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Avaliação da COP26. Sim, é tão mau como parece...
Sociedade 9 min. 09.11.2021 Do nosso arquivo online
Promessas

Avaliação da COP26. Sim, é tão mau como parece...

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Avaliação da COP26. Sim, é tão mau como parece...

Foto: AFP
Sociedade 9 min. 09.11.2021 Do nosso arquivo online
Promessas

Avaliação da COP26. Sim, é tão mau como parece...

Telma MIGUEL
Telma MIGUEL
Uma análise às promessas feitas em Glasgow confirma o que Obama disse na segunda-feira: “Não estamos nem lá perto”. Referia-se ao objetivo de travar o aquecimento global. Nem as promessas dos políticos sobre o metano e as florestas, que fizeram manchetes, libertam a atmosfera de gases. Glasgow vive uma séria crise de credibilidade, aponta o relatório.

Um estudo sobre as perspetivas de aquecimento global, que inclui as promessas da primeira semana da COP26, mostra preto no branco o que Barack Obama disse na segunda-feira, dia 8 de novembro, e o que os ativistas repetem, aos gritos, na rua. O antigo presidente dos EUA reconheceu que já tem sonhos distópicos e que o mundo "não está nem lá perto de onde deveria estar" em termos de redução de emissões com efeito de estufa. Os ativistas acusam as elites políticas de fazerem promessas ocas e uma contabilidade de emissões enganosa.  

Em boa parte, a edição do Climate Action Tracker (CAT) de novembro, publicada esta terça-feira, conclui que há muito "blá, blá, blá". Em termos mais técnicos, o estudo científico do NewClimate Institute e da Climate Analytics, refere que há uma grande falha de credibilidade nas promessas dos líderes e que aquilo que os políticos fazem em Glasgow é atirar palavras para o ar e anunciar promessas vazias. "Glasgow tem uma gigantesca falha de credibilidade, ação e compromisso. O [aquecimento global] no mundo está a aproximar-se de 2.4ºC, se não mais", refere o relatório.      

As "boas notícias" do impacto potencial das promessas de atingir emissões zero – quase todas as nações comprometeram-se a fazê-lo até 2050 – estão a "dar uma falsa esperança sobre o aquecimento". A culpa? É "da inação dos governos", refere o CAT.

O estudo é apresentado esta terça-feira em Glasgow, no momento em que os diplomatas das nações subscritores do Acordo de Paris negoceiam o texto final, que será adotado sexta-feira, dia 12 de novembro. Por isso mesmo, há um sentido de urgência em chamar à tábua os líderes e dizer-lhes para subirem a fasquia dos compromissos ambientais. Haverá um Acordo de Glasgow? Ainda é cedo para o saber.

 Conversa da treta que equivale a 1ºC de promessas   


Ação com a mensagem "No New Worlds" (não há mundos novos) é vista em Glasgow, na Escócia, onde decorre a Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima.
De cimeira em cimeira até ao fracasso final
Se os votantes não estão dispostos a sacrifícios, podemos exigi-los aos políticos por eles eleitos?

O CAT analisou a diferença entre aquilo que os documentos dizem e o que de facto é alcançado na realidade: "Globalmente, mais de 140 governos, que juntos equivalem a cerca de 90% das emissões, tèm como objetivo as zero emissões. E embora estes objetivos sejam um sinal importante, e alguns deles tenham levado ao acelerar da ação dos governos, a qualidade da maior parte é questionável", diz o estudo. 

Num cenário extremamente otimista, aponta o CAT, se todos os compromissos forem cumpridos à risca, mesmo assim isso levaria a que as temperaturas globais no fim do século XXI se ficassem por 1.8ºC de aumento relativamente a níveis pré-industriais. Mas apenas se todas as promessas, sem exceção, fossem integralmente implementadas. O que permanece "um grande SE". E, mesmo assim, não chegariam ao objetivo principal do Acordo de Paris - o de manter o mundo dentro dos limites de 1.5ºC de aquecimento.    

Nenhum dos 40 países analisados ao detalhe no estudo tem políticas implementadas suficientes para atingir a neutralidade carbónica em 2050 – embora todos digam que lá vão chegar.

Catástrofe climática em 2100? É possível, se objetivos não forem revistos

Quanto às promessas feitas pelos países para reduzirem as emissões em metade até 2030, o CAT assegura que as ações e os objetivos anunciados "são inconsistentes com os objetivos de zero emissões e, portanto, a diferença entre as políticas atuais e esses objetivos é de 0.9C".  Acrescenta: "É este o intervalo de credibilidade que Glasgow tem que resolver". Mesmo com todas as promessas anunciadas para 2030, “iremos emitir o dobro do que devíamos se queremos atingir a meta de 1.5ºC”. Ou seja, calculando apenas os compromissos para 2030 – não considerando os objetivos para 2050 – as temperaturas globais seriam de 2.4º C em 2100. O que significaria que o mundo estaria já imerso numa catástrofe climática da qual não haveria retrocesso.      


Mais de 20 países deixam de financiar combustíveis fósseis no estrangeiro até 2022
Mais de vinte países e instituições - incluindo Portugal - comprometeram-se hoje a deixar de financiar projetos de combustíveis fósseis até ao fim do ano de 2022, uma resolução de que ficaram fora países como a China ou a Rússia.

Mas segundo as projeções de aquecimento das políticas realmente implementadas – e não as propostas no papel - ou seja, o que os países estão realmente a fazer, o aquecimento será ainda maior: 2.7º C Segundo o CAT, houve apenas uma melhoria de 0.2ºC em relação à análise do ano anterior. O mundo não está em vias de resolver a crise climática, embora tenha havido extrapolações otimistas na semana passada.      

