Os bons, os maus e os doutores
Os bons, os maus e os doutores
O protesto era contra a exploração mineira, que não tem sido tema nesta campanha eleitoral, onde se tem discutido tudo o que não interessa, como são excelentes exemplos a instituição da pena perpétua, a castração química, os animais de estimação dos candidatos, todas e mais algumas tipologias de geringonça, mas a exploração mineira e todas as consequências ambientais que acarretam para as regiões e para as suas populações, isso não.
Directos para Coimbra onde, ao sétimo dia, aleluia, Rui Rio tirou a máscara do sorriso e apresentou-se com um ar carregado. Ao retardador, como é seu apanágio, respondeu ao epíteto que Rosa Mota usou para se referir a ele quando foi presidente da CM de Porto. Mesmo assim, em momento algum Rui Rio mencionou a autora do impropério. Em vez disso, carregou na intelectualidade. "Parece que houve para aí um encontro de intelectuais em que me chamaram ´pequeno nazi` (o termo exacto foi ´nazizinho`). Podia muito bem processá-los por difamação, mas depois o advogado de defesa deles podia dizer-me: intelectuais? Mas quais intelectuais, senhor dr. Rui Rio?" É sempre bom de saber que Rui Rio tem sobre si próprio alta deferência, referindo-se à sua pessoa como senhor doutor.
O senhor doutor Rui Rio, que não se fia em sondagens quando estas lhe são desfavoráveis, dizendo sobre estas que valem o que valem quando lhe dá para os ares de estadista, e que os indicadores são sem dúvida importantes quando apontam uma aproximação ao PS, tinha de ir andando para Espinho, que o povo lá é sereno, desde que não tenha de esperar. Por acaso do destino, para Espinho ia a comitiva do PS, com o primeiro-ministro ao leme. A coisa prometia. Ou talvez não. O que dirá ao dr. António Costa, se o encontrar, dr. Rui Rio? "Que se a campanha do PS prosseguir pela via do insulto e da difamação, o dr. António Costa vai ficar a falar sozinho". Tipo maioria absoluta, senhor doutor? "Isso é que não".
Por algum milagre só compatível com o dr. Francisco Rodrigues dos Santos na pasta da Defesa Nacional, o dr. Ventura como vice-primeiro-ministro ou o dr. Cotrim de Figueiredo com uma pasta qualquer, "pode ser a da Reforma Administrativa", as comitivas social-democrata e socialista andaram às voltas por Espinho sem nunca se cruzar, com os senhores doutores em fogo cruzado de farpas. Na comitiva socialista foi o dr. Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, que o dr. Rui Rio alvitrou como primeiro-ministro sombra, a estrela da tarde.
É possível que ambas as comitivas tenham exercido em Espinho a primeira convergência de bloco central, convergindo em não convergir na mesma rua, à mesma hora, embora a presença de ambos baralhasse um pouco quem só estava a passear. Mal se apanhou o primeiro-ministro a jeito, a pergunta sacramental; "E se encontrar o dr. Rui Rio, dr. António Costa? O que é que lhe vai dizer?" O primeiro-ministro fez uma pausa de seis segundos, o tempo de um suspiro dramático e, por uma vez, lá respondeu a uma pergunta que lhe era colocada: "Boa tarde!" Era isso que lhe dizia, dr. António Costa? "Sim. E que melhorasse rapidamente dos sangramentos (nasais)".
Ao longe, em Braga, o Chega já fazia uma valente arruada, cheia de armários a sussurrar com os próprios ombros, malta a envergar coletes reflectores verdes, jornalistas, sempre com apetite aguçado pela raridade da espécie e, claro, o dr. André Ventura com mais seguranças em redor que Donald Trump quando visitou a Disneylândia.
No total, incluindo os mencionados, estavam na arruada do Chega umas cinquenta pessoas e pelo menos um doutor. Algures, o dr. Chicão dirigiu-se à nação eleitoral para declarar que não é nenhum dr. "Paulinho das feiras" e para deixar um alerta para a crise do leite. o IL foi pregar para um dos seus palcos predilectos, entre o Cais do Sodré e Santos. O PAN também ficou sossegadinho na capital, promovendo uma visita à Sociedade Protectora dos Animais, onde a dra Inês de Sousa Real desenvolveu a ideia de consignar verbas do OE para a criação de uma espécie de SNS dos animais. Ai, se os animais votassem...
A propósito: o governo tinha previsto que se tivessem inscrito para hoje votar antecipadamente em mobilidade perto de um milhão de eleitores. Os números ficaram muito aquém: 316 mil inscritos. Destes, veremos quantos votam. Os optimismas consideram que poderá ser um sinal de maior afluência às urnas no próxima dia 30. Os realistas consideram que é mais um barómetro das intenções de abstenção. Talvez por isso, em Espinho, quando alguém transbordava o entusiasmo para um "vamos ganhar", António Costa dizia "vamos votar".
(Autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.)
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