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A primeira portuguesa no parlamento alemão
Mundo 8 16 min. 12.02.2022 Do nosso arquivo online
Emigração

A primeira portuguesa no parlamento alemão

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A primeira portuguesa no parlamento alemão

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A primeira portuguesa no parlamento alemão

Tiago Carrasco
Tiago Carrasco
Catarina dos Santos, advogada de 27 anos, é a primeira deputada de origem portuguesa a entrar no Parlamento alemão. Também é a mais jovem da bancada parlamentar da CDU, o partido social-democrata cristão. Catarina iniciou-se na política a bordo de um comboio e que representar a comunidade portuguesa no Bundestag.

Há líderes que nasceram no seio de uma família de políticos e que desde sempre conviveram com campanhas eleitorais, discursos e coligações. Outros há que foram catapultados para a política através do seu papel relevante em lutas sociais ou em movimentos cívicos. Existem ainda os que desde adolescentes enveredaram pelo estudo da ciência política e nunca se viram a fazer outra coisa que não trabalhar na gestão pública. 

A entrada na política de Catarina dos Santos Firnhaber, 27 anos, não se deu por nenhuma destas portas; começou, sim, na porta do comboio que a transportava de casa, em Eschweiler (Aachen), para a universidade em Colónia. "Em 2014, tive a sorte de conhecer no comboio o então presidente da Junge Union (Juventude da CDU, o partido social-democrata conservador da Alemanha) em Eschweiler. Ele achou que eu tinha potencial e convidou-me para participar. Gostei do trabalho e do ambiente desde a primeira reunião e nunca mais saí", diz Catarina ao Contacto, num português exímio. "Claro que já tinha algum interesse pela política. Sempre gostei muito de debater, argumentar e, mais tarde, saber qual a raíz dos problemas jurídicos, o que me fez escolher o curso de Direito".

Catarina ainda não sabia, mas a última paragem desse comboio seria o Bundestag (Parlamento alemão), para o qual foi eleita como deputada pela CDU nas últimas eleições federais, realizadas no final de Setembro de 2021. Em Berlim, a discreta jurista, nascida em Lisboa a 8 de Julho de 1994, está a receber uma inesperada atenção meditática – dos órgãos de comunicação lusitanos, por se ter tornado na primeira deputada de origem portuguesa a entrar no hemiciclo germânico, e dos alemães, por ser a mais jovem no grupo parlamentar dos sociais-democratas, o mais envelhecido de todo o espectro político. "A grande vantagem da minha juventude é que as medidas que vou legislar vão afectar toda a minha vida, bem como a de todas as mulheres e homens da minha geração. O que faço vai ter um impacto directo no meu futuro e no dos jovens como eu", diz.

Está em dois comités: o da digitalização (área em que diz que Portugal está mais avançado do que a Alemanha) e o de assuntos europeus, temas desde sempre presentes na sua agenda política. Divide o seu tempo entre a capital alemã e a Renânia do Norte – Vestfália, a sua região de origem, onde continua a trabalhar junto do seu eleitorado. Mantém com licença sem vencimento o emprego como advogada especializada em fiscalidade numa sociedade de média dimensão em Meerbusch, perto de Dusseldorf. 

Passa uma semana em cada cidade, separadas por 600 km: "Em Berlim, o ritmo é frenético. As primeiras reuniões são às 8h da manhã e as últimas entre as 21h e as 22h. Não há tempo a perder", diz. "Nas semanas em que estou na minha terra, as coisas são ligeiramente mais calmas. Já dá tempo para beber um café de vez em quando", diz a social-democrata, que ainda há meia dúzia de anos servia à mesa num bar em Colónia, de modo a financiar a sua carreira académica.

Infância entre duas culturas

O gosto por café – sempre sem leite, de preferência expresso e com um bocadinho de açúcar – é um dos legados da sua ascendência portuguesa. Mas há mais, especialmente na gastronomia: adora amêijoas, bitoques e bifanas caseiras, além de ser provavelmente a única deputada alemã que come caracóis. "Gosto especialmente daqueles à moda da minha avó", diz.

Apenas um mês após o seu nascimento na capital portuguesa, Catarina mudou-se com os pais – ele alemão, da área comercial, ela portuguesa, empregada na área logística – para Eschweiler, uma cidade com 57 mil habitantes nas margens do rio Inde, a 15km de Aachen, na região fronteiriça entre a Alemanha, a Bélgica e a Holanda. É o coração da Europa: uma área predominantemente rural, com vários castelos medievais e conhecida pelo seu animado Carnaval. 

