Como 2021 vai ser um ano para a biodiversidade
Como 2021 vai ser um ano para a biodiversidade
O problema é conhecido. Segundo o relatório de um painel de cientistas das Nações Unidas, concluído em 2019, dos 8 milhões de espécies de plantas e animais na Terra, um milhão está em risco de desaparecer para sempre. E a relação entre a degradação de ecossistemas e o risco de pandemias foi em 2020, com a covid-19, igualmente cientificamente estabelecida.
Por isso, na abertura da sessão de debate público, organizada pela comissão parlamentar ENVI, o presidente desta comissão de ambiente e saúde pública do Parlamento Europeu (PE), Pascal Canfin, pediu aos intervenientes que se focassem em soluções. "Acho que todos estamos bem a par do problema", assegurou o francês, na sessão do passado dia 14.
Na audição com o tema "A sexta extinção em massa e o aumento do risco de pandemias: Qual o papel da Estratégia para a Biodiversidade para 2030 da União Europeia?" houve dos cientistas e dos representantes das agências participantes uma mensagem clara das duas opções que restam à humanidade: agir já na direção certa ou esperar consequências muito graves.
O ímpeto para agir começa a ser global. Na cimeira "One Planet" ("Um Planeta", em português), liderada pelo presidente francês Emmanuel Macron, e apoiada pela ONU, 50 países comprometeram-se no passado dia 12 a criar áreas protegidas em 30% do planeta. Durante a cimeira, o príncipe Carlos de Inglaterra apresentou a Terra Carta, uma iniciativa para orientar iniciativas empresarias para a proteção da biodiversidade.
Inspirar toda a gente a participar nas soluções
Anne Larigauderie, secretária-geral do Painel Intergovernamental para a Biodiversidade e Ecossistemas - o IPBES, da ONU, e a entidade que produziu o relatório sobre o estado da vida na Terra, em 2019 - salientou que "não é demasiado tarde para agir, mas é necessário mudanças transformadoras urgentes".
A sua proposta é que, em vez de deixar o problema nas mãos de uma margem da população - conservacionistas e organizações ambientais- se "envolva toda a gente", sem exceções. É também preciso "agir diretamente sobre as causas diretas e indiretas da perda de biodiversidade". Os nossos padrões de consumo estão indiretamente envolvidos, segundo a responsável do IPBES, na desflorestação, na alteração do uso dos solos e na degradação ambiental que são causa direta da morte de ecossistemas.
A francesa Larigauderie defendeu também que a perda de biodiversidade e as alterações climáticas têm que ser abordadas como duas crises que se alimentam uma da outra, ideia que tomou forma nos últimos anos. E, em relação a isso, adiantou Larigauderie, haverá este ano sessões de trabalhos conjuntas entre os cientistas do IPBES (grupo criado em 2010), e o IPCC (Painel Intergovernamental de Alterações Climáticas) fundado em 1988, e que tem desde então vigiado o impacto das emissões de gases com efeitos de estufa. Um dos exemplos dessas sinergias é a vantagem de manter as florestas saudáveis, uma vez que absorvem 2/3 dos gases com efeito de estufa lançados para a atmosfera. "Mas é preciso urgentemente mudar os padrões de consumo, como o do excesso de carne, ou do óleo de palma", que matam florestas ancestrais na Amazónia e no Borneo.
E, do ponto de vista político, é obrigatório: "acabar com subsídios danosos", na indústria, nas pescas, na agricultura e na gestão do território"; "explorar métodos alternativos de contabilidade económica"; "criar cadeias que reduzam o impacto na natureza" e integrar "a defesa da biodiversidade em todos os setores económicos".
PE quer Prémio Nobel para a Biodiversidade
"2021 apresenta-se como a grande oportunidade" sustentou Larigauderie, com a realização, finalmente após o cancelamento em 2020, das duas grandes conferências: a COP26, em Glasgow, dedicada ao clima, e a COP15, em Kunming, na China, dedicada à biodiversidade. Motivo pelo qual, Pascal Canfin, o líder do PE da ação ecológica, anunciou o seu apoio à candidatura do IPBES ao Prémio Nobel da Paz. "É uma boa forma de passar uma mensagem muito clara e de apoio à tomada de posições ambiciosas na COP152".
O IPPC recebeu o prémio em 2007, a meias com o antigo vice-presidente americano Al Gore. E embora Pequim ainda não tenha definido a data da COP 15 (por causa da situação pandémica), estima-se que será depois de outubro. Com o anúncio do Nobel normalmente neste mês, ainda haveria impacto da decisão do parlamento norueguês.
A era das pandemias: Os vírus vêm aí
Hans Bruyninckx, diretor da Agência Europeia de Ambiente (EEA), salientou que, de acordo com o último relatório Estado da Natureza, coordenado por esta agência, a Europa falhou espetacularmente todas as metas, e que apesar de "haver legislação há décadas", e objetivos concretos, houve uma degradação ambiental tão acentuada como no resto dos habitats do planeta. Resumindo, não faltaram leis e objetivos, mas "houve uma implementação muito pobre".
Há apesar de tudo, esperança "com a atual evidência científica de que o declínio da natureza não se dá sem consequências. Foram feitos estudos sobre ligação entre pandemias e perda de biodiversidade e os intervalos cada vez menores em que as zoonoses ocorrem estão relacionados com o acelerar da degradação de ecossistemas e as alterações climáticas".
Por isso, o diretor da EEA, anunciou a criação de um observatório das "conexões entre saúde e alterações climáticas" associado ao Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças (ECDC). Para Bruynickx é fundamental passar do conceito negativo de "travar a perda" para outro que requer "uma ação muito séria e grande coragem política" e que é o de "restaurar" a natureza.
Na intervenção no Parlamento Europeu, o responsável da agência da UE de ambiente criticou a proposta de reforma da PAC (Política Agrícola Comum) que está na fase final de discussão: "Uma PAC que não está de acordo com o Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia para a Biodiversidade, é muito problemática". Bruynickx terminou a sua intervenção num tom assustador: "Se há um milhão de espécies em vias de extinção, temos que pensar se o Homo sapiens não será uma delas".
Chris Walzer, responsável da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem, foi ainda mais incisivo na sua avaliação da situação vulnerável que a humanidade vive: "Há cerca de 700 mil vírus em ambiente selvagem com potencial para infetar os humanos. Se continuarmos a aumentar os pontos de contacto, o risco é enorme. Para evitar isto temos que ter uma abordagem em que o bem-estar de humanos, animais e planeta estão perfeitamente em sintonia".
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