Trabalhadores sem CovidCheck podem ser despedidos
Trabalhadores sem CovidCheck podem ser despedidos
Os sindicatos pediram que o governo recuasse na introdução do regime CovidCheck nas empresas pela polémica e confusão que está a causar. Nada feito. Desde segunda-feira que o mundo do trabalho no Luxemburgo é regido por uma nova diretriz, "a vacinação obrigatória mascarada de CovidCheck", assim o descrevem sindicalistas e até patrões. Uma nova lei "desnecessária", confusa e "perigosa", criticam, que vai desestabilizar o ambiente de trabalho e gerar conflitos laborais, não só hierárquicos como entre os próprios trabalhadores. E abre caminho a despedimentos. As três principais centrais sindicais, OGBL, LCGB e CGFP uniram-se no ultimato ao governo contra este regime CovidCheck prometendo novas formas de luta e possíveis ações judiciais para anular a lei agora promulgada.
Para o Governo o alargamento do CovidCheck às empresas públicas e privadas, à restauração (e Horeca) e seus clientes, "é essencial para lutar contra a propagação do vírus e contribuir para o aumento da taxa de vacinação da população do Grão-Ducado", assim foi comunicado na sexta-feira, confirmando a entrada em vigor, desde o dia 1 de novembro. Sobretudo, quando o Luxemburgo já está a atravessar "a quarta vaga da pandemia", como anunciou a ministra da Saúde.
O Executivo criou a lei, mas passou a responsabilidade da sua aplicação para as empresas e trabalhadores, criticam sindicalistas. O regime é facultativo, à exceção da Horeca, pelo que são os patrões que decidem se introduzem ou não o CovidCheck na empresa, e como o adotam, se em toda a empresa ou nalguns setores ou situações. Nos locais com este regime, o trabalhador tem de apresentar o certificado que prova que está vacinado, ou imunizado ou tem teste PCR negativo, válido por 72 horas, ou teste rápido de antigénio certificado, válido por 48 horas. Sem ele, não pode entrar na empresa para trabalhar, ou por exemplo, ter acesso à cantina ou a reuniões de trabalho. Christophe Knebeler, secretário geral adjunto da LCGB usa uma metáfora para definir o CovidCheck nas empresas: "É como, se a partir de agora, é o motorista de cada autocarro a decidir o código da estrada".
"Risco real de despedimentos"
"Há um risco grave e real de despedimentos de trabalhadores através do CovidCheck", vinca este sindicalista, justificando que o novo regime "não tem legislação específica", tendo sido englobado no Direito do Trabalho, o que dá azo a muitas interpretações.
Este alerta é geral e foi também um dos principais aspetos realçados no parecer do Conselho Consultivo dos Direito Humanos no Luxemburgo (CCDH) enviado ao Governo. "Esta lei coloca muita responsabilidade sobre o gestor da empresa. Tudo depende de como implementam esta medida e quais são as suas consequências. O facto é que não existe jurisprudência nesta matéria. O responsável da empresa poderá despedir uma pessoa que não possa trabalhar, porque não cumpre os critérios do CovidCheck. Irá deixá-lo em casa, sem trabalhar. Tudo isto pode ter consequências graves. O futuro mostrará como esta lei vai ser aplicada", realça ao Contacto Gilbert Pregno, presidente do Conselho Consultivo dos Direito Humanos no Luxemburgo (CCDH).
Preocupados, os três maiores sindicatos lançaram já recomendações aos trabalhadores, sobretudo àqueles que não possuam CovidCheck. "Contactem o vosso representante do pessoal ou sindicato para obter informações completas sobre a situação, os vossos direitos e obrigações; não assinem documentos que vos são enviados pela empresa para casa; se forem convocados para uma reunião pelo empregador, contactem primeiro a delegação de Recursos Humanos; não aceitem em caso algum, opções alternativas, como dispensa, licenças ou desemprego parcial".
A falta do CovidCheck pelo trabalhador pode ser entendida como "uma recusa sistemática de regras de segurança no trabalho por parte de um empregado é um motivo válido de despedimento, mesmo sem aviso prévio (por falta grave)", insiste a OGBL num artigo sobre as principais questões deste novo regime no seu site. O despedimento é, portanto, "um risco real e, em última instância, caberá ao tribunal do trabalho avaliar se é justificado". Uma situação que pode criar "situações de extrema insegurança social".
Limpezas. O setor mais frágil
É no setor das limpezas que se receiam muitos problemas com a introdução da nova lei. Os trabalhadores estão "preocupados e receosos e nós também, devido à situação de fragilidade que reina neste setor", declara ao Contacto Diogo Sumares, assistente sindical do setor das limpezas da LCGB.
As limpezas, a par com a restauração, são os setores com maior precariedade e onde "