Ali, Catarina e a sua irmã mais nova cresceram envoltas pelas duas culturas, falando português com a mãe e alemão com o pai. "Quando era criança, havia uma pequena associação portuguesa que nós costumávamos frequentar. Serviam refeições típicas e organizavam noites de fado", recorda a deputada. Um dos maiores empregadores da comunidade era a RWE, uma fábrica de energia nuclear. "Nas férias, íamos sempre para Portugal. Apesar de ter nascido em Lisboa, a minha família está no Algarve, perto de Portimão, que é uma excelente zona para ter família. Tem a praia e eu adorava passar férias com os meus avós e com os meus primos". 

Uma das coisas que gosta de fazer no verão é ler na praia e ouvir o rebentar das ondas. Não é de estranhar, portanto, que Catarina tenha assimilado características-padrão de ambas as culturas. "Acho que o pormenor que mais a liga a Portugal é o seu sorriso, espontâneo e honesto, que na verdade foi um grande trunfo na campanha eleitoral. Os eleitores destacavam sempre o sorriso da Catarina nos placardes e nas fotos", diz Yannik Heidbüchel, 25 anos, amigo próximo de Catarina e seu consultor pessoal no Parlamento. "Acho que os portugueses têm esse sorriso pronto e positivo e a Catarina não é excepção. Não é falsa, não é cínica, mas sim genuína. Mas digamos que ela também é 'muito alemã' noutros aspectos". Yannik refere-se à pontualidade e dedicação ao trabalho que definem a advogada. "Levanto-me às 6h da manhã e vou para a cama entre as 22h30m e as 23h. Sou muito pontual. E também muito atenta aos pormenores no trabalho", descreve a luso-alemã. 

Um perfeccionismo que já é conhecido pelos seus amigos e colegas de profissão. "É uma pessoa muito bem estruturada e dedicada a encontrar soluções para problemas complexos. É obcecada pelo detalhe. Se tiver uma ideia ou um plano, vai com certeza levá-lo até ao fim, o que é uma virtude, mas que por vezes também se pode tornar num problema", diz Yannik, desafiado a encontrar um defeito na sua conterrânea. A deputada define-se ainda como "pragmática" e “impaciente”.

Catarina dos Santos é católica, fez a primeira comunhão e estudou numa escola da igreja, a Episcopal Liebfrauenschule, em Eschweiler. Frequentou o gymnasium (as escolas secundárias para os estudantes com melhores notas, no sistema de ensino alemão) e era uma aluna acima da média. "Sempre preferi a História e as línguas, era boa a latim e a francês. As Artes eram o meu ponto fraco porque nunca fui muito criativa", reconhece. A opção por estudar Direito Fiscal em Colónia, a 50km de casa, foi natural. "Acabou também por dar jeito na preparação para a política, porque me habituei aos temas fiscais, a percorrer documentos, livros e dossiers e a familiarizar-me contantemente com assuntos novos", afirma.

Ao longo dos seus cinco anos de licenciatura em Colónia, Catarina não trabalhou somente como empregada de mesa: fez um estágio num escritório de advogados e outro no tribunal, antes dos dois anos de prática obrigatória. Era também vocalista de uma banda de covers: cantava especialmente canções pop em vários bares e clubes de Aachen.

Ocupava os tempos livres com o que ainda hoje tem mais prazer em fazer: passear o cão dos pais (adora animais), andar de bicicleta, passear pela floresta e ler. "Não tenho um autor favorito, mas gosto de livros de não-ficção, especialmente biografias", especifica. Sempre calma, excepto no Carnaval, época em que a região de Aachen se transforma num palco de folia. O resto do tempo dedica à família e ao companheiro, com quem vive e planeia casar brevemente.

"Mas a Catarina é muito reservada em relação aos parentes. Não porque tenha algo a esconder, mas porque precisa desse lado privado para recarregar as energias que a política lhe consome. É algo que ela quer só para ela", diz Yannik. "Dá para perceber que tem uma ligação muito forte aos familiares, que são muitos. Lembro-me bem da quantidade de postais de Natal que ela teve de comprar para a família na Alemanha e em Portugal".

Uma conservadora moderna

Paralelamente, Catarina começava a desenhar um percurso na política. Foi escalando nas estruturas locais da JU e em 2020 entrou para a assembleia regional. "A Catarina dedicou muita atenção à questão da mobilidade dos mais jovens na nossa região que, por ser composta por pequenas cidades rurais, tem problemas de transportes" diz Yannik. 

A luso-alemã incidiu também em políticas de ligação entre a mobilidade e o ambiente ou a digitalização; por exemplo, a sua primeira acção foi fazer aprovar uma medida para que os carros eléctricos passassem a poder estacionar gratuitamente durante duas horas no centro da cidade. 

