AstraZeneca. Ascensão e má fama
AstraZeneca. Ascensão e má fama
Quando foi anunciado que em julho de 2020 começaria a ser testada em humanos, a vacina da Universidade de Oxford em parceira com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca foi recebida como uma maravilha da ciência. Tinham passado seis meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) fora oficialmente notificada de um novo vírus em Wuhan e, no momento – e ainda agora – a vacina era a melhor esperança para o mundo. Hoje, a vacina da AstraZeneca está a ser investigada pela suspeita de que poderá causar coágulos mortais.
Um começo brilhante e um prémio igual ao de Churchill
À frente da equipa, uma virologista com 25 anos de experiência, que trabalhou noite e dia durante meses. Ao jornal inglês The Independent, Sarah Gilbert contou que com a parada tão alta (potencialmente salvar milhões), é fácil encontrar motivação. Isso, a experiência profissional a desenvolver vacinas contra a gripe e novos vírus, e o arcaboiço que cuidar de trigémeos lhe deram.
Criar a vacina foi rápido. Mas porque a preparação para desenvolver um antídoto contra a mítica Doença X (já se sabia que estava a vir uma infeção com potencial de pandemia) não começou com as notícias de Wuhan. Segundo disse Sarah Gilbert à BBC, a luta contra este coronavírus arrancou no final de 2016, quando o surto de ébola no Congo matou 11 mil pessoas, para frustração dos virologistas no mundo inteiro. O Instituto Jenner da Universidade de Oxford começou então a desenhar uma estratégia para enfrentar o desconhecido.
Quando a covid-19 surgiu e se percebeu que era este o inimigo público número 1 que os cientistas temiam, a estratégia de Oxford já estava em marcha. Em vez de usar a técnica das vacinas convencionais – com vírus mortos ou fragmentos do vírus da doença – os cientistas do Instituto Jenner criaram uma vacina através de um adenovírus de chimpanzé, que é modificado para não infetar os humanos e, ao qual é adicionado o código genético da doença específica contra a qual a vacina quer lutar.
A vantagem da técnica é que é fácil transformar o soro de base para adaptar para os vírus que for preciso. Antes da covid-19, a ChAdOx1 já tinha sido dada a 330 pessoas para lutar contra o vírus do zica, do cancro da próstata e da doença tropical chikungunya.
Na próxima quarta-feira, dia 14, Gilbert irá receber a Albert Medal da britânica Royal Society of Arts (RSA), uma medalha criada em 1864 e destinada a premiar pessoas nos vários campos com contributos extraordinários para a humanidade, como Marie Curie, Stephen Hawkins ou Winston Churchill. Matthew Taylor, diretor da RSA, salientou que a Albert Medal “celebra o melhor da inovação e a vacina de Oxford é um triunfo enorme da criatividade britânica, investigação e desenvolvimento”. Mas as mais recentes avaliações podem ensombrar a cerimónia.
Uma guerra, o brexit, relações azedas
Enquanto no Reino Unido a vacina de Oxford/AstraZeneca era celebrada, na União Europeia foi olhada com suspeita. Desde o início. Primeiro foi o imbróglio jurídico e político. A 29 de janeiro, dia em que foi aprovada pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) para uso nos países da União Europeia, já tinha estalado a guerra entre a Comissão Europeia e a farmacêutica. A comissária europeia para a Saúde, Stlella Kyriakides, avisara no dia anterior que "isto não é um talho, em que quem chega primeiro é atendido antes".
A frase veio a propósito de uma entrevista do CEO da empresa, Pascal Soriot, a um jornal italiano no qual disse que a equipa negocial da UE tinha fechado o contrato três meses depois do Reino Unido e por isso teria menos prioridade. Uma semana antes, Soriot avisara as autoridades que devido a falhas na produção da fábrica belga, a União Europeia não teria direito a todas as doses contratadas para a primeira fase de entregas. A Comissão Europeia salientou que o Reino Unido estava a obter o fornecimento completo, enquanto a Europa estava a ver os navios a passar e, alegadamente, com uma falha de 75 milhões de doses. Com o recente acordo de pós-Brexit ainda na memória, esta luta pelas vacinas tornou-se a primeira grande guerra comercial entre os agora dois blocos.
Quem quer uma Vaxzevria? Investigação e mudança de nome
Mas mal a guerra entre os dois lados do Canal da Mancha tinha acabado, outra começava. A da reputação. No relatório da EMA, a vacina Oxford/AstraZeneca foi avaliada como tendo uma eficácia de 60%. A da Pfizer/BioNTech foi aprovada a 21 de dezembro de 2020, tendo a EMA registado uma eficácia de 95%. E a vacina do laboratório norte-americano Moderna foi aprovada a 6 de janeiro com uma eficácia de 94,1%. Finalmente, a 11 de março, a vacina Janssen foi aprovada, tendo sido registada uma eficácia de 67%. Vantagem competitiva da AstraZeneca: é mais fácil de armazenar, não tendo que recorrer às temperaturas extremamente baixas das vacinas da Moderna e da Pfizer.
A vacina da AstraZeneca sofreu sérios reveses quando foram reportadas mortes com casos raros de coágulos sanguíneos e baixo número de plaquetas. No princípio de março, oito países europeus suspenderam a vacinação com a AstraZeneca, após a morte de uma enfermeira alemã de 49 anos. Ao todo, foram reportadas 9 mortes com casos raros de coágulos, embora não tenha sido na altura clarificada a ligação entre a toma e os óbitos. Finalmente, no dia 18 de março, Emer Cooke, numa conferência seguida por todas as capitais da UE, anunciou que depois de analisados os dados, a vacina não aumenta o risco de coágulos sanguíneos em geral.
"Mas ainda não podemos excluir definitivamente uma relação com casos raros que surgiram", disse. Tanto a EMA como a OMS consideraram que os riscos de morrer com covid-19 eram muito maiores do que os de morrer com a vacina, e que as campanhas de vacinação deveriam ser retomadas, embora os estudos sobre o que se tinha passado continuassem. No final de março, a vacina da AstraZeneca mudou oficialmente de nome para Vaxzevria.
Esta terça-feira, dia 6, nova notícia bombástica: Marco Cavalieri, responsável da estratégia de vacinas da EMA, confirmou a existência de um "elo" entre a vacina da AstraZeneca e os casos de trombos atípicos observados após a sua toma e que terão provocado mortes em população abaixo dos 50 anos. E anunciou ainda uma nova reunião de emergência da EMA que terminará a 9 de abril, próxima sexta-feira.
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