Julgamento de Pedrógão Grande aproxima-se do fim quase um ano após ter começado
Julgamento de Pedrógão Grande aproxima-se do fim quase um ano após ter começado
Quase um ano após ter começado, o julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, que ocorreram em junho de 2017, caminha para o final, com o início, na quarta-feira, das alegações finais.
O julgamento, no Tribunal Judicial de Leiria, arrancou em 24 de maio de 2021, na principal sala do Palácio da Justiça, na qual foi limitado o acesso da comunicação social e do público, o que originou críticas. No mesmo edifício, foram disponibilizadas outras duas salas, para que jornalistas e público pudessem acompanhar, através de áudio, o julgamento.
A Ordem dos Advogados juntou-se às críticas do Sindicato dos Jornalistas, notando que a sessão “foi realizada sem as necessárias condições de segurança, uma vez que os lugares destinados aos advogados não possuíam o distanciamento social exigido” devido à pandemia de covid-19.
Outra das questões suscitadas prendeu-se com um recurso do Ministério Público (MP) para o Tribunal da Relação de Coimbra a propósito da classificação dos autos como megaprocesso, defendendo nova distribuição. O MP pretendia que o recurso fosse suspensivo, o que não impossibilitaria o início do julgamento.
O recurso foi admitido pela presidente do coletivo de juízes, Maria Clara Santos, que determinou que o mesmo subiria “nos próprios autos, conjuntamente com o recurso da decisão que vier a pôr termo à causa, com efeito meramente devolutivo”.
Face a esta situação, advogados alertaram que ainda não estavam reunidas todas as condições para que o julgamento se iniciasse “com plena estabilidade” e para a possibilidade, caso o Tribunal da Relação dê razão ao MP, de a prova feita em julgamento poder vir a ser anulada.
O primeiro dia de julgamento ficou ainda marcado pela greve dos funcionários judiciais, que obrigou à interrupção da audiência durante uma hora.
O Sindicato dos Funcionários Judiciais tinha convocado uma greve, que se iniciara uma semana antes e com a duração de um mês, entre as 10:00 e as 11:00.
Os funcionários justificaram a paralisação com a “situação socioprofissional, nomeadamente a negociação do estatuto profissional, a recuperação do tempo de serviço congelado, a dramática falta de funcionários e o continuar do congelamento injustificado de promoções”.
Da investigação à acusação
Os incêndios de Pedrógão Grande deflagraram em 17 de junho de 2017. Dois dias depois, o MP abriu um inquérito, que foi dirigido pela procuradora da República Ana Simões. A investigação foi delegada na Polícia Judiciária, neste caso na Diretoria do Centro.
Em fase de inquérito, além das 12 pessoas que acabaram acusadas, foram constituídos mais seis arguidos: um responsável da empresa de silvicultura Silvexplor, um funcionário da Câmara de Pedrógão Grande, três membros do conselho de administração da Ascendi Pinhal Interior (incluindo o à data presidente do conselho de administração) e ainda um funcionário desta empresa.
O MP entendeu que, no caso destas seis pessoas, não era possível assacar-lhes quaisquer responsabilidades criminais, determinando o arquivamento dos autos nesta parte.
O despacho de acusação, com 656 pontos, na qual o MP contabilizou 63 mortes - a maioria das vítimas mortais foi encontrada na EN 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos - e 44 feridos quiseram procedimento criminal, tem data de 26 de setembro de 2018.
Foram acusados dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES), três da Ascendi (a subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a EN 236-1, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior), o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, e os antigos comandante e 2.º comandante operacional distrital de Leiria, Sérgio Gomes e Mário Cerol, respetivamente.
Acrescente-se o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e o atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Técnico Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
O que diz a acusação
O MP relata que em 17 de junho de 2017, às 14:38, deflagrou um incêndio no Vale da Ribeira de Frades (Escalos Fundeiros), concelho de Pedrógão Grande, desencadeado por uma descarga elétrica de causa não apurada com origem na linha elétrica de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da EDP Distribuição (hoje E-REDES).
A zona inicial do incêndio ocorreu num terreno num troço daquela linha que, numa extensão de 500 metros, “estava desprovido de faixa de proteção e onde não tinha sido efetuada a gestão de combustível”.
A existência de árvores e vegetação por baixo da linha elétrica “propiciou a ignição do incêndio” na manta morta, “produzida pela mencionada descarga elétrica”, facilitando a sua propagação.
