Avenida da Liberdade: Os professores precisam de alunos
Avenida da Liberdade: Os professores precisam de alunos
Pouco depois do 25 de abril, com a democratização do ensino que levou à abertura de muitas novas escolas, começaram a faltar professores. O Estado serviu-se de tudo para suprir esse défice. Professores do então designado ensino primário foram promovidos para o ensino básico, mas a medida revelou-se insuficiente.
Por essa razão, milhares de pessoas, sem habilitação própria nem específica (os dois termos usados na época), saíram das universidades para a entrada no ensino. Muitos deles vinham de licenciaturas sem qualquer vocação para o ensino, mas aproveitaram a oportunidade para começar a ganhar dinheiro.
O ensino, na época, era aliciante. O processo reivindicativo dos professores tinha conhecido bons resultados e a profissão era razoavelmente remunerada. Houve casos de professores primários que, com a passagem para o ensino básico e com a contagem da antiguidade, triplicaram o vencimento.
No sentido de que o ensino se tornasse mais apetecível para jovens licenciados contribuiu a situação económica do país. Muitas empresas estavam quase paralisadas com o receio do patronato em fazer recrutamentos, numa altura de intensa reivindicação salarial por parte dos sindicatos.
A “profissionalização” docente também foi facilitada e qualquer licenciatura permitia o acesso ao estágio profissional, cuja conclusão abria caminho à entrada definitiva nos quadros. Isto significava emprego para toda a vida.
Com isto, insuflou-se o número de professores. Eram tantos que os serviços do Ministério da Educação se tornaram incapazes de encerrar o processo de conclusão. Por proposta dos sindicatos, o Ministério adotou um novo processo, os “mini-concursos”, feitos diretamente pelas escolas para preenchimento das últimas vagas.
Esta necessidade de docentes foi também provocada pelo regresso de milhares de pessoas, vindas de África, com muitos alunos e poucos professores, porque nas colónias nem todos os que davam aulas tinha a preparação mínima exigida.
Assim se chegou ao final da década de 80 e a situação foi revertida. O número de alunos começou a baixar e os sindicatos, para manter os empregos, reclamaram a redução do número de estudantes por turma. A medida tinha virtudes, mas não foi suficiente para equilibrar o rácio entre alunos e professores.
A oferta do ensino privado também cresceu, com preços aceitáveis para os alvos de maior capacidade económica. Evocavam, geralmente, uma certa decrepitude do ensino público e até a degradação do parque escolar.
Algumas escolas públicas, até no centro de Lisboa, fecharam portas e o Estado deparou-se com uma realidade: havia professores a mais e alunos a menos.
Em vez de definir uma solução para o problema preferiu-se usar mais um expediente para tapar o sol com a peneira. E, assim, os professores em fase adiantada da carreira passaram a ter horários letivos reduzidos, de modo a permitir a acomodação dos mais novos.
Rapidamente se concluiu que a medida era insuficiente. Vieram então as avaliações, sempre contestadas pelos sindicatos. O objetivo era travar a progressão profissional dos professores para evitar que o topo da carreira ficasse com mais gente que a base. Como no exército brasileiro, impedir que houvesse mais generais que soldados.
Chegou finalmente a crise económica, com ignição em setembro de 2008. Sem mais soluções, o Estado decidiu congelar a carreira dos professores – e outras – para impedir as progressões e os custos que isso acarretava em relação aos cofres públicos.
Uma década depois, é neste ponto que nos encontramos. Os professores reclamam a recuperação desse tempo de carreira e têm alguma razão. Mas o Estado não tem dinheiro. E, se agora ceder, o problema vai regressar em pouco tempo. A baixa natalidade e a emigração reforçam a tendência: há professores a mais e alunos a menos. Portanto, a novela dos professores está para continuar, sem solução à vista.