Os temas que mais lhe interessam – mobilidade, digitalização, ambiente – não são os que tradicionalmente ocupam o topo da agenda do partido conservador, sempre mais inclinado para o emprego, economia e valores ideológicos de centro-direita. Então, porque é que Catarina dos Santos escolheu a CDU? "Sempre me senti atraída pela perspectiva holística da CDU, um partido de massas, que faz política para todos e não apenas para um nicho do eleitorado", explica a deputada. "Quando estamos na CDU, sabemos que as nossas políticas incidem sobre os alemães no geral, sobre toda a sociedade".

Os portugueses que estão na Alemanha estão integrados e trabalham no duro para ter uma vida boa. Para os que não estão politizados, espero poder servir para que se envolvam mais na democracia.

Catarina dos Santos Firnhaber

Não é por acaso que a União (nome pelo qual o partido também é conhecido) governou a Alemanha em 32 dos últimos 40 anos, os últimos 16 dos quais sob os desígnios de Angela Merkel, uma das referências políticas da luso-alemã: "Nos últimos 16 anos, a Europa e a Alemanha tiveram de lidar com crises profundas. Angela Merkel fê-lo de uma forma séria, respeitável e sempre confiável. Colocou sempre o futuro da Alemanha e da União Europeia primeiro e o seu ego nunca foi o centro das atenções", argumenta Catarina. Para além da ex-Chanceler, a fiscalista admira ainda outras mulheres no universo político: Eleanor Roosevelt e Ruth Bader Ginsburg. "Sempre me senti inspirada por figuras femininas. A sua mensagem é: 'tu também és capaz'. Porém, de um modo geral, prefiro trilhar o meu próprio caminho", diz.

Um caminho que se iria transformar na primavera de 2021, quando foi convidada para integrar uma posição cimeira nas listas do partido para o Parlamento. Tudo foi sendo adiado devido à indefinição em relação à liderança da CDU, que acabou por cair nas mãos do também renano Armin Laschet. Em Maio, Catarina avançou. "Quando me ligou a perguntar se a acompanhava nessa campanha, não hesitei", afirma Yannik Heldbüchel. "Acho que o segredo do sucesso foi acima de tudo termos operado com uma equipa pequena, quatro ou cinco pessoas, mas da máxima confiança da Catarina. Um núcleo duro. Somos todos amigos e tinhamos trabalhado em conjunto a nível local e na JU".

Quando tinham tudo pronto para arrancar, cheias catastróficas assolaram a Renânia do Norte-Vestfália, matando quase 200 pessoas. Tiveram de suspender as acções e concentrar o empenho na ajuda à população: "O desastre atingiu cidades do meu círculo eleitoral e passámos as semanas seguintes a coordenar agências locais de ajuda humanitária e a comunicá-las com cidadãos necessitados", recorda a luso-alemã.

Dos Santos Firnhaber acabou por perder a eleição directa no seu círculo eleitoral por 3381 votos, no entanto, entraria no Parlamento através das listas da CDU na Renânia do Norte – Vestfália, o Estado mais populoso da Alemanha, onde era a par de Florian Müller a cabeça-de-cartaz da JU (no sistema eleitoral alemão, os deputados podem entrar no Parlamento directamente através da vitória no círculo eleitoral, ou através das listas do partido, dependendo neste caso dos resultados da votação geral). 

Para angariar mais jovens temos de mostrar-lhes que ser conservador não é retrógado nem algo poeirento.

Catarina dos Santos Firnhaber

A CDU obteve o seu pior resultado de sempre, ficando atrás dos socialistas do SPD e elegendo apenas 197 deputados. A próxima legislatura vai ser na oposição ao governo de coligação liderado pelo Chanceler Olaf Scholz e formado pelo SPD, pelos Verdes e pelos liberais do FdP (a chamada 'coligação-semáforo'). "É uma recomeço para o partido, sem dúvida, mas para mim não muda muito porque eu não fazia parte do Governo. É tudo novo. E o mesmo acontece a muitos deputados que entraram nesta legislatura", afirma Catarina.

A CDU reforçou-se assim com uma promissora jovem que se define como 'centrista', à imagem do posicionamento que Merkel tinha conferido ao partido nos seus últimos anos de poder. Movida muito mais por evidências científicas do que por doutrinas ideológicas, Catarina faz parte de uma geração de cristãos social-democratas que pretende rejuvenescer a imagem política do "conservadorismo". Parece algo urgente: nas últimas eleições, a CDU conseguiu captar apenas 10% dos votos dos eleitores que votaram pela primeira vez. "Para angariar mais jovens temos de encarar as suas preocupações seriamente e mostrar-lhes que ser conservador não é retrógado nem algo poeirento", escreveu Dos Santos Firnhaber, citada pela revista Der Spiegel. 

