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Idanha-a-Nova, o Paraíso perdido
Portugal 16 min. 18.12.2021 Do nosso arquivo online
Refúgio de jornalista consagrado

Idanha-a-Nova, o Paraíso perdido

Refúgio de jornalista consagrado

Idanha-a-Nova, o Paraíso perdido

Foto: Valter Vinagre
Portugal 16 min. 18.12.2021 Do nosso arquivo online
Refúgio de jornalista consagrado

Idanha-a-Nova, o Paraíso perdido

Luís Pedro Cabral
Luís Pedro Cabral
A sua vida deu um filme, em que Clive Owen fazia de si. É jornalista consagrado, esteve na fundação do Independent, que em finais dos 80 caiu na sociedade britânica como uma pedra no charco. No parlamento inglês, todos o conhecem. Viveu em muitas partes do mundo. Na Nova Zelândia, onde a tragédia bateu à sua porta, escrevia os discursos do primeiro-ministro. Em 2013, vendeu tudo o que tinha e mudou-se para uma aldeia do interior de Portugal. No interior de Idanha-a-Nova ele reencontrou um dia o seu.

Medelim, conhecida como a aldeia dos “balcões”, fica no concelho de Idanha-a-Nova, Beira Baixa. A sua história remonta ao tempo dos romanos mas, para o caso, isso interessa pouco. A aldeia, que outrora foi igualmente abrigo de uma significativa comunidade judaica, sofre da maldição do interior: o envelhecimento da sua população. Aquilo que tecnicamente se designa por território de baixa densidade, o velho fado da desertificação, faz da aldeia um estranho sepulcro de silêncio e de beleza, como um binómio desavindo, de aparência contrastante. Talvez pela sua identidade judaica, é como se a vida estivesse lá, não estando à vista. Por conta da pandemia, há dois anos que não se faz sentir o milagre de Agosto, quando a aldeia se maquilha de gente, a fingir que viaja no tempo. Oficialmente, há 7,4 habitantes por quilómetro quadrado. Vivem na aldeia pouco mais de 200 habitantes, sabendo-se que nem todos os habitantes de Medelim são habitantes da aldeia. E que a sua população, que muito lentamente inverte este ciclo de abandono, obedece agora a uma tendência multinacional, multicultural também. Muitos estrangeiros em mudança de vida começam a descobrir este território, encontrando aqui o seu paraíso perdido. Foi o caso de Simon Carr, que só aqui é um desconhecido. Esse anonimato, assim como o silêncio, são como o “el dorado” moderno. Não deixa de ser uma ambiguidade interessante. Os de lá queixam-se dele. Os de fora, vêm à sua procura.

Queria um sítio com um rio. Procurei por toda a Europa. Encontrei este lugar na internet. Apaixonei-me online. Foi como encomendar uma noiva pela net.

Simon Carr

Pelo adro da igreja, deixando para trás o casario, fica a sua quinta, à paisana na natureza. Há uma enorme vedação de rede metálica, onde as trepadeiras já completaram a sua escalada, e uma câmera de vídeo-vigilância, que espreita lá em cima, mas que parece tão inerte quanto o tempo, naquele lugar. Há um longo caminho de terra batida, que conduz a uma casa de granito. Lá dentro, no estado de desarrumação natural de quem vivia só, havia papéis espalhados pelas mesas, peças de roupa a servir de tapete, na cozinha há um arquipélago de saquetas de chá, uma torre de pratos amontoados no lava-loiças num C instável, um copo de salto alto com resquícios de vinho tinto ao lado de uma lata de Dum Dum. Há livros por todo o perímetro, a cama desfeita, uma mala de viagem aberta por cima de um baú de madeira, chinelos emparelhados com sapatos de corte clássico, umas galochas recheadas de lama solidificada, com meias penduradas no cano, um carregador do telemóvel a servir de separador no dicionário Inglês/ Português. O ecrã do computador tinha uma página em branco, metáfora perfeita para uma nova estação na vida de alguém.