Por isso, sublinha-se no relatório feito em co-autoria pelos cientistas da Climate Analytics e do NewClimate Institute, agora “todos os governos têm que reconsiderar as suas metas”.  

"A grande maioria das ações projetadas para 2030 são inconsistentes com objetivos de neutralidade carbónica: há perto de um grau centígrado de diferença entre as políticas governamentais e os objetivos”, disse Bill Hare, o presidente da Climate Analytics. "É muito bonito os líderes anunciarem que têm um objetivo de zero emissões, mas se não têm planos de como chegar lá, então, francamente, estas promessas são apenas conversa da treta. Glasgow tem uma falta de credibilidade muito grave", acusou.

Fazer da COP26 um ensaio para a COP27 ser "a sério"

No documento sugere-se que na COP27, que irá decorrer em 2022 no Egito, os governos revejam os seus planos (as famosas NDC’s – contribuições nacionais determinadas) com mais ambições, e não se espere por mais 5 anos para o fazer. O Acordo de Paris prevê que as NDC sejam revistas a cada cinco anos, mas devido ao falhanço do que foi entregue em Glasgow, não se pode esperar mais tempo para agir. 

António Guterres, na abertura da Cimeira de Líderes, no passado dia 1, disse o mesmo: se os governos não estiverem à altura este ano, deverão apresentar novas contas já em 2022. O alerta vermelho que o português que é o atual secretário-geral das Nações Unidas disse ser a situação em que a humanidade está, não é compatível com ver o barco afundar mais cinco anos. Mas esta ideia precisa de ter ainda o acordo das nações da ONU cujos líderes estão por agora na Escócia.

"Se o falhanço enorme não pode ser diminuído em Glasgow, os governos têm que concordar em voltar no próximo ano, na COP27, com novos objetivos mais fortes. Os líderes de hoje têm que ser responsabilizados pelo falhanço dos objetivos para 2030. Se esperarmos mais cinco anos e só discutirmos compromissos para 2035, o limite de 1.5°C estará perdido", sustentou Niklas Höhne, responsável do NewClimate Institute, uma das duas organizações parceiras do CAT.

O texto do relatório defende que nestes dias finais da COP26, os governos têm que aumentar a ambição nos seus objetivos para 2030 e entregar o dinheiro que falta dos 100 mil milhões de dólares anuais prometidos para os países em vias de desenvolvimento. Estas são duas condições para ainda manter vivo o sonho de se antigir o valor de aquecimneto global de 1.5°C.

Promessas sobre proteger florestas e reduzir metano não fazem diferença

A análise feita pela Climate Action Tracker às promessas feitas em Glasgow na cimeira de líderes – e com o esforço diplomático da União Europeia e dos EUA – de reduzir as emissões globais de metano e de parar a desflorestação até 2030, são das conclusões mais surpreendentes do relatório. O compromisso global do metano – de reduzir as emissões deste potente gás em 30% até 2030 – terá o impacto de reduzir as emissões globais em apenas 14%. 

No final, em 2100, o resultado deste compromisso de mais de 40 nações será de uma redução da temperatura de apenas o.1ºC. “Muitas das reduções de metano já estavam nos compromissos nacionais”, explica o CAT. Pelo que este novo compromisso não é uma novidade; já existia.


Salvar as florestas? Sim, podemos
O primeiro acordo político de Glasgow foi assinado por mais de 100 líderes e promete restaurar as florestas da Terra até 2030. Boris Johnson referiu-se a ele como momento histórico.

O mesmo acontece com a promessa de salvar as florestas do mundo. Mais de 100 líderes, que representam os países com 86% das florestas mundiais, comprometeram-se a parar e a reverter a desflorestação até 2030. A Declaração sobre florestas e uso das terras dos líderes em Glasgow foi o primeiro compromisso político a sair da COP26. E foi assinado um apelo de reunir 19 mil milhões de dólares em capitais privados e públicos para o fazer. 

O relatório do CAT conclui com uma observação que pode ser cínica - do ponto de vista dos políticos que subscreveram a declaração sobre florestas, vista como algo de revolucionário - mas que é uma análise compreensível para quem já viu muitos documentos serem assinados por chefes de Estado. A conclusão do CAT é que se nem o compromisso de reunir 100 mil milhões de dólares para apoiar os países mais pobres na transição energética foi atingido, cinco anos após ter sido prometido, “acrescentar esta nova iniciativa é questionável”.

Dois vilões ganham força: o gás e o carvão

Para o objetivo que levou os milhares de delegados a Glasgow - de manter a esperança do mundo parar no 1.5ºC de aquecimento – o CAT sustenta que o carvão e o gás têm que deixar de ser usados no setor energético em 2030 nas economias desenvolvidas, e no mundo inteiro o mais tardar em 2040. Não é isso o que está a ser prometido. “Há ainda muito carvão em stock, e muitos países como o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália ainda têm planos centrados no carvão como maior fonte geradora de eletricidade. E muitos ainda continuam a financiar o carvão no estrangeiro”.

Por outro lado, o aumento do uso do gás natural, embora tenha sido visto, nos últimos anos, como o menos mau dos três principais combustíveis fósseis , pode pôr em causa a redução de emissões. O gás natural tem que cair nesta década, defendem os cientistas. O que está a acontecer, dizem os relatores do CAT, é que o carvão, em vez de ser trocado por energias renováveis, está a ser trocado por gás. “Estamos a asistir ao aumento da indústria do gás que está a impor os seus produtos como uma alternativa, ainda apoiada por governos. Não podemos deixar que combustíveis fósseis sejam substituídos por combustíveis fósseis”, sintetiza Bill Hare.  

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