'Lobbyleaks', o site criado para combater a corrupção na UE
'Lobbyleaks', o site criado para combater a corrupção na UE
Chama-se lobbyleaks.eu e é um site para denunciar, na segurança do anonimato, manobras de interferência de grandes grupos (lóbis) junto de políticos europeus e, nomeadamente, de eurodeputados.
Na sequência do escândalo que ficou conhecido como 'Qatargate', o Parlamento Europeu viu-se no centro de uma enorme desconfiança sobre as ligações perigosas e não declaradas entre os parlamentares eleitos pelos cidadãos da UE e grupos ou Estados que querem ver maliciosamente, e às escondidas, os seus interesses defendidos.
A presidente do PE, a maltesa Roberta Metsola, prometeu mudar as regras sobre a transparência e investigar a fundo todas as alegações, mas apresentou uma proposta que não satisfez quem quer abrir a instituição a um escrutínio público mais profundo.
Agora, um grupo de eurodeputados, liderado pelo eurodeputado holandês Paul Tang, pretende criar esta “linha aberta” para denunciar as tentativas cada vez mais invasivas e até sorrateiras de influenciar o processo legislativo. Para Tang, são as grandes empresas tecnológicas, normalmente conhecidas como “big tech” as que mais pisam o risco.
Ao jornal inglês Guardian, Tang explicou que a linha de ‘whistleblowing’ seria um primeiro sistema de alarme. E explicou que sobretudo durante a discussão final dos grande pacotes legislativos da lei dos Mercados Digitais e da Lei dos Serviços Digitais – que mexem com interesses instalados das indústrias tecnológicas – os eurodeputados foram atacados com as práticas de ‘astroturfing’.
‘Astroturfing’ é uma nova palavra emergente na era da desinformação e significa campanhas de marketing ou de relações públicas onde os verdadeiros agentes são escondidos e têm mesmo interesses opostos aos que dizem representar.
Astroturfing. O lobo da Big Tech em pele de cordeiro de PME
No caso em concreto, os eurodeputados depararam-se com organizações que se faziam passar pela voz dos mais pequenos, ou pequenas e médias empresas (PME’s), quando na verdade estavam a defender os interesses da “Big Tech”. Esta prática de astroturfing (que deriva do nome de uma marca de relva sintética) está a ser usada em campanhas supostamente ecologistas, por exemplo. E é cada vez mais uma nova tática para influenciar também a opinião pública.
No caso que Tang relatou à correspondente do Guardian em Bruxelas, durante as negociações das referidas leis, este eurodeputado disse que esperarava pressão intensa das grandes empresas digitais, mas não contava com “o lóbing inovador” com que se deparou. E só percebeu da extensão com que ele e outros eurodeputados foram bombardeados com “anúncios personalizados” nas suas redes sociais depois de as leis terem passado. “Depois de as leis serem aprovadas concluímos que fomos expostos a um lóbi desonesto”, disse.
Depois de passar por esta experiência – ainda antes do escândalo de corrupção 'Qatargate', que foi feito com o mais tradicional pagamento de dinheiro a nomes do PE - , Tang e outros colegas apresentaram queixa no registo de transparência da UE, acusando nove associações de se fazerem passar por PME’s, quando na verdade estavam a ser pagos pela grande indústria.
O registo de transparência da UE é uma base de dados gerida pelo Conselho, pela Comissão e pelo Parlamento Europeu e obriga a que todas as empresas que queiram exercer lóbing junto das instituições (uma prática legal e regulamentada) tenham de estar neste registo. Neste momento há 12.500 nomes na base de dados.
O site agora criado, lobbyleaks.eu, vai permitir que quem tenha conhecimento de práticas ilegais as possa denunciar anonimamente. As ‘dicas’ serão investigadas pela organização não governamental alemã LobbyControl e o conhecido Corporate Europe Observatory, que se dedica a monitorizar a atuação dos poderosos lóbis nas instituições europeias.
As cinco grandes gastam 27 milhões por ano em campanhas de influência
Segundo o artigo da inglesa Jennifer Rankin, o Corporate Europe Observatory documentou que 612 empresas e associações de tecnologia gastaram 97 milhões de euros em 2021 em lóbing junto das instituições da UE, fazendo deste setor a maior força de influência em Bruxelas, à frente da indústria química, da farmacêutica e dos combustíveis fósseis.
Bram Vranken, do Corporate Europe Observatory, salientou que as ‘big five’ – os cinco grandes da Google, Apple, Meta, Amazon e Microsoft – gastaram quase 27 milhões por ano em campanhas de influência, segundo dados extraídos do registo de transparência da UE. Na altura em que a Comissão Europeia apresentou o projeto de criar nova regulação para a internet na Europa, a vice-presidente Margrethe Vestager salientou que a UE iria enfrentar a ira das tecnológicas transatlânticas. E isso aconteceu, de várias formas, direta e indiretamente.
“As empresas de tecnologias estão a financiar um ecossistema completo de organizações sob a forma de ‘thinktanks’ ou associações. E têm imenso potencial para impor a agenda e enfraquecer a legislação”, disse Tang, explicando que “o lobbyleaks.eu irá ajudar a expor estas manobras opacas e enganadoras que se tornaram vitais para as táticas de lóbing da big tech”.
A UE ainda tem pela frente a aprovação de pacotes legislativos na área digital que poderão enfrentar a oposição dos lóbis, incluindo a lei sobre pornografia infantil online.
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