Como as “birras” de Orbán esvaziaram as sanções contra a Rússia
Como as “birras” de Orbán esvaziaram as sanções contra a Rússia
Afinal, era quase verdade o anúncio de que a UE finalmente tinha aprovado o sexto pacote de sanções, na madrugada de terça-feira, no final da discussão entre os responsáveis máximos da política europeia. Charles Michel manifestou o seu alívio, às primeiras horas do dia 31, depois de ter conseguido que Orbán cedesse, mas o primeiro-ministro húngaro tinha ainda mais um truque da sua estratégia, já classificada de “política de chantagem”.
O patriarca de Moscovo, Kiril, que abençoou a guerra na Ucrânia e é unha com carne com Putin, ficou de fora da lista de indivíduos próximos de Kremlin que fazem parte da lista negra da União Europeia. Isto porque quando os diplomatas em Bruxelas se preparavam, nesta quarta-feira, para lavrar as últimas assinaturas antes do diploma ser publicado, Orbán disse que a Hungria não aceitava as medidas punitivas contra o líder da Igreja Ortodoxa russa. Até onde Orbán pode esticar a corda é agora a questão.
O jornal Politico, numa análise que faz à repercussão das ações do primeiro ministro húngaro nos últimos anos – durante os quais tem bloqueado inúmeras decisões - salienta que já nem os polacos, outrora grandes amigos, têm paciência para o constante bullying.
A promessa de parar a máquina de guerra russa
A 4 de maio, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von Der Leyen, apresentou o sexto pacote de sanções no plenário do Parlamento Europeu, para efeitos de maior impacto. A UE propunha banir a importação de petróleo russo, como forma de rapidamente “parar a máquina de guerra de Putin” – o chavão que se usa sempre que se fala de embargo aos combustíveis fósseis comprados ao Kremlin.
A notícia foi recebida com aplauso pelos eurodeputados e pela comunidade internacional e vista como um meio poderoso de a UE enfrentar Putin. O embargo propunha acabar com todo petróleo russo até ao fim do ano, na UE, com exceção da Hungria e da Eslováquia – que teriam mais tempo para o fazer, dado a sua extrema dependência do pipeline Druzhba. Mesmo assim, uma medida que teria um impacto brutal e rápido nos bolsos de Putin. Em 2021, a UE pagou pelo petróleo russo 71 mil milhões de euros.
“Fake news”, diz Orbán
Mas nas várias reuniões de negociação em Bruxelas, e entre ministros dos 27 da energia, dos negócios estrangeiros, a mensagem de Budapeste é que a medida seria “uma bomba atómica” para a economia húngara. E a frustração dos outros países que queriam decisões rápidas crescia.
Nesta segunda-feira, dia 29, à entrada do Conselho Europeu - onde momentos antes fonte oficial do próprio Conselho tinha dito que havia acordo, com todos os 27 países - Orbán disse aos jornalistas que não concordava com nada, e que excluir a Hungria do embargo ao petróleo não chegava. Queria garantias escritas de que “se acontecesse alguma coisa ao pipeline que atravessa a Ucrânia, a UE seria obrigada a garantir a segurança energética húngara”.
À pergunta de um jornalista se o embargo ao petróleo não era determinante para parar a máquina de guerra russa, Orbán respondeu no seu estilo copiado de um amigo americano: “Fake news!”. Assim, o que ficou do sexto pacote de sanções é uma versão com menos alcance e que permite aos países irem largando a dependência do petróleo faseadamente.
E, embora, por exemplo, o primeiro-ministro português, António Costa, tenha dito que não se pode falar já no sétimo pacote de sanções, já há responsáveis europeus que defendem que a máquina de sanções não pare.
O embaixador lituano na UE, Arnoldas Pranckevičius, escreveu ontem no Twitter que após o sexto pacote não abranger todos os países de igual forma sugere a criação de um sétimo “Não vamos desistir. Sugiro nomear o sétimo pacote como “KGB: Kirill, Gás &Bancos"
O embargo ao petróleo fica a 90%, mas poderá só começar no fim do ano
Do completo embargo ao petróleo da proposta inicial, quase um mês depois, o texto que vai ser publicado clarifica que os países que têm uma especial dependência do petróleo entregue por pipeline podem continuar na mesma, “até o Conselho decidir de outra forma”.