Cerca das 16:00, deflagrou um outro incêndio, em Regadas, também Pedrógão Grande, desencadeado igualmente “por uma descarga elétrica de causa não apurada” com origem na mesma linha de média tensão, sendo que a zona inicial deste fogo apresentava semelhanças com a primeira.
Estes dois incêndios acabaram por se juntar, após as 19:30 do mesmo dia, num processo designado de “encontro de frentes”, que conduz a um mecanismo de comportamento “extremo de fogo”.
Unificado, o incêndio progrediu “com grande rapidez e intensidade”, chegando à EN 236-1 e a outros locais de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, os concelhos mais fustigados.
O incêndio foi considerado extinto cinco dias depois, às 23:49 de 22 de junho. A área ardida foi de 24.164,6 hectares, abrangendo ainda os concelhos de Alvaiázere e Ansião, todos no distrito de Leiria.
Os prejuízos apontados pelo MP são de pelo menos 90,3 milhões de euros.
Da acusação ao julgamento
Proferida a acusação, foi requerida a abertura de instrução, tendo o juiz de instrução criminal de Leiria determinado, em 21 de junho de 2019, que iriam a julgamento 10 arguidos.
Assim, “saíram” Sérgio Gomes, Mário Cerol e José Graça, e “entrou”, porque pronunciado, o então presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves.
O juiz de instrução criminal justificou que não levou a julgamento Sérgio Gomes e Mário Cerol porque, “perante a anormalidade do evento e o domínio do evento após o seu recrudescimento, pouco poderiam fazer”.
Quanto a José Graça, também não foi pronunciado, “uma vez que não lhe estavam delegados poderes [competências] para a gestão de combustível”.
Seguiram-se recursos para o Tribunal da Relação de Coimbra que, em 30 de junho de 2020, deu razão ao MP e determinou ao juiz de instrução criminal de Leiria para pronunciar José Graça, mas nada mudou na decisão de não levar a julgamento Sérgio Gomes e Mário Cerol.
Por outro lado, os juízes desembargadores revogaram a pronúncia de Valdemar Alves.
Em 08 de janeiro de 2021, o MP avançou com acusação autónoma a Valdemar Alves, pela mesma procuradora da República, tendo o processo sido apensado ao dos restantes 10 arguidos.
Quem são os arguidos e os crimes que lhe são imputados
José Geria. Exercia funções de subdiretor da Área de Manutenção de Redes do Centro da EDP (hoje E-REDES) que “abarcam a responsabilidade pela coordenação das ações de manutenção preventiva e corretiva” da linha de média tensão Lousã-Pedrógão.
Está em julgamento por 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, 12 dos quais graves, todos por negligência.
De acordo com o MP, secundado pelo juiz de instrução criminal, enquanto responsável pela gestão e manutenção da linha de média tensão Lousã-Pedrógão, não procedeu, “por si ou por intermédio de outrem, ao corte/decote das árvores e vegetação existentes nos terrenos por baixo da mesma ou a sua remoção, em conformidade com o legalmente estipulado”.
Agiu, por isso, “sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela linha”.
Casimiro Pedro. Exercia funções de gestor de Área de Redes - Centro da EDP (hoje E-REDES) que “abarcam a responsabilidade pela gestão, manutenção, inspeção e fiscalização” da linha de média tensão Lousã-Pedrógão.
Está em julgamento por 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, 12 dos quais graves, todos por negligência.
De acordo com o MP, secundado pelo juiz de instrução criminal, enquanto responsável pela gestão e manutenção da linha de média tensão Lousã-Pedrógão, não procedeu, “por si ou por intermédio de outrem, ao corte/decote das árvores e vegetação existentes nos terrenos por baixo da mesma ou a sua remoção, em conformidade com o legalmente estipulado”.
Agiu, por isso, “sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela linha”.
Augusto Arnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande.
Está a ser julgado por 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, 12 dos quais graves, todos por negligência.
O MP, nesta parte subscrita pelo juiz de instrução criminal, atribui a Augusto Arnaut, enquanto comandante das operações de socorro, responsabilidades pelo atraso na montagem do posto de comando operacional, por não ter pedido mais meios ou por não ter informado cabalmente o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria sobre a evolução do incêndio.
O comandante omitiu “procedimentos e deveres obrigatórios e elementares em razão das funções que exercia e cuja obrigatoriedade conhecia, que era capaz de adotar e cumprir, devendo tê-lo feito para evitar um resultado que podia e devia prever”, a morte de pessoas e ferimentos noutras.
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