas vítimas que se querem juntar a nós. Esta recetividade deixa-me emocionada e ao mesmo tempo revela realmente que a violência é um verdadeiro problema no Luxemburgo que se agrava por ainda ser silenciado e um tabu”, frisa a portuguesa que também tem nacionalidade luxemburguesa. 

A “Voz dos Sobreviventes” quer, por isso, “ser a voz de todas as vítimas de violência física e psicológica, sexual, doméstica, bullying, mobbing, assédio sexual ou qualquer outra.


O inferno de Christian Faber abusado por um padre em criança no Luxemburgo
Christian Faber foi violado em criança durante anos num internato religioso por um capelão em Grevenmacher. Agora decidiu contar o horror vivido. Luta pela justiça em nome de todas as vítimas, através de uma investigação independente. A arquidiocese não é contra.

Muitas batalhas

São muitas as batalhas que a associação quer ganhar, desde a reivindicação de penas mais pesadas para os violadores e agressores, nomeadamente que não seja possível a abusadores, como o da então menor Liv, serem condenados a oito anos de prisão, mas passando em liberdade, com pena suspensa, por ser primo-delinquente. 

Como vincam Ana e Liv, “o agressor da jovem abusou de quatro adolescentes, violou-as várias vezes e mesmo assim pode viver em liberdade porque não tinha antecedentes criminais”. “Que justiça é esta?”, interroga-se a portuguesa. Como adiantou a jovem luxemburguesa “a justiça devia funcionar melhor e prender efetivamente estes agressores para dar confiança às vítimas e dissuadir outros de cometerem o mesmo crime, sabendo que vão ficar presos na cadeia”, diz.

Outra das lutas é a comparticipação dos tratamentos psicológicos e de psicoterapia fundamentais para as vítimas poderem seguir com a sua vida, lidar com os abusos e recuperar a autoestima perdida. “Muitas vítimas não têm dinheiro para pagar estes longos tratamentos. O que queremos é que sejam os agressores a pagar este apoio às vítimas, ou quando não puder ser, que seja o Estado”.

A “Voz dos Sobreviventes” nasce para lutar “por uma sociedade mais justa e sensível para as vítimas e sobreviventes”. Para que, as vítimas “falem e denunciem logo os abusos, para que não tenham vergonha ou se sintam culpadas. As vítimas não têm culpa, a culpa é dos agressores e são estes que se devem sentir culpados”, lembra Ana Pinto.

"La Voix des Survivant(e)s Asbl" é uma associação sem fins lucrativos que ajuda vítimas de abuso sexual ou violência de qualquer tipo (registo comercial nº F13657). A estrutura ainda está a ser criada mas vários contactos já estão disponíveis (ver caixa acima). 

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A associação "A Voz dos Sobreviventes" foi oficialmente apresentada na Orange Week, dia 23. À frente da luta e apoio às vítimas de abusos sexuais, físicos, psicológicos está a portuguesa Ana Pinto. Se é vítima, contacte a associação.
Ana Pinto apela às vítimas que procurem a associação para serem apoiadas.