Quanto ao crude (petróleo em bruto) transportado por navios, os contratos existentes serão permitidos durante seis meses, após o documento entrar em vigor (o que poderá acontecer dentro de dias). Enquanto os produtos refinados do petróleo serão permitidos por oito meses. O que significa que o embargo a 90% poderá só se refletir no orçamento do Kremlin mesmo nos últimos dias de 2022, dependendo de como os países vão decidir prolongar ou cortar já as importações de petróleo que chega aos portos da UE.
Além da Hungria, que continuará a receber todo o seu petróleo da Rússia (via pipeline) – também a Bulgária e a Croácia irão juntar-se às sanções mais tarde. A Bulgária beneficia de uma derrogação até 2024, e a Croácia até ao fim de 2023.
Ao fim destes seis meses, em que o embargo ao petróleo se fará “de uma maneira ordeira”, também os operadores de seguros europeus ficam proibidos de assegurar o transporte de petróleo feito em navios russos para países terceiros. A medida é justificada como de impacto mundial, porque, “isto tornará particularmente difícil para a Rússia continuar a exportar o seu petróleo para o resto do mundo”.
Indivíduos banidos, criminosos de guerra, mas não o patriarca
A lista de individualidades banidas, atualmente com mais de 800 nomes, vai ser acrescentada com os nomes dos autores de crimes de guerra em Bucha, bem como de responsáveis pelo cerco de Mariupol. Inclui ainda entidades e indivíduos envolvidos no setor militar, incluindo a indústria de armamento e software usados “na agressão da Rússia contra a Ucrânia”. A nova lista, que ainda não foi publicada, inclui “figuras políticas, de propaganda, e outros com laços próximos ao Kremlin”. Mas o patriarca de Moscovo, por pressão de Orbán, acabou por ser retirado desta lista.
Três estações russas deixam de ser vistas na UE
Consideradas agências de propaganda da mensagem de Putin, três estações televisivas russas vão deixar de emitir no espaço da UE. São elas a Rossiya RTR, a Rossiya 24 e o Centro Internacional TV. Segundo a Comissão Europeia, são os principais meios de desinformação pró-Kremlin dirigindo-se a audiências na Ucrânia e na UE.
Aqui, diz a Comissão, o embargo é total: serão banidos da distribuição por cabo, por satélite, ou por aplicações para smartphones. A publicidade a estes operadores será também proibida.
Mais bancos fora do SWIFT
Esta é uma das medidas que terá um efeito mais imediato - uma vez que as sanções ao petróleo serão diluídas no tempo. Três bancos russos, incluindo o maior, o Sberbank, e mais um banco bielorrusso serão removidos do sistema de trocas internacional SWIFT. Isto “irá solidificar o isolamento do sistema financeiro russo do sistema global”, entende a Comissão.
Além disso, a prestação de serviços como relações públicas, contabilidade, auditoria, consultoria, serviços financeiros e administrativos para o governo russo, bem como para pessoas legais ou entidades estabelecidas na Rússia feitos por cidadãos ou empresas da UE passam a ser proibidas.
Restrições à exportação: químicos para fazer armas
Desde o primeiro pacote, a União Europeia, em paralelo ao embargo às importações russas, ao congelamento de bens de oligarcas russos e medidas contra o sistema financeiro, decidiu proibir a exportação para a Rússia de vários tipos de bens.
No primeiro pacote, começou por serem banidos componentes tecnológicos que poderiam ser usados na indústria de armamento ou espacial e essa lista vai ser expandida, incluindo o setor eletrónico, de comunicações, estaleiros navais, engenharia e pesquisa científica.
Desde o primeiro momento, Ursula von der Leyen, disse que com este tipo de medidas se visava não só a capacidade de a Rússia produzir armamento, mas também de se tornar uma economia evoluída do século XXI, bloqueando o desenvolvimento de Inteligência Artificial e do setor aeroespacial.
O sexto pacote inclui agora, também, substâncias que possam ser usadas para fazer armas químicas.
O Reino Unido e a Coreia do Sul vão adotar restrições às exportações semelhantes às europeias.
A Bielorrússia – cujo regime de Lukashenko tornou o país um satélite do Kremlin – vai também ser visada no pacote de embargo às exportações. A lista inclui a proibição de vender para a Bielorrússia bens tecnológicos que possam servir para o desenvolvimento dos seus setores militar, de defesa e de segurança.
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