A razão do interior

“Por favor, perdoem a desarrumação. A senhora da limpeza está de folga”, disse Simon Carr, activando o mecanismo britânico do humor. Não havia senhora da limpeza. Se alguma coisa ele descobriu, para além deste lugar, é que no campo não há quem faça as coisas por ele, do complexo ao trivial. Como dizer... Não lhe tinha apetecido fazer limpezas e pronto. É uma prerrogativa de quem é dono e senhor do seu espaço. Em relação ao tempo, ainda não estava suficientemente esclarecido quanto aos seus direitos de propriedade, embora tenha feito deste um maravilhoso usucapião. Não fazia sentido trocar de vida, para manter no campo a pressa civilizacional que o fez abandonar o bulício londrino. Não há luxos no campo. O luxo, é o campo. A aldeia, descobriu depressa, tem uma velocidade própria. E ele não tem qualquer intenção de desafiá-la. Simon gosta de estar perdido. Gosta de estar sozinho. E gosta da forma como os da aldeia sabem respeitar isso. A solidão, aqui, é património. A solidão, aqui, é uma companhia.

Simon Carr é um ínsigne cronista parlamentar. Tony Blair, ex-Primeiro-Ministro britânico, definiu-o como "o mais acutilante e mordaz" nesta temida especialidade.
Simon Carr é um ínsigne cronista parlamentar. Tony Blair, ex-Primeiro-Ministro britânico, definiu-o como "o mais acutilante e mordaz" nesta temida especialidade.
Foto: Valter Vinagre

Simon Carr é um ínsigne cronista parlamentar. Tony Blair, ex-PM britânico, definiu-o como “o mais acutilante e mordaz” nesta temida especialidade. É uma espécie de “lord” na Câmara dos Comuns dos jornalistas, embora ele não se reconheça assim. É jornalista há tempo demasiado para saber que a modéstia e a humildade de aprender seja com quem for devia ser mandamento “no código deontológico dos jornalistas”. Por isso, convém desde logo esclarecer que não passam de rumores isso de ter escrito os discursos da rainha de Inglaterra. Sabe-se lá como, essa versão algo esotérica correu em Londres e encontrou forma de se propagar por estas bandas. Porém, é absolutamente verdade que em tempos escreveu os discursos do primeiro-ministro da Nova Zelândia. Uma longa história, que decorreu nos antípodas, com as asas da felicidade e as múltiplas dimensões de um pesadelo.

Um dia, na Nova Zelândia, onde tinha reencontrado a felicidade, deu consigo viúvo, com dois filhos para cuidar. Só encontrou coragem para escrever sobre isso uma vida depois, quando os seus filhos já eram adultos e ele se tornou escritor. Simon Carr já envelheceu em muitas partes do mundo. Mas só na Nova Zelândia ele morreu. O homem que era, nunca de lá voltou. Um dia, uma vida depois, ele desfez-se de tudo o que tinha em Inglaterra, de onde é natural, e veio para Medelim, deixando lá os laços sociais e profissionais em serviços mínimos. Ainda não sabe se foi ele quem escolheu este sítio ou se foi o sítio que o escolheu a si. Está isolado da aldeia, assim como a aldeia está isolada do mundo que ele deixou para trás. A aldeia está a um passo e o mundo está a um “click”, como um kit de primeiros-socorros. Quando em 2013 se mudou para Medelim, o espaço estava em bruto, com tudo o que precisava. O rio, os pássaros, os cheiros, os sons da natureza a encontrar-se com a sua.

(...) passava muito tempo na minha única companhia. Porém, só me sinto só quando estou numa grande cidade.

Simon Carr

Cá fora, no telheiro, junto ao barbecue, instalou a sua velha poltrona, com vista para uma sala de estar com dois hectares de natureza. Algo que ele, habituado a lidar com as palavras, não sabe bem explicar sem usar o mais instável, o mais abstracto dos substantivos da raça humana: paz. “Não é isso que procuramos todos? Até os britânicos...”

