Itália. O referendo que pode fazer tremer o euro
Itália. O referendo que pode fazer tremer o euro
Itália vai a votos no próximo domingo, após o primeiro-ministro Matteo Renzi ter convocado um referendo para tentar aprovar uma revisão constitucional. No entanto, a votação tem implicações mais profundas e representa mais uma prova de fogo para a sobrevivência da zona euro, já fragilizada politicamente depois do Brexit e da eleição de Trump. Alguns analistas têm advertido que se o desfecho não for o esperado por Renzi, pode mesmo acabar com Itália a sair da zona euro e com o colapso do sistema financeiro italiano.
Mas Itália vai referendar a sua permanência no euro? Não. O que estará inscrito nos boletins de voto é uma reforma da Constituição italiana que altera todo o seu sistema político (ver perguntas e respostas). O objetivo é facilitar o processo legislativo e a aplicação de novas leis. No entanto, o primeiro-ministro Matteo Renzi colocou a fasquia mais alta: quando lançou o referendo, afirmou que se não ganhar o ’Sim’ às alterações, abandona o cargo. Isto fez com que muitos considerem agora que o referendo é muito mais sobre o próximo primeiro-ministro de Itália e sobre o futuro do euro do que sobre o sistema político da quarta maior economia da zona euro. É que uma vitória do ’Não’ pode levar à demissão de Renzi e à ascensão ao poder de partidos anti-euro. Um deles é o Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo; o Forza Italia, de Silvio Berlusconi; e o Lega Nord. O alerta foi dado pelo colunista do Financial Times (FT) Wolfgang Munchäu, num artigo com o título “O referendo em Itália tem a chave para o futuro do euro”.
Outra das consequências é o colapso da banca italiana. O FT avançou mesmo que há oito bancos que podem falir, caso vença o ’Não’. A banca italiana está a braços com o problema do crédito malparado e a queda do Governo poderá atrasar os planos de recapitalização. Um Governo de transição e um impasse na nomeação de um novo ministro das Finanças só iria causar mais nervosismo nos mercados.
Em causa está então a sobrevivência, segundo o FT, da instituição financeira mais antiga do mundo, o Monte dei Paschi di Siena, bancos de média dimensão como o Popolare di Vicenza, Veneto Banca, e Carige; e quatro bancos de menor dimensão que foram salvos no ano passado: Banca Etruria, CariChieti, Banca delle Marche e CariFerrara. A volatilidade já se nota e as ações do Monte dei Paschi chegaram a cair 12%.
A falência daqueles bancos poderia, no pior dos cenários, colocar em causa o aumento de capital previsto para o início de 2017 do Unicredit, o maior banco italiano, que tem importância a nível internacional.
Renzi tem em planos para recapitalizar aqueles bancos, que podem levar a perdas para os pequenos investidores. Este é aliás um dos motivos pelos quais o plano tem sido tão polémico, uma vez que há milhões de pequenos acionistas com um elevado nível de exposição àqueles bancos.
Descodificador
O que está em causa no referendo?
O que está em cima da mesa no referendo do próximo domingo em Itália?
Trata-se de uma reforma constitucional (também chamada de lei Boschi, numa alusão ao nome da autora da proposta, Maria Elena Boschi) que pretende mudar o próprio sistema político e legislativo italiano. Atualmente, o sistema baseia-se em duas câmaras: de deputados e o Senado. A questão é que estes dois órgãos têm o mesmo peso, o que dificulta a atividade legislativa. Podem passar-se anos até que uma lei seja finalmente aprovada, passando da câmara dos deputados para o senado e vice-versa. Este sistema ajuda a explicar a ingovernabilidade de Itália, que em 70 anos teve 63 governos.
Por que motivo se optou por este sistema?
O sistema foi implementado depois da II Guerra Mundial para impedir a ascensão de ditadores.
O que se pretende então?
Na prática, trata-se de simplificar o processo legislativo. O primeiro-ministro Matteo Renzi quer reduzir o peso do Senado: a proposta passa por diminuir o número de senadores, de 315 para apenas 100. Seria apenas a Câmara de Deputados a manter o poder de aprovação de leis. Paralelamente, Renzi quer acabar com as chamadas províncias. O objetivo é desburocratizar o funcionamento do país.
Por quê levar o tema a referendo?
Renzi submeteu a lei às duas câmaras, mas não conseguiu a maioria de dois terços necessária para mudar a Constituição. O governante decidiu então levar a matéria a referendo.
O que pode acontecer se o ’Não’ vencer?
O primeiro-ministro prometeu demitir-se caso o ’Não’ vença. Os analistas consideram que Itália mergulharia no caos político e que os partidos anti-euro (ver texto) poderiam ganhar terreno. Isto significa que Itália pode vir a abandonar a região da moeda única.
Paula Cravina de Sousa
