Passaporte de vacinação. Uma solução polémica para regressar à vida normal
Passaporte de vacinação. Uma solução polémica para regressar à vida normal
Primeiro, as esperanças do regresso à normalidade e liberdades tão restringidas pela pandemia estiveram voltadas para a vacina anti-covid. Agora que o mundo está a ser vacinado o retorno, à vida antiga pode depender do comprovativo da vacinação, o chamado passaporte de vacinação anti-covid.
Vários países europeus defendem a implementação o mais rápido possível desta medida na União Europeia, por um lado para promover a vacinação e, por outro, como forma de voltar a abrir as sociedades, de reintroduzir a liberdade de circulação e de relançar as economias e o turismo. Mesmo sem o consenso europeu, a Suécia e Dinamarca vão avançar com a introdução deste passaporte nos seus países.
Calma e prudência, pedem por seu lado, o Luxemburgo, Alemanha e França, outros políticos e especialistas, para quem este comprovativo só deverá ser adotado quando o processo de vacinação terminar. Enquanto as campanhas de vacinação estão a decorrer, e houver pessoas por vacinar, a adoção de tal medida irá gerar sociedades a dois níveis, com liberdades para os vacinados e restrições a quem ainda não foi imunizado, defendem muitos. Nomeadamente, a desigualdades de acesso à livre circulação, como alerta o ministro dos Negócios Estrangeiros Jean Asselborn ao Contacto. É neste dilema político e ético que Bruxelas se encontra atualmente.
“O passaporte de vacinação é um assunto complexo e que exige prudência. E neste momento, quando ainda há pessoas à espera de serem vacinadas parece-me prematuro adotar tal medida”, declarou ao Contacto a eurodeputada luso-luxemburguesa Isabel Wiseler-Lima, do CSV.
“Em muitos países, como Portugal, o número de infeções ainda está muito alto, os sistemas de saúde estão sob pressão, apela-se à solidariedade de todos para combater o vírus, e não faz sentido instaurar um passaporte de vacinação que beneficie apenas os que já estão vacinados, mantendo as restrições para os restantes”, vinca a eurodeputada. Além destas questões éticas há ainda questões científicas: “Ainda não se sabe quanto tempo as pessoas vacinadas ficam imunes à doença, se podem ser reinfectadas com outras variantes, estamos numa fase onde ainda há muito desconhecimento”, defende Isabel Wiseler-Lima. “Ainda há muitos dados por conhecer, é necessária prudência para que não se criem problemas adicionais aos que já existem e são graves, como as dificuldades sociais e económicas que a pandemia está a causar”. Este passaporte tem de esperar.
Ângela Merkel declarou que a Alemanha não vai suavizar as restrições mesmo a quem já esteja vacinado por ser ainda prematuro.
Por seu lado, o governo francês tem a decorrer uma consulta pública à população sobre adoção deste passaporte de vacinação como única via de acesso aos restaurantes, bares, cinemas ou museus. Apesar da iniciativa, o executivo de Macron já declarou que o tema ainda não tem discussão marcada porque, apenas 3% a 4% da população francesa está vacinada. A ministra da Cultura Roselyne Bachelot anunciou mesmo ser “contra o passaporte da vacina”, classificando-o como “um atentado às nossas liberdades”.
Acesso só para vacinados
Além dos benefícios nas viagens internacionais, isentando de quarentena quem apresentar o passaporte, há países que já estão a alargar a sua utilização à vida quotidiana. Como já sucede em Israel, e com a Dinamarca e Suécia a anunciarem o mesmo exemplo para breve.
Israel é o primeiro país do mundo a dar privilégios a quem já está vacinado, numa sociedade ainda com restrições para combater a covid-19. Este país em que metade da população já recebeu, pelo menos, uma dose da vacina, está a emitir, desde domingo, o “passaporte verde”, um documento imune a fraudes e que declara que o seu portador já levou as duas doses da vacina (neste caso da Pfizer), a última há pelo menos, uma semana, ou está recuperado da infeção.
A introdução deste certificado coincide com o terceiro desconfinamento israelita, onde as atividades desportivas e culturais, como ginásios, piscinas, cinemas ou museus, reabriram, mas exclusivamente para quem possua o “passaporte verde”. A 1 de março, reabrem os restaurantes, cafés e bares também só para vacinados. “A vacinação é um dever moral. Aqueles que se recusarem ficam para trás”, avisou o ministro da Saúde de Israel à população.“Vacinado? Use o ‘passaporte verde’ e retome a sua vida”, escreveu o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu na sua conta do Twitter.
Perigo de tensões sociais
A nível social que implicações terá a adoção do passaporte vacinação em países ainda em processo de vacinação? É muito arriscado adotar esta medida, atualmente, sob o perigo de gerar “fortes frustrações, tensões e a erosão do relativo consenso na luta contra o vírus, em as gerações mais jovens demonstram uma forte solidariedade para com os idosos”, alerta ao Contacto Louis Chauvel, sociólogo e professor da Universidade do Luxemburgo (UNI).
Em Israel esta medida poderá funcionar bem, dado que em breve, toda a população que deseja receber a vacina estará imunizada, diz o sociólogo. Já nos países da União Europeia (UE) “onde a imunização está a progredir a um ritmo mais lento, não se espera consenso”, sobre este passaporte para breve.
Os riscos de tal adoção prematura seriam grandes. Louis Chauvel lembra que só uma pequena parte da população já recebeu as duas doses da vacina, sobretudo idosos. “As gerações mais jovens e as famílias que estão a atingir um ponto de saturação com o vírus (teletrabalho, crianças em casa com ensino à distância, restrições no lazer, desporto e cultura, entre outros) poderiam vir a ser vítimas do passaporte de vacinação”, explica o sociólogo. O mesmo se passaria com as pessoas que já foram infetadas pela covid-19 e ganharam alguma imunidade, não estando para já incluídos nos planos de vacinação. Logo não poderiam obter o passaporte, e sentir-se-iam “muito frustradas”.
“Se a regra do jogo se tornar ‘sem passaporte igual a ficar em casa’ e, ao mesmo tempo, ‘com menos de 55 anos igual a sem vacina’, vamos avançar para tensões sociais muito fortes, especialmente entre gerações”, declara Louis Chauvel.
Os idosos com direito a passaporte vão olhar para as famílias e os jovens com desconfiança, e estes, por seu turno, sentirão “inveja” dos mais velhos, porque podem finalmente viver como antes, enquanto eles “que se sacrificaram (confinamento, vida social, dificuldades económicas e profissionais, mais uma dívida pública imensa que os jovens terão de suportar...) não têm esse direito”. “Um tal cenário será explosivo para a coesão social e geracional”, garante Louis Chauvel. Este coordenador do Instituto de Investigação em desigualdades socioeconómicas da Universidade do Luxemburgo prevê que até ao final deste ano o “caos” atual irá continuar devido ao longo do processo de vacinação. Por isso, o “passaporte não terá chances” de avançar na UE.
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