Portugueses passam ainda mais frio nas casas com a inflação
Portugueses passam ainda mais frio nas casas com a inflação
Apesar de viverem num país conhecido pelo clima ameno, centenas de milhares de portugueses sofrem todos os invernos com o frio nas suas próprias casas, que têm ainda mais dificuldade em aquecer numa altura de uma inflação galopante.
Na sua pequena casa nos subúrbios a sul de Lisboa, cujas paredes estão amareladas devido à humidade, Maria de Jesus Alves Costa teve de desligar os aquecedores.
"Já não me posso dar ao luxo de aquecer [a casa] (...). A última conta foi quase de 95 euros", suspira, envolta numa capa de pelo sintético que lhe chega à cintura, diante da porta aberta que dá para um pequeno pátio, onde pode desfrutar dos últimos raios de sol do dia.
"Vou para a cama mais cedo para não apanhar frio", disse à AFP esta reformada de 68 anos, que vive com o marido num bairro da Costa da Caparica, cujas praias se enchem de gente no verão.
A falta de conforto térmico é comum em Portugal, onde 16% dos 10 milhões de habitantes sentem que não conseguem aquecer adequadamente as suas casas.
Com uma média comunitária de 6,9%, este indicador coloca o país ibérico em quinto lugar, atrás da Bulgária, Lituânia, Chipre e Grécia, de acordo com os últimos dados do Eurostat.
"Ou compram medicamentos ou pagam a eletricidade"
"O problema dos baixos rendimentos familiares (...), combinado com o mau estado da habitação, significa que, apesar do sol abundante e dos invernos amenos de Portugal, as pessoas passam realmente frio em casa", explica João Pedro Gouveia, investigador do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (CENSE) da Universidade Nova de Lisboa.
Após a Revolução dos Cravos de 1974, "a construção foi feita de forma rápida e com má qualidade" para alojar aqueles que chegaram das antigas colónias portuguesas em África, mas também para dar resposta a um grande êxodo rural, justifica o especialista.
Num bairro de habitação social no nordeste de Lisboa, o bloco 70, que não tem manutenção desde que foi construído há cerca de 50 anos, é um testemunho das condições extremamente precárias em que alguns portugueses vivem.
Uma das suas residentes, Francisca Chagas, vive num apartamento no sexto e último andar, onde as paredes e o teto estão enegrecidos por causa das infiltrações. Quando chove, a água cai nas bacias de plástico que instalou na cozinha.
"Nunca tive aquecimento em minha casa", conta a reformada de 75 anos, que resiste ao frio embrulhando-se num cobertor no sofá.
"Há famílias com pessoas doentes que precisam de medicamentos mas têm de escolher: ou compram os medicamentos ou pagam a eletricidade", acrescenta a sua vizinha, Teresa Pina, perante o cenário de aumentos de preços recorde em Portugal, até 10% em outubro.
30% das casas portuguesas não têm aquecimento
De acordo com dados dos censo de 2021, 30% das casas portuguesas não têm sistema de aquecimento. Quase 22% das casas têm apenas uma lareira e apenas 14% têm aquecimento central.
Com janelas de vidro simples, a grande maioria dos edifícios sofre de problemas de isolamento, embora a temperatura média de inverno raramente desça abaixo dos 10 graus.
Para remediar esta situação, o governo socialista de António Costa tomou várias medidas para ajudar a renovar milhões de casas mal isoladas, incluindo uma subvenção de 1.300 euros para trabalhos de melhoria energética.
O executivo também desvendou em janeiro uma "estratégia nacional a longo prazo para combater a pobreza energética", que visa reduzir o número de pessoas afetadas dos atuais 19% para 1% até 2050.
O governo planeia utilizar os 16 mil milhões de euros de fundos europeus do plano de recuperação pós-Covid para financiar parte deste programa.
Dos cerca de 3 mil milhões de euros afetados à "transição climática", o governo reservou 300 milhões de euros para a melhoria da eficiência energética dos edifícios residenciais.
Mas o objetivo do governo "não parece realista" e o financiamento é "claramente insuficiente", disse Manuela Almeida, professora de engenharia civil na Universidade do Minho.
O Contacto tem uma nova aplicação móvel de notícias. Descarregue aqui para Android e iOS. Siga-nos no Facebook, Twitter e receba as nossas newsletters diárias.