Esta aldeia não é diferente de qualquer aldeia em qualquer parte do mundo. Simon Carr conhece bem a sensação de ser estranho num lugar. Quando, há muitos anos, os pais decidiram parar o trânsito incessante da sua vida, compraram uma propriedade rural numa pequena aldeia inglesa, onde a maior parte das casas eram habitadas pelas mesmas famílias há gerações. “As pessoas acolhem-nos, mas leva muito tempo até nos considerarem de lá. É necessário isso mesmo: gerações”. Na aldeia, “tenho a sensação que toda a gente se conhece desde sempre. Quando era miúdo isto incomodava-me. Agora, que sou um cidadão idoso, acho reconfortante. Tenho amigos, portugueses e estrangeiros que me visitavam, mas passava muito tempo na minha única companhia. Porém, só me sinto só quando estou numa grande cidade”. A sensação só é compatível quando ele pega no carro, para se deslocar no concelho de Idanha-a-Nova, que é o quarto maior do país. “Parece que estou sempre em contramão”.

O filme da realidade

Há uma parte num filme ("The Boys Are Back"), em que um miúdo de cinco anos diz para o pai, que era protagonizado por Clive Owen: “Quero morrer para estar com a mamã”.

Tantas anos depois, Simon Carr já criou todos os tipos de defesa para quando a sua memória tem de regressar ao pesadelo que o tornou viúvo e uma espécie de pai-solteiro, já que só Alexander, o filho mais novo, ficou órfão de mãe. Hugo, o filho mais velho, era do casamento anterior mas, curiosamente, veio viver com eles quando a tragédia se abateu naquela sua família, até então, distante. Tinha 12 anos quando isso aconteceu.

O filme, classificado na categoria de drama, estreou nas salas de cinema do Soho, em Setembro de 2009. A frase original, todavia, é de 1994. Foi o filho mais novo de Simon Carr quem lhe disse isto, quando estavam os dois perdidos num pedaço de Nova Zelândia, um órfão, o outro, viúvo. The Boys Are Back é um filme de Scott Hicks, o mesmo realizador de Shine, que valeu um óscar a Geoffrey Rush. É o filme da sua vida, com os seus filhos. Com idas e voltas, a sua vida pairou na Nova Zelândia uma década. Quando se mudou para os arredores de Auckland, estava em processo de separação de Londres e da sua primeira mulher, com quem ficou o seu filho mais velho.

A experiência da fundação e trabalho no Independent, tinha-lhe dado tarimba para trabalhar em qualquer parte do mundo. Em Auckland, que embora não seja a capital é a maior cidade neozelandesa, Simon Carr trabalhou no Metro, o maior jornal do país, e na National Business Review, revista marcadamente política.

Pelo caminho, trabalhou em publicidade. A política está-lhe no sangue. E foi também na Nova Zelândia que Carr decidiu colocar o jornalismo em tempo de espera. “Estive na fundação de um partido político, o que foi extraordinário. Nas primeiras eleições, conseguimos seis deputados”. Aprendeu muito sobre a política neozelandesa nesse tempo, o suficiente para se tornar um pouco mais tarde no homem que escrevia os discursos oficiais de James Bolger, primeiro-ministro neozelandês durante sete anos. 

Entre 1992 e 1994, foi Simon Carr quem escreveu todos os seus discursos. “Foi dos raros momentos na minha vida em que escrevi sobre uma pressão imensa. É como viver no campo. Requer uma aprendizagem contínua”. Aprendeu então que a política, mais coisa, menos coisa, é igual em toda a parte do mundo. E que invariavelmente “os primeiros-ministros têm muito mais a ver com os outros primeiros-ministros do que com os seus próprios ministros”.

Ela perguntou-me: 'Estás preocupado? Tens medo que eu vá morrer hoje?' Eu disse-lhe: estou preocupado com isso há quatro anos, querida.

Simon Carr

Na Nova Zelândia, Simon apaixonou-se. Casou de novo, mal se consumou o seu divórcio. Susie, que tinha uma clínica de fisioterapia, foi o amor da sua vida. Um amor que não terminou, quando a morte decidiu separá-los. Seis anos de casamento, quatro de sofrimento silencioso com um diagnóstico de cancro, que se revelou terminal. A sua mulher morreu em 1994. Alexander, o seu filho mais novo, tinha cinco anos. Hugo, sete anos mais velho, ainda vivia com a mãe, em Londres. Foi em Londres que a doença se demonstrou, na sua crueldade. Carr usa a idade do filho como marcador temporal. “Alexander tinha um ano quando começaram as dores abdominais”.

