Evitar "autoestrada para o inferno climático". Se governos não fazem, fazemos nós
Evitar "autoestrada para o inferno climático". Se governos não fazem, fazemos nós
Perante as hipóteses cada vez mais escassas de o mundo evitar uma catástrofe climática - pelo ritmo deprimente a que os governos cumprem as promessas, mesmo quando os relatórios científicos são aterrorizadores - o antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg (e dono da empresa financeira e de media com o seu apelido), e a antiga diplomata e CEO da European Climate Foundation, Laurence Tubiana, fazem um apelo a que sejam os atores não estatais que agarrem as rédeas da luta.
Num artigo de opinião conjunto publicado esta terça-feira enquanto decorre o terceiro dia dos trabalhos da Conferência do Clima COP27, defendem que “se queremos evitar os piores impactos das alterações climáticas, tudo aponta para a necessidade de uma ação imediata e radicalmente mais rápida. Mas para fazer isto, temos que dar a liderança aos grupos mais bem posicionados para apontar o caminho: cidades, negócios e outras organizações locais – ou atores regionais.”
“Tal abordagem de baixo para cima de toda a sociedade poderia acelerar o progresso global na luta contra as alterações climáticas nos EUA, na Europa e mais além – mesmo se a COP deste ano não resultar em novos compromissos nacionais drásticos”, escrevem os autores no artigo publicado no jornal Politico.
Nesta segunda-feira, na abertura da sessão onde intervieram os líderes políticos, António Guterres, secretário-geral da ONU, cunhou a expressão que ficará a ecoar de que “o mundo está numa autoestrada para o inferno climático e tem o pé no acelerador”.
Uma proteção contra Trump e as eleições norte-americanas
A ideia não é nova e já deu resultados nas condições mais adversas. No texto recorda-se que em 2017, quando Donald Trump decidiu sair do Acordo de Paris (deixando os EUA que tinham liderado a ambição das negociações na anterior administração Obama), uma larga coligação de cidades americanas, estados e empresas juntaram-se “para dizer: Ainda estamos aqui”[dentro do compromisso do Acordo de Paris de reduzir as emissões em pelo menos 45% até 2030]. A coligação recebeu o nome de "America is All In" e reúne uma lista infindável de municípios, universidades e marcas – nem todos certamente com o mesmo grau de adesão à causa.
Graças a essa iniciativa, defendem Bloomberg e Tubiana, “as emissões na América cairam mais de 17 por cento em relação aos níveis de 2005, o que manteve ainda alcançáveis os compromissos do país em relação ao Acordo de Paris”. Além disso, salientam, “um elemento crucial deste progresso foi o trabalho dos movimentos de ativistas para fechar mais de dois terços – 363 dos 530 – das centrais a carvão do país”.
Nesta terça-feira em que também decorrem as eleições intercalares para o Congresso e Senado norte-americano - e em que se prevê que o Partido Republicano possa inverter o equilíbrio no Congresso que permite a Joe Biden fazer passar leis –, esta posição do democrata Bloomberg (com um conhecido asco a Trump), também indica que mesmo que o “trumpismo” renasça, haverá uma sociedade civil a lutar por objetivos climáticos, apesar de quem está no poder.
Além destes “atores secundários” norte-americanos, dizem os articulistas, “são as maiores cidades mundiais que estão a reduzir as emissões per capita a um ritmo mais acelerado que os governos nacionais. De facto, 83 por cento das cidades que aderiram ao Pacto Global de Autarcas para o Clima e Energia estão a atingir metas mais ambiciosas do que aquelas que os seus governos estabeleceram”. Esta entidade, recebeu, aliás, este ano, o Prémio Gulbenkian para a Humanidade, que se destina a distinguir pessoas ou instituições que fazem avançar a luta contra o aquecimento global (Greta Thunberg foi a contemplada na primeira edição do prémio).
Atores secundários: meta de 50% nos EUA em 2030 só a eles se deve
Outro exemplo, dado pelos autores, é a legislação recente aprovada pelo Congresso (a lei de redução da inflação) que disponibiliza a autarquias e empresas fundos para a transição para as energias limpas, carros elétricos, edifícios eficientes e apoios aos espaços verdes urbanos.
“Esta legislação poderá levar os Estados Unidos a reduzir as suas emissões de 17 para 40 por cento – mesmo assim aquém dos 50 por cento prometidos”. Um relatório da "América is All In", citado por Bloomberg e Tubiana, refere que os “atores não-estatais podem ajudar os EUA a atingir a marca de 50 por cento, e possivelmente para lá disso”.
A argumentação desenvolvida introduz alguma esperança em relação ao que se está a passar na estância egípcia de Sharm-el-Sheik onde muitos dizem ser o lugar onde a esperança foi morrer.
Este ano, os ativistas nem se deram ao trabalho de se deslocarem ao Egito, como foi o caso de Greta Thunberg, por não acreditarem que saia da agenda de negociações algo que tenha impacto no mundo real. Outros não foram porque o regime brutal do Cairo proibiu manifestações e prendeu preventivamente quem pudesse manifestar-se às portas das salas de conferências.
Na União Europeia, escrevem Bloomberg e Tubiana, apesar da guerra na Ucrânia e até por causa dela, “os cidadãos e as autoridades estão a ser mobilizados para o uso eficiente da energia e para um acelerar para as renováveis” e para reduzir as emissões em 55% até 2030.
A mesma abordagem “bottom-up”, dizem, está a ser eficaz em várias partes do mundo: na Ásia, na América Latina, em África. Por causa dessa pressão, “o governo da África do Sul, por exemplo, está neste momento a negociar com os EUA, a União Europeia e o Reino Unido para investirem mais a todos os níveis da sociedade com o objetivo de que uma das maiores economias do continente abandone o carvão – para sempre”.
Não podemos deixar governos impunes, nem esperar por eles
A conclusão de Michael Bloomberg e Laurence Tubiana é otimista, apesar do diagnóstico ao planeta ser quase um atestado de óbito, com o recente relatório anual do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) de que, com a tendência atual, o mundo não vai conseguir manter-se nem sequer num aquecimento de 2ºC – chegará aos 2.6º C no final do século. E as consequências serão devastadoras.
Com a abordagem da sociedade civil a liderar a mudança, em todo o mundo, dizem que assim será possível “alcançar mudanças drásticas nas emissões, garantindo que as soluções mais justas e mais ousadas emergem do seio das nossas comunidades. E quanto mais os líderes nacionais na COP deste ano reconhecem isto, tanto maior será o progresso na construção de um mundo mais saudável, próspero e equitativo”.
Um único senão. “Não há tempo a perder. A nossa janela para a ação está rapidamente a fechar-se. E não podemos deixar os nossos governos impunes – mas também não podemos esperar por eles”.
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