O seu amigo Yannik Heldbüchel partilha da mesma linha de pensamento: "Queremos sangue novo na CDU para ajudar a transformar o que conservador significa. Nem tudo o que é antigo e tradicional é bom, claro, queremos pegar no que há de bom dos valores tradicionais, mas melhorar aquilo que já não faz sentido", diz. "E estas transformações, para a Catarina, têm de se basear em validações científicas e técnicas, de modo a mellhorar a vida da população em geral".

Um bom exemplo de como a deputada segue as orientações científicas é a política de vacinação. Num país em que a percentagem de vacinados contra a Covid-19 continua abaixo dos 75%, Catarina é uma das que procura descobrir soluções para cativar os alemães a protegerem-se contra o vírus: "Estamos actualmente a debater diferentes opções para atrair mais pessoas para a vacinação. Uma das opções é a introdução de vacinas obrigatórias. Mas os pormenores dessa operação são muito controversos", diz a representante da CDU. 

Ponte para Portugal

A Catarina não lhe era suficiente passar as férias em Portugal. Queria mais. Ter uma experiência profissional em Lisboa, cidade em que nascera, fazia parte dos seus ojectivos. E, no fim do seu curso, concretizou-o: conseguiu um estágio de três meses na Câmara do Comércio e Indústria Luso-Alemã. "O meu português melhorou e aprendi muita coisa. Guardo as melhores memórias desse tempo, da comida, da luz da cidade, das pessoas sempre tão simpáticas e do clima. Lisboa é a minha cidade preferida, um lugar que volto sempre com muito gosto", afirma, revelando na voz uma alegria especial.

Esta firme conexão de Catarina às suas raízes pode dar frutos no que toca à relação entre os dois países. A deputada ambiciona juntar às suas responsabilidades a representação da comunidade portuguesa na Alemanha, mais de 140 mil pessoas dispersas por várias regiões do país. "Sou luso-alemã e esse é um tema que me toca directamente no coração. Tenho recebido muitos mails de portugueses e tento responder a todos. Explico-lhes como funciona o Parlamento e o sistema político. Os portugueses que estão na Alemanha estão integrados e trabalham no duro para ter uma vida boa. Para os que não estão politizados, espero poder servir para que se envolvam mais na democracia", diz.

Catarina já começou a trabalhar para ser uma ponte política entre duas das nações mais europeístas da UE. "Estou em contacto com representantes do Governo português e estou também a planear a implementação de um grupo de amizade parlamentar com Portugal", diz a jovem deputada.

A notícia da eleição da lisboeta para o Bundestag foi muito bem recebida na Embaixada de Portugal em Berlim: "É extremamente importante para a comunidade portuguesa na Alemanha porque encontra na Catarina dos Santos Firnhaber um extraordinário exemplo de sucesso, reconhecimento e inserção na sociedade alemã", diz ao Contacto o embaixador Francisco Ribeiro de Menezes.

"É também importante para a Embaixada porque nos dá um acesso adicional ao Bundestag, para mais de uma deputada que tem o português como língua materna, e para Portugal, que passa a ter na Alemanha uma facilitadora para as relações bilaterais, tornando a ligação ao Bundestag mais fácil e profícua".

Quero que acreditem que podem atingir na Alemanha todos os seus sonhos.

Catarina dos Santos Firnhaber

É de especial interesse, na opinião do diplomata, que Catarina esteja na comissão parlamentar de assuntos europeus, um tema em que lhe encontrou notáveis atributos durante o encontro que recentemente manteve com a deputada em Berlim: "Ela tem sensibilidade para questões europeias e para o papel da Alemanha na UE. Para além disso, causou-nos a melhor impressão pelo seu lado genuíno, pelo entusiasmo que tem e pela vontade de colaborar connosco no âmbito da íntima relação que mantém com Portugal". 

Ainda mais importante: pode servir de inspiração a mais portugueses para entrarem em órgãos de representação, uma vez que na comunidade há poucos casos (um exemplo raro é o de Susana dos Santos Herrmann, deputada no Parlamento estadual da Renânia do Norte – Vestfália). Catarina rejeita, para já, exercer um dia funções políticas em Portugal: "Fui recentemente eleita para o Parlamento alemão, pelo que estou concentrada em representar o meu eleitorado", afirma. 

Em Portugal, vê no PSD uma aliado natural, dado que o partido faz parte do mesmo grupo político europeu. Mas é na representatividade da comunidade lusa que pretende apostar: "Quero que acreditem que podem atingir na Alemanha todos os seus sonhos". Afinal, ela conseguiu o seu. Assim se refere às suas novas funções como deputada: "É um trabalho de sonho".

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