Estavam casados há dois anos e entretanto tinham-se mudado para a capital do Reino Unido. Nunca tinham dado grande importância àquelas dores, até porque um médico lhe tinha diagnosticado “stress”. Não era stress. “Um dia, a Susie desmaiou na rua e foi transportada de urgência para o Hospital de Westminster. Acabou por ser operada de urgência”. Nessa cirurgia, “foram encontrados tumores, muitos tumores. Dois no intestino, quatro no fígado”. Numa fracção de tempo, mais incisivo que um bisturi, a vida deles mudou. “Muito calmamente, os médicos informaram que Susie tinha uma doença terminal e que, sem tratamentos, lhe restava um ano de vida. Com o que mais moderno havia então para uma doença oncológica como a que lhe tinha sido diagnosticada, dois anos no máximo. Susie tinha 35 anos”. No meio da tormenta, com tantas e tantas indecisões, a primeira decisão que tomaram foi a de regressar à Nova Zelândia. “Ela não queria adoecer num lugar estranho”.

Ainda hoje Simon Carr não sabe explicar o feitiço de Idanha-a-Nova. "Tem algo de rude, imensamente belo", diz.
Ainda hoje Simon Carr não sabe explicar o feitiço de Idanha-a-Nova. "Tem algo de rude, imensamente belo", diz.
Foto: Valter Vinagre

The Boys

Para a Nova Zelândia transportaram a esperança. Embora a esperança não seja propriamente uma característica anglo-saxónica, “era o que nos mantinha inteiros”. Em Auckland, Susie Carr iniciou um tratamento muito agressivo contra a doença. “Os médicos tinham razão. A minha mulher tinha dois anos de vida digna do nome”. Lentamente, a doença tomou conta dela, debilitando-a até a atirar para uma cadeira-de-rodas. Simon Carr lembra-se do seu último dia, um domingo. Transportava-a para a cadeira-de-rodas. Parou para descansar e para lhe dizer que tinha decidido não ir trabalhar naquele dia, como era normal. “Ela perguntou-me: ´Estás preocupado? Tens medo que eu vá morrer hoje?` Eu disse-lhe: estou preocupado com isso há quatro anos, querida”. Ela disse-lhe: “Por favor, dá-me um abraço”. Ele abraçou-a, longamente. Ela segredou-lhe ao ouvido: “That fucking doctors!” Os seus olhos faíscavam de raiva, num desespero premonitório. “Deitei-a na cama, com muito cuidado, por causa das dores. Deitei-me ao lado dela. Ela adormeceu nos meus braços, com a cabeça levemente virada para a esquerda. Susie morreu assim. A sua expressão tinha um leve sorriso. Pelo menos é assim que eu vejo”.

Teve de esconder as lágrimas. Não sabia como contar ao filho que a mãe tinha morrido. Passaram-se horas, assim, com a mulher deitada no seu leito de morte. Só mais tarde ele teve coragem de contar ao filho que a mãe não ia despertar daquele sono. A família, agora, seriam eles dois. O que não era exactamente verdadeiro. Num desses dias do seu luto, Simon recebeu uma chamada da sua ex-mulher, dizendo-lhe que Hugo (filho mais velho) se sentia abandonado em Londres e que queria juntar-se a eles. E foi assim que na Nova Zelândia se refundou a família Carr, constituída por um homem, um menino e um rapaz. De certa maneira, estavam os três desenraizados. Decidiram não ter regras, como bons rapazes. E assim cresceram todos, um por um, pela ordem da desordem. Os rapazes gostaram muito do livro que o pai escreveu sobre a sua vida, com um título ligeiramente mais extenso do que o filme que originou: The Boys Are Back in Town. “O filme, mesmo passado tantos anos, perturbou imenso os rapazes. Na verdade, revolveu-nos as entranhas a todos”, conta Simon Carr, de novo à procura de refúgio para um tema que nunca deixa de doer.

