Morte de mulher grávida. O caso que terá precipitado a demissão de Temido
Morte de mulher grávida. O caso que terá precipitado a demissão de Temido
Depois de meses a braços com as fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente o encerramento das urgências de obstetrícia devido à falta de pessoal nas escalas para garantir o serviço, Marta Temido apresentou a sua demissão na madrugada desta terça-feira, algumas horas após ter sido noticiada a morte de uma grávida que sofreu uma paragem cardiorrespiratória enquanto era transferida do Hospital de Santa Maria para o Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, por falta de vagas na neonatologia.
A parturiente em causa, uma cidadã indiana de 34 anos, estava grávida de 31 semanas e estaria a passar férias em Portugal com o companheiro quando se dirigiu ao hospital na terça-feira, 23 de agosto, com falta de ar, tendo sido internada com uma frequência cardíaca elevada.
De acordo com o jornal Público, a mulher não falava português nem inglês e a equipa médica não conseguiu ter acesso ao seu historial clínico, o que poderá ter contribuído para a dificuldade do diagnóstico. Esta seria a sua primeira gravidez.
Mulher estaria estável no momento da transferência
"Não sabíamos se a mãe tinha algum problema cardíaco, um historial de tensão arterial alta, alguma patologia”, explicou esta manhã Luísa Pinto, responsável do serviço de obstetrícia do Santa Maria, numa conferência de imprensa conjunta com o diretor clínico do hospital, Luís Pinheiro, o diretor do serviço de neonatologia, André Graça, e a enfermeira diretora, Ana Paula Fernandes.
A paciente terá dado entrada nas urgências durante a noite com sintomas que apontavam para uma pré-eclâmpsia, uma complicação grave da gravidez que se manifesta através de uma tensão arterial elevada. Quando foi decidida a sua transferência, por falta de vaga no serviço de neonatologia (faltava uma incubadora para o bebé que seria prematuro), os níveis de tensão arterial e de frequência cardíaca tinham descido.
"No momento em que foi transferida, a mãe não carecia de cuidados intensivos", observou Luísa Pinto, acrescentando que "nada fazia prever" que a paciente entrasse em paragem cardiorrespiratória. Foi o que acabou por acontecer durante o transporte em ambulância, tendo sido iniciadas de imediato manobras de reanimação. Contudo, entrou em coma profundo e morreu, quatro dias depois, no sábado 27 de agosto.
IGAS abre investigação à morte de grávida
André Graça, diretor do serviço de neonatologia, lembrou que "a transferência não é uma situação rara ou única" e que, neste caso, foi preciso transferir a paciente pois não havia incubadora disponível e, após um parto prematuro, fazê-lo seria muito arriscado.
"Não podemos tratar doentes com ausência de vagas. Foi um acontecimento totalmente inesperado”, afirmou, justificando que, no caso de bebés prematuros, a decisão médica prioriza "o prognóstico em termos de sobrevivência e de sobrevivência sem sequelas" do bebé.
A equipa do Hospital de Santa Maria refere, ainda, que o "trágico desfecho" não pode ser associado à falta de médicos, já que a equipa da urgência estava completa na madrugada em que a grávida deu entrada no hospital.
Em comunicado, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) informou que a mulher foi "submetida a uma cesariana urgente, tendo o recém-nascido, de 722 gramas, ido para a unidade de cuidados intensivos neonatais por prematuridade".
Esta terça-feira, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) anunciou a abertura de uma investigação à morte da paciente com o intuito de obter resposta para as seguintes questões: "Qual foi a razão pela qual a utente foi transferida? Quem foram os responsáveis pela decisão de transferência e sob que pressupostos clínicos asseguraram que a utente poderia ser transferida em segurança? Qual era a situação do Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria na data da transferência? Em que circunstâncias ocorreu a morte da utente? Existiam soluções alternativas e mais seguras à transferência?"
Popularidade de ministra em queda este verão
Nos anos em que integrou os três executivos liderados por António Costa, Marta Temido tornou-se numa das figuras mais populares do Governo, sobretudo devido à forma como geriu o combate à pandemia de covid-19. As diversas limitações do SNS a nível de recursos humanos e de condições de trabalho geraram algumas tensões entre a tutela e os profissionais de saúde, como a greve de várias semanas dos enfermeiros nos blocos operatórios que, entre o final de 2018 e o início de 2019, obrigaram ao cancelamento de várias cirurgias.
Recentemente, o descontentamento de sindicatos e ordens profissionais voltou a vir à superfície e os pedidos de uma reforma estrutural do SNS multiplicaram-se, em particular devido às dificuldades das unidades hospitalares em assegurarem as escalas completas para garantir o funcionamento dos serviços de urgência de obstetrícia e dos blocos de partos.
Para dar resposta ao problema, o Governo criou a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos, coordenada pelo médico Diogo Ayres de Campos, mas as dificuldades persistiram nos últimos meses. Em junho, uma mulher perdeu o bebé ao entrar em trabalho de parto numa altura em que a urgência de obstetrícia do hospital das Caldas da Rainha estava encerrada.
A agora ex-ministra da Saúde sai do Governo numa altura em que se encontravam a decorrer negociações com os sindicatos sobre um conjunto de respostas para resolver problemas estruturais do SNS, impulsionado pela aprovação, a 7 de julho, do novo Estatuto do SNS.
*Com Lusa
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