Covid-19. O outono na Europa vai ser perigoso, diz OMS
Covid-19. O outono na Europa vai ser perigoso, diz OMS
“Temos que nos preparar para o outono. Os próximos seis a nove meses vão ser muito críticos”, disse o diretor regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde (OMS), Hans Kluge, ontem, quinta-feira, numa videoconferência com eurodeputados.
“Prevejo que durante o verão a região europeia esteja mais calma, com a exceção do leste europeu e de alguns picos, mas no outono o coronavírus vai encontrar-se com a gripe sazonal, as pneumonias e outros vírus gripais”, levando ao provável cruzamento de vários picos de infeções virais e a uma eventual sobrecarga dos serviços hospitalares, explicou este responsável da OMS aos deputados da comissão de saúde pública do Parlamento Europeu.
Para preparar para este outono em que a covid-19 poderá confundir-se com as doenças virais típicas da época - com sintomas semelhantes numa fase inicial - Hans Kluge assegurou que a delegação europeia da OMS está a fazer uma avaliação extensiva da resposta europeia à covid-19 durante a crise da “primeira vaga” e estão a ser retiradas conclusões “de forma a fazer recomendações das melhores políticas para pôr em prática no próximo outono”.
Já foram aprendidas três lições: garantir que os países tenham reservas de equipamentos e testes; encontrar indicadores de monitorização equiparáveis para todos os países e que a solidariedade, um dos valores europeus, é uma mais-valia contra o coronavírus. “A ideia de que ninguém está a salvo enquanto todos não estiverem a salvo” é uma barreira contra a propagação do coronavírus e é uma mais-valia da cultura europeia, sustentou.
Expandir vacinação contra a gripe sazonal
Quando em setembro as crianças voltarem à escola e a atividade económica recomeçar com alguma normalidade, fazendo temer uma segunda vaga de covid-19, o aumento da vacinação contra a gripe sazonal (que é rotineiramente aplicada todos os anos), poderá ser um dos meios de garantir que os sistemas de saúde não entrem em colapso. “Temos que expandir muito a vacinação contra a gripe”, alertou o dirigente da delegação europeia da OMS.
Quanto à covid-19, Hans Kluge referiu que “neste vírus “100% novo em que aprendemos todos os dias vamos implementar o que já sabemos que resulta bem: procurar agressivamente os casos de infeção, testar em massa e isolar quando necessário”. E, ainda, “tratar toda a gente respeitando a dignidade humana. A discriminação não funciona”, alertou.
Vacina contra a covid-19, vamos ter ou não?
Na videoconferência com os eurodeputados, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, respondeu à questão para um milhão de dólares, “para quando uma vacina?”. E foi cauteloso: “Vai ser difícil saber se teremos ou não. Se houver uma vacina para este coronavírus, será a primeira vez que isso acontecerá. Mas se a conseguirmos criar, na hipótese de ser descoberta, estima-se que levará um ano”.
Para nenhum outro coronavírus foi criada uma vacina, mas também nenhum outro lançou o mundo em estado de choque de um dia para o outro. O MERS de 2012 e a SARS de 2003 não conheceram nenhum tipo de vacina, mas embora sejam vírus mais letais são também muito menos contagiosos. E para o HIV, o vírus da Sida que circula na humanidade há 40 anos “e que é uma grande pandemia” nunca foi descoberta nenhuma vacina, recordou Hans Kluge.
Mas também nunca houve uma corrida à vacina, como a que existe no caso atual do SARS-CoV 2. Há mais de 100 projetos em desenvolvimento, com quatro em estado muito avançado de testes clínicos.
E, segundo Tedros Ghebreyesus, a OMS esteve envolvida no projeto desde a fase inicial. Em fevereiro, a OMS lançou, com várias entidades mundiais - incluindo o Welcome Trust e a líder em campanhas de vacinação GAVI - disse, a Accelerator Initiative: “A ideia era acelerar o desenvolvimento de vacinas, tratamentos e diagnósticos, e ao mesmo tempo garantir o acesso a todos”.
