Como combater a fadiga pandémica sem pôr em causa o Natal
Como combater a fadiga pandémica sem pôr em causa o Natal
É a segunda quadra natalícia vivida em pandemia da covid-19. E se a vacina trouxe um sinal de esperança, permitindo reduzir internamentos e mortalidade, o que é certo é que o aparecimento de uma nova variante, como a Omicron, levou a um recuo nas sociedades que começavam progressivamente a abrir-se novamente.
Estes avanços e retrocessos podem acentuar a chamada fadiga pandémica e fazer aumentar a resistência das populações a manter ou voltar a seguir regras sanitárias mais restritivas, sobretudo numa altura de festas, como o Natal e o Ano Novo.
"Este cansaço que temos tido ultimamente faz com que estejamos todos um bocadinho em piloto automático. O piloto automático faz-nos dessensibilizar em algumas coisas e ter uma perceção e um juízo incorreto em relação ao risco", explica ao Contacto Margarida Gaspar de Matos, coordenadora para a área do comportamento da task force que trabalha com o Governo português, alertando para uma redução da perceção de risco que esse estado provoca, e que tem tido mais evidência nos mais jovens.
De acordo com a especialista, "este piloto automático" faz com que a pessoa fique "um bocado insensível" e não faça o juízo mais adequado das circunstâncias. "Ou tem muito medo ou tem muito risco e as duas coisas são más para a saúde mental", sublinha.
Num país campeão da vacinação contra a covid-19, como é o caso de Portugal, o Governo decidiu ainda assim impor restrições adicionais e regras mesmo para vacinados.
Desde dia 1 deste mês que quem chega a território nacional tem de apresentar teste negativo para a covid-19, mesmo estando vacinado. A mesma exigência aplica-se, já em solo português, no acesso a discotecas e bares e eventos de grande dimensão e sem lugar marcado. Nos primeiros dias de janeiro, o país fica a meio gás, em teletrabalho, com as escolas fechadas e as férias prolongadas e bares e discotecas encerradas. O rápido avanço de uma nova variante, aparentemente mais contagiosa, como a Omicron, faz com que autoridades políticas e sanitárias não descartem um novo aperto nas medidas.
Todos estes fatores combinados podem levar a um reforço do cansaço na população. "A vacinação correu especialmente bem. Acho que, até ver, temos tido um comportamento exemplar em relação a estas coisas exatamente por não perdermos energia nos sítios errados. Mas esta questão do desgaste emocional, da fadiga pandémica, das pessoas baixarem a perceção de risco e, por outro lado, não acharem que a vacinação vem resolver os problemas todos - agora vem outra variante - é muito desgastante", reconhece a psicóloga clínica.
Nesta fase, é importante, segundo Margarida Gaspar de Matos manter a coesão social, combater o inimigo comum, que é o vírus, e fornecer aos cidadãos instruções claras. "A informação lucra em ser simples e eu penso que este processo da vacinação correu muito bem, porque o senhor vice-almirante [Gouveia e Melo] era uma pessoa muito pragmática e organizada e aquilo fluía. As pessoas ficaram quase orgulhosas do país, do vice-almirante, de todos, desta eficácia", exemplifica.
A nova variante, o frio, o regresso das pessoas que estão fora do país e os festejos natalícios convocam novamente uma disciplina rígida e vigilante de todos, numa espécie de último sacrifício antes da última volta para a meta.
"Estamos numa altura em que começa o frio, vem aí o Natal e as pessoas vêm ter com as famílias e aparece uma nova variante que não sabemos muito bem quais são os contornos. Juntar a testagem à vacinação é um 'double check' da parte do governo para conseguir ultrapassar aquele bocadinho que vai entre a eficácia da vacina e os 100%. É uma dupla segurança", refere Margarida Gaspar de Matos.
Na quinta-feira passada, a diretora-geral da Saúde (DGS), Graça Freitas, lembrou que Portugal vai "entrar no período de maior ‘stress’ do ano".
A responsável refere que é preciso estar-se consciente dos riscos e ciente de que "a pandemia não acabou". que temos uma nova variante. "Temos uma nova variante" e "vamos entrar no período de maior ‘stress’ do ano, o inverno, pelas baixas temperaturas e pela circulação de outros vírus que não o Sars-CoV-2”, referiu em entrevista a agência Lusa.
O apelo à vacinação contra a covid-19, o uso de testes e autotestes e a responsabilidade nos comportamentos, limitando os convívios natalícios a um número reduzido de pessoas, e preferencialmente, dentro da mesma bolha familiar ou social, o uso de máscara, a higienização das mãos, o distanciamento social e a ventilação dos locais são alguns dos conselhos lembrados por Graça Freitas.
Manter o distanciamento entre os convidados, utilizando mais do que uma mesa, se necessário, e manter a máscara nos momentos em que não se está a consumir alimentos ou bebidas são outras das recomendações da DGS para um Natal mais protegido.
Ver o progresso feito e não desistir na etapa final
Sem ignorar a fase atual de evolução novamente crescente da pandemia, face aos últimos meses, e o aparecimento de uma nova variante, há uma evolução significativa entre o cenário de há um ano e o atual, sobretudo a nível do número de internamentos e de mortes.
A 17 de dezembro de 2020, estavam internadas 3.142 pessoas com covid-19, 494 das quais em cuidados intensivos. A 17 de dezembro deste ano, a última sexta-feira, estavam hospitalizadas 943 pessoas, 147 das quais em cuidados intensivos.
No que respeita aos óbitos, a diferença também reveladora. A 17 de dezembro de 2020 foram registados 87 mortos, um número muito acima dos 24 da passada sexta-feira.
Há um ano, Portugal prorrogava também nesse dia o estado de emergência, definindo limites de circulação e recolher obrigatório para o período das festas de Natal e Ano Novo. Estavam também em vigor algumas restrições - de abertura, lotação, horários e circulação em determinados sítios e zonas do país - que atualmente não se mantêm.
Até que ponto olhar para esse progresso pode diminuir a fadiga pandémica e ajudar a manter comportamentos sanitários responsáveis? "Sobretudo, nós neste momento estamos muito melhor preparados. Porque não é verdade que a vacina não tenha vindo fazer nada. Neste momento as pessoas continuam a adoecer, mas é muito menos e isso é uma vantagem considerável. E todo o sistema de saúde evoluiu imenso no que respeita ao tratamento dos doentes", aponta Margarida Gaspar de Matos.
No entanto, ressalva "por um lado estamos mais eficientes, por outro lado estamos mais cansados". Por isso, é preciso apelar novamente às pessoas para "agarrarem um bocadinho na sua energia e serem criativas no modo como podem viver esta época", defende.
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