Pelo menos no filme alguém sofreu as dores por ele. Clive Owen fazia o papel de si. “Lá fui bonito uma vez na vida. Digamos que Owen captou a minha beleza interior” – disse Simon, usando agora o humor para esconjurar pensamentos nefastos. Por instinto, ou por defeito profissional, encaminhou o assunto para a sua infância, recolocando subtilmente o tempo no presente. Os rapazes já são homens e Simon já é avô. Alexander vive em Inglaterra e quer ser escritor. Hugo, vive em Los Angeles e trabalha em publicidade. Simon, como sempre, não sabe bem de onde é. Na mente, ele é habitante eterno das cercanias de Medelim, Idanha-a-Nova. Talvez o único sítio do mundo onde aprecia a arte de ser sedentário.

Por questões mais profissionais do que outras, viajava amiúde para Londres. E foi lá que ele conheceu um novo amor, na medida “em que a minha provecta idade permite”. E eis que, de repente, se viu atirado de novo para a imprevisível tômbula da vida. Quando nada o fazia prever, como acontece em geral com os assuntos do coração, casou de novo. Regressou ao sítio onde a sua vida já tinha estacionado por diversas ocasiões. Jose Strawson, de 72 anos, a sua actual mulher, é directora jubilada da Alliance Française em Oxford, onde vive também o seu filho mais novo. O seu paraíso ficou em Medelim, para onde o regresso se tornou cada vez mais difícil. Nada a que Simon Carr não esteja habituado. Nasceu nómada, pela via diplomática. Nasceu britânico, no extremo sul da Índia, na antiga cidade de Madras, hoje Chennai, capital do estado de Tamil Nadu. O seu pai trabalhava para o Ministério dos Negócios Estrangeiros inglês. Dali, a família mudou-se para o Chipre, depois Trinidad, depois a Geórgia. Viver como saltimbanco, tem muitos prós, que só mais tarde se revelam. E muitos contras, que ocorrem em tempo real. “Passei grande parte da minha vida no estrangeiro. Só fiz amigos quando vim estudar para Inglaterra, com 10 anos. Nem foi um regresso. Foi como se tivesse emigrado para o meu país”. O mesmo aconteceu, quando ele os filhos decidiram deixar a Nova Zelândia, para viver em Oxford.

Com a aldeia no pensamento

O mesmo aconteceu agora, quando ele se encontrou de novo como um estrangeiro no seu país, com a “sua” aldeia no pensamento. Ele, que já foi de certo modo um “orgulhoso aldeão português”, ainda não conhece quase nada de Portugal. A suas estadas em Medelim eram como um “eremitério”. A forma como descobriu o seu lugar, não foi lá muito romântica. “Queria um sítio com um rio. Procurei por toda a Europa. Encontrei este lugar na internet. Apaixonei-me online. Foi como encomendar uma noiva pela net. Achei este sítio absolutamente mágico. Em 2013, quando cheguei, não havia aqui nada. Mudei para cá em Fevereiro e instalei-me numa tenda medieval”. Um inglês não diz isto de ânimo leve: “O frio aqui tem dentes”. E ele tomava banho no rio.

Foto: Valter Vinagre

Simon Carr ainda hoje não sabe explicar o feitiço deste sítio. “Tem algo de rude, imensamente belo. O interior de algo ou de alguém é quase sempre a sua parte encantada”. Eis a razão da sua mudança. Um certo tipo de paz, que só no interior se encontra. Encontrou aqui o que procurou a vida inteira, sem saber. Um lugar onde podia respirar. Na estada mais longa que fez em Medelim, quase um ano sem regressar a Londres, sentiu a diferença mal aterrou na capital inglesa. “Mesmo para um grande fumador passivo como eu, que adora inalar o fumo dos outros, senti como nunca a poluição da cidade”. Uma parte do território de Idanha-a-Nova integra o Parque Natural do Tejo Internacional e, uma parte deste, foi classificado pela UNESCO como Reserva da Biosfera. “O património natural, arqueológico e cultural do concelho é riquíssimo. Vou passar o resto da minha vida à descoberta”. O resto da vida é muito tempo. Mesmo que não seja, a expressão é demasiado abrangente. A vida impôs-lhe de novo uma mudança. Uma mudança física, digamos assim. “Posso assegurar que tenho a mente no devido lugar: lá”. Simon descobriu finalmente o segredo da aldeia e, em simultâneo, algo da alma portuguesa. De lá, nunca se parte verdadeiramente.

(Autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico.)

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