Concerto de angariação com Shakira e Coldplay
Em abril, numa iniciativa que teve como co-anfitrião a Comissão Europeia, foram angariados 7,5 mil milhões de euros . A iniciativa termina este sábado com o concerto online Global Goal com artistas como Shakira e Coldplay para arrecadar mais financiamento, não só para o desenvolvimento da vacina – também no âmbito do projeto global ACT-Accelerator – como ainda para a produção em massa e a distribuição “para todos”.
“Os recursos reais terão que ser muito mais que os 7,5 mil milhões de euros que foram reunidos, para se produzir em massa e para garantir uma distribuição igualitária para os mais vulneráveis em todo o mundo”, explicou o diretor-geral da OMS.
Quanto à propriedade da patente da vacina, e à hipótese de gerar lucro, ou de ser desviada para quem pagar mais, Ghebreyesus defendeu que “a vacina quando for descoberta terá que ser um bem público. E tem que haver um compromisso político real sobre este aspeto. Já há muitos líderes no mundo que concordam com isto”.
Tedros Ghebreyesus defende a ecologia para evitar pandemias
Na videoconferência com a comissão de saúde pública e ambiente do Parlamento Europeu (ENVI), Ghebreyesus salientou que embora na Europa a situação epidemiológica esteja melhor, globalmente, quando se espera atingir 10 milhões de contágios e meio milhão de mortos nos próximos dias, a situação é ainda muito grave. “Está na hora de intensificarmos a luta”, alertou. E deixou uma mensagem: “O vírus prospera na divisão e é vencido quando nos unimos”.
Tedros Ghebreyesus considerou que a pandemia fez com que o mundo conseguisse perceber que “a prevenção na saúde pública não é um luxo, mas um investimento” e, ainda mais, uma mensagem ecológica, de que pomos em perigo a nossa sobrevivência se continuarmos a explorar o mundo natural. “Todas as medidas de prevenção que possamos tomar serão inúteis” se não for respeitado um equilíbrio com a natureza, avaliou.
Aos eurodeputados, o responsável da OMS recordou as seis recomendações do Manifesto para uma recuperação saudável da covid-19, publicado por esta organização a 26 de maio, no qual se defende a transição ecológica – com o lema que começa a ser vulgarizado de “reconstruir melhor” (building back better, na expressão original) - como forma de evitar pandemias: desde a proteção da natureza, à transição urgente para energias verdes ou à abolição de utilização de dinheiro de impostos para subsidiar combustíveis fósseis. Neste aspeto, Tedros Ghebreyesus elogiou a liderança da União Europeia com a proposta do Pacto Ecológico Europeu, e as estratégias recentemente apresentadas da Biodiversidade e da Quinta para o Prado – que pretende revolucionar a produção e distribuição alimentar na Europa.
Comité independente vai analisar erros da OMS
Quanto às críticas de que a sua direção tem vindo a ser alvo por ter reagido confusa e lentamente ou por ter encoberto as tentativas de desinformação do governo chinês - e foi-o também no Parlamento Europeu - Tedros Adhanom Ghebreyesus salientou que esses eventuais erros estarão sob análise: “Com a liderança da Comissão Europeia houve uma resolução já aprovada pela Assembleia Mundial de Saúde de criar um comité independente que irá avaliar as respostas da OMS ao desenvolvimento da pandemia”. Utilizando uma caraterística abordagem serena às críticas, disse: “É o primeiro passo para aprender as lições e a partir daí podemos preparar o mundo melhor”.
Uma cronologia dos diversos passos da OMS relativamente à covid-19 - e que é um documento interno da organização - irá ser distribuída aos deputados, como forma de esclarecer os vários erros de comunicação e inflexão de estratégias ao longo dos últimos seis meses. “É preciso ver que este é um vírus novo em relação ao qual tínhamos um desconhecimento absoluto. E é um vírus com duas combinações que até aqui não existiam: é muito rápido e mata”, referiu Ghebreysus para justificar as recomendações contraditórias de uso de máscaras, ou de terapêuticas que foram primeiro recomendadas e depois desconsideradas, como foi o caso da hidroxicloroquina. Ou ainda a polémica recente sobre os contágios por pessoas infetadas mas assintomáticas.
Um relatório feito por peritos internacionais que visitaram a região de Wuhan (onde foram detetados os primeiros casos) em fevereiro será também enviado aos eurodeputados. Nele estão contidas as lições do que “podemos aprender com a China”, disse Ghebreyesus.
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