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Comuna francesa com mais casos de cancro, asma e diabetes. Culpa pode ser da ArcelorMittal
Sociedade 5 min. 14.03.2023
Investigação

Comuna francesa com mais casos de cancro, asma e diabetes. Culpa pode ser da ArcelorMittal

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Comuna francesa com mais casos de cancro, asma e diabetes. Culpa pode ser da ArcelorMittal

Foto: Anouk Antony
Sociedade 5 min. 14.03.2023
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Comuna francesa com mais casos de cancro, asma e diabetes. Culpa pode ser da ArcelorMittal

Telma MIGUEL
Telma MIGUEL
Duas fábricas da gigante do aço com sede no Luxemburgo deturparam medições e lançaram para a atmosfera partículas perigosas. O Disclose revela que os funcionários eram instruídos a mentir. Numa década, a ArcelorMittal recebeu 392 milhões de fundos públicos.

No passado dia 23 de janeiro, quando os operários abriram os cacifos encontraram as suas roupas cobertas por uma camada espessa de poeira. Estavam cinzentas, segundo o testemunho de um sindicalista da fábrica da ArcelorMittal em Fos-sur-Mer, na zona francesa de Bouches-du-Rhône. Este episódio é apenas um indício extremo de uma prática corrente do gigante do aço nas suas duas fábricas francesas, em Fos-sur-Mer e em Dunquerque, segundo uma investigação do site de jornalismo de investigação Disclose e do jornal local  Marsactu.

Durante décadas, a ArcelorMittal, segundo o relato e os documentos apresentados, ultrapassou os limites legais da poluição, pondo em risco a saúde e as vidas das populações da zona e dos seus funcionários. No entanto, estas duas fábricas em França receberam entre 2013 e 2022 um total de 392 milhões de euros de fundos europeus e nacionais, incluindo vários milhões para garantir as disposições ambientais a que é obrigada nos seus fornos e nas suas operações industriais.


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400 mil pessoas debaixo de uma coluna de partículas perigosas

No seio de uma imensa zona industrial a 50 quilómetros de Marselha, destaca-se o fumo da chaminé da gigante do aço com sede no Luxemburgo. O cinzento na coluna de ar transformar-se-á em poeiras depositadas um pouco por todo o lado e inaladas por cerca de 400 mil pessoas. 

80% das partículas finas expelidas pelas mais de 400 fábricas desta zona fortemente industrializada provêm dos fornos da ArcelorMittal, refere o Disclose, uma organização de jornalistas de investigação que vive de donativos privados e de bolsas. As consequências destas partículas na saúde humana são conhecidas dos médicos, mas também as estatísticas mostram que algo de errado acontece na zona. 

Um estudo de uma agência ambiental do governo francês demonstra que há aqui duas vezes mais casos de cancros que a média nacional. Os habitantes de Fos-sur-Mer também desenvolvem mais doenças crónicas como a asma e a diabetes, bem como variadas doenças autoimunes.

Apesar de conhecedora dos problemas, e de ultrapassar os limites máximos de emissão de partículas finas estabelecidos pelas autoridades francesas e pela União Europeia, a ArcelorMittal não fez esforços para resolver a situação. 

“Seis admoestações legais, duas condenações na justiça e duas multas de 15 mil euros não mudaram nada. Nem uma condenação, em abril de 2021, a entregar 30 mil euros à associação France Nature por 36 infrações ambientais ligadas à emissão de poluentes”, escrevem as jornalistas da Disclose, Nina Hubinet e Ariane Lavrilleux.

Um poluidor "fora-da-lei"

Pelo contrário, segundo a investigação, financiada pelo JournalismFund (uma organização sem fins lucrativos sediada em Bruxelas), a empresa deturpou ativamente as medições que foram feitas. “A infração tornou-se uma prática sistemática”, refere-se no artigo “ArcelorMittal: Revelações sobre um poluidor fora-da-lei”. ~

A Disclose encontrou dois antigos trabalhadores, que falaram sob anonimato, e que contam como as medições de poluentes eram forjadas. “Sempre que fazia a ronda, no geral, contava 15 a 20 fumos anormais. Quando transmitia ao meu superior estes dados, que ultrapassavam os limites legais, ele explicava-me que eu devia reportar ‘resultados melhores’”. 


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Uma outra testemunha confirma a adulteração dos dados, mas de outra forma. “Acompanhava o técnico encarregue das medições e uma vez vi-o a mudar os dados no computador”. Horas antes de uma visita anunciada dos inspetores governamentais, os trabalhadores eram chamados para disfarçar as fugas, com vários procedimentos, incluindo aspirar os fumos dentro dos fornos. Segundo este relato, a prática repetiu-se durante mais de uma década e pelo menos até ao início de 2018.

13 milhões de euros que não resolveram o problema

A ArcelorMittal respondeu aos pedidos de comentário das jornalistas, dizendo que os seus trabalhadores “agem com profissionalismo, ética e consciência” e que as análises de emissões “são objeto de um acompanhamento rigoroso e de uma informação junto das autoridades competentes”.

Mas, segundo a investigação da Disclose, um relatório interno da empresa, a que teve acesso, reconhece o contrário: entre 2021 e 2022 a fábrica de Fos-sur-Mer infringiu a lei ambiental várias vezes. Em 2022, uma das unidades da fábrica, ultrapassou os níveis de emissão de partículas finas em 240 dias, ou seja, em 65% do ano. Isto apesar de a fábrica ter recebido entre 2015 e 2019 13 milhões de euros do governo francês e da União Europeia para resolver os problemas detetados.

Nos documentos internos que vasculhou, a Disclose encontrou mais dados inquietantes: a benzina e o benzopireno, ambos componentes altamente cancerígenos, foram libertados pelos fornos. Estas fugas aconteceram ao longo de 21 semanas do ano de 2022.

Dunquerque. 2.800 toneladas de partículas finas por ano

Na cidade perto da fronteira belga que a II Guerra Mundial tornou famosa, a fábrica da ArcelorMittal está também longe de cumprir as regras ambientais. Em Dunquerque são 2.800 toneladas de partículas finas que as chaminés expelem por ano e, aqui, perto de 85% de todas as emissões poluentes das indústrias da região (uma proporção ainda maior do que em Fos-sur-Mer). 

E também apesar de três admoestações das autoridades ambientais desde 2017, as emissões continuaram. Segundo um relatório interno a que as jornalistas conseguiram ter acesso, durante 100 dias de 2022, as emissões ultrapassaram de 1,5 a 2 vezes os limites autorizados por lei. Segundo testemunhos diretos de trabalhadores, em 58 dias foi libertado dióxido de azoto – um gás que pode provocar infeções respiratórias graves – para lá dos limites seguros.

 


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