Gerard Hoss. "Em Portugal aproveita-se mais a vida"
por Paula SANTOS FERREIRA/ 11.05.2022
Gerard Hoss é um "embaixador" do Luxemburgo na Ericeira, onde criou um espaço do Grão-Ducado nesta vila costeira com o seu restaurante e bar. O luxemburguês e a filha Catarina revelam porque trocaram o seu país-natal pela terra lusitana. E porque não pensam em regressar.
Dois países, dois corações
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O leão vermelho em pose de ataque sobressai sobre as riscas azuis e brancas na bandeira marítima do Luxemburgo, no pequeno largo, a dois passos da praia na Ericeira. “Roude Léiw Club” (Leão Vermelho) é o nome do bar de Gerard Hoss, o luxemburguês que há 17 anos deixou uma boa posição no seu país natal e se mudou para esta vila costeira portuguesa. E, para que não restem dúvidas de que ali se criou um espaço luso-luxemburguês, mesmo ao lado do bar apresenta-se o seu restaurante “Luxemburg”.
“Portugal e Luxemburgo são uma grande família desde os tempos da monarquia, os nossos laços são fortes e a grande comunidade portuguesa no Grão-Ducado muito contribuiu para isso”, afirma Gerard Hoss, 67 anos, num português perfeito, apenas avivado por um 'accent' de um falante luxemburguês.
Gerard Hoss é um dos 472 luxemburgueses que residem em Portugal, segundo os dados mais atuais do Serviço dos Estrangeiros e Fronteiras, datados de 31 dezembro de 2021. Uma comunidade que está a crescer, pois nos últimos cinco anos mais que duplicou, em 2016, residiam apenas 200 em Portugal.
No interior do restaurante e do bar os símbolos dos dois países misturam-se entre bandeiras, sempre a marítima do Luxemburgo - “porque esta é que devia ser a bandeira nacional” para Gerard Hoss - pinturas portuguesas e fotografias do Grão-Ducado. No restaurante há ainda um quadro com as fotografias do Grão-Duque Jean e do herdeiro Henri. Gerard Hoss leva longe esta união familiar nas histórias que conta e até no patrocínio do clube de futebol da terra, o Ericerense. Até há pandemia, o equipamento dos craques locais ostentava o brasão do Luxemburgo, com o nome do patrocinador Restaurante “Luxemburg”.
“Eu tenho dois corações, um que bate pelo Luxemburgo e outro que bate por Portugal." Gerard Hoss
“Eu tenho dois corações, um que bate pelo Luxemburgo e outro que bate por Portugal”, assume este luxemburguês sorrindo enquanto caminha pela praia, contando que a paixão pela Ericeira vem desde há 48 anos, quando uns amigos portugueses lhe mostraram pela primeira vez a vila. Desde aí era raro o verão que não passasse férias na sua Ericeira, com a mulher portuguesa, “alfacinha”, e os dois filhos.
Luxemburgo à beira-mar
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A atração pelo clima e “descontração da vida portuguesa” foi-se impondo cada vez mais forte “à disciplina séria dos luxemburgueses”. Com a doença da sogra em Portugal e o cansaço na carreira, um lugar de chefia numa empresa internacional, já “estagnado” chegou a decisão. “Disse à minha mulher vamos viver para a Ericeira e viemos”, lembra o luxemburguês.
Nunca se arrependeu da mudança. Pelo contrário. “Olhe só para este mar e este sol. Em janeiro e fevereiro foram meses já de calor e de bom tempo. Quem troca isto pelo clima do Luxemburgo?”, questiona com boa disposição. Ao seu lado, Catarina Hoss, a filha que há quatro anos seguiu o exemplo dos pais e também se mudou com a família para a vila portuguesa, concorda.
“É maravilhoso poder viver junto ao mar, vir com as minhas filhas à praia depois da escola e toda esta liberdade que aqui sentimos”, diz Catarina, nascida em Portugal e, que aos seis meses de vida foi viver para o Luxemburgo.
“Desde sempre tive o sonho de viver em Portugal”, admite a luso-luxemburguesa de 40 anos, casada com um português emigrado no Grão-Ducado, e mãe de duas meninas, Sofia de cinco anos e Alicia de 10 anos.
“É maravilhoso poder viver junto ao mar, vir com as minhas filhas à praia depois da escola e toda esta liberdade que aqui sentimos”. Catarina Hoss
O impulso para a mudança chegou devido a uma desilusão profissional na vida da antiga funcionária do departamento jurídico num instituto público, no Luxemburgo, a que se aliou o facto da filha mais velha poder começar a escola primária já em Portugal. E aqui está, “feliz” como define a caminhar pela praia descalça, numa manhã de sol em maio.
Luxemburgueses compram casas em Portugal
“Sempre fui muito ligada aos meus pais e sentia muitas saudades deles, agora estamos juntos de novo”, frisa Catarina Hoss, consultora imobiliária de sucesso que domina “seis línguas e meia” e tem clientes luxemburgueses e portugueses emigrados no Grão-Ducado, na sua carteira.
“Os luxemburgueses estão a comprar casas, sobretudo Lisboa, Cascais e Ericeira, ou Santa Cruz, mas são casas de férias, não se querem mudar para cá. Alguns depois da reforma acabam por dividir o ano entre períodos em Portugal e no Luxemburgo”.
“Se adivinhasse a vida que temos agora aqui nesta vila, tinha vindo mais cedo para Portugal. Não estou nada arrependida e não penso em regressar ao Luxemburgo”, salienta Catarina Hoss que adora o “mix de nacionalidades” que a Ericeira tem entre os seus habitantes.
“Como há famílias com crianças, a escola adaptou-se a esta nova realidade e oferece cursos de português aos alunos estrangeiros, o que é muito bom”, explica a luso-luxemburguesa justificando esta abertura aos novos residentes como um dos atrativos da vila.
Um elo de ligação
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“Em Portugal, aproveita-se mais a vida”, e esta é uma das grandes atrações do país para Gerard Hoss, contando a rir que na Ericeira passou a ser o “Geraldo”, o “luxemburguês”. Afinal, foi o primeiro nativo do Grão-Ducado a viver naquela terra piscatória agora voltada para o turismo. Agora, além da família da filha, casada com um português, há já outro reformado luxemburguês a residir na Ericeira.
"Em Portugal aproveita-se mais a vida." Gerard Hoss
Quando abriu o restaurante “Luxemburg” tentou trazer as especialidades típicas da sua terra natal, o porco “jud mat gaardebouen” e as famosas salchichas “mettwurst” e “grillwurscht”. Não teve sucesso, por isso, o novo empresário decidiu procurar outra iguaria que fizesse crescer água na boca. Foi numa viagem ao Luxemburgo que o filho lhe deu a conhecer uma nova tendência gastronómica turca: o Kebab.
Ali estava o chamariz para o seu restaurante na Ericeira. “Estive três dias numa escola turca especializada em Kebab, na Alemanha, para aprender a confecionar a especialidade e trouxe-o para cá, mas faço-o à minha maneira, não é o original”, realça Gerard Hoss que durante anos esteve à frente da cozinha a preparar a famosa espetada de carnes, marinada num molho que criou e que se tornou um êxito. Ainda hoje é a especialidade da casa.
Depressa, Gerald se transformou num embaixador também do Luxemburgo em Portugal. Graças a ele, foram já vários os clientes que descobriram o Grão-Ducado. Mas também é um elo de ligação da família luso-luxemburguesa, adorando receber na sua casa amigos conterrâneos que vem passar férias à Ericeira e também portugueses emigrados no seu país natal. Uma casa aberta à amizade, como confirma sorrindo feliz.
No seu restaurante e bar também já recebeu o embaixador e outras personalidades distintas do Grão-Ducado, além de luxemburgueses veraneantes na Ericeira, o que o enche de satisfação.
O que falta em Portugal
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Com a mesma paixão que fala sobre o seu Portugal, Gerard Hoss critica fortemente as “falhas” deste país, nomeando a “corrupção inaceitável de banqueiros e políticos com a justiça lenta”, o “tratamento desigual entre pobres e ricos” e, a falta de visão futura sobretudo na Ericeira.
“Esta vila tem riquezas enormes, uma forte identidade e muito potencial. Tem características únicas e poderia ser um Monte Carlo [estância luxuosa do Mónaco] português. A identidade está a desaparecer, com o fecho por exemplo, das tascas e restaurantes tradicionais porque os donos não conseguiram vencer a crise da pandemia, e não se investe em infraestruturas de qualidade para o turismo e até para os habitantes. A prometida marina nunca foi construída, não há um casino e a vila está a transformar-se num dormitório”, alerta este luxemburguês sublinhando que “não se está a apostar no desenvolvimento sob o risco de a Ericeira deixar de ser atrativa no futuro”.
“O que será então dos nossos filhos e netos? Não estamos a construir nada para lhes deixar”, declara Gerard Hoss desiludido. O conhecimento e eloquência com que defende a sua vila portuguesa já lhe valeram convites para se candidatar a cargos na junta de freguesia, que recusou e é comentador na rádio Mafra.
“A disciplina dos luxemburgueses seria positiva em Portugal, onde predomina o “desenrasca””, repara Gerard Hoss reconhecendo que a sua disciplina o ajudou a singrar em Portugal.
“Os preços (da habitação) estão quase iguais em Portugal e no Luxemburgo." Catarina Hoss
A filha Catarina é da mesma opinião, e por seu turno, critica o aumento do custo de vida português, especialmente o preço da habitação, que feitas as contas “está ao mesmo nível do Luxemburgo”. “Os preços estão quase iguais em Portugal e no Luxemburgo, sendo que aqui o salário mínimo é muito inferior o que pesa mais no dia a dia dos portugueses. Uma família com salário mínimo não consegue adquirir a sua habitação ou pagar rendas elevadas de Lisboa”, indica a consultora imobiliária que conhece bem o mercado.
Pai e filha apontam ainda o dedo à falta de apoios na saúde para a população e o desorganizado atendimento nesta área. “Por isso, muitos emigrantes portugueses no Luxemburgo não se mudam definitivamente para cá, preferem passar apenas temporadas, pois sistema de apoio luxemburguês na saúde é muito bom”, realça Catarina Hoss. Problemas à parte, Catarina e Gerard Hoss sentem-se “muito felizes” na Ericeira e não pensam em regressar ao Luxemburgo.
Esta quinta-feira, 12 de maio, não perca a segunda reportagem dos "Luxemburgueses felizes em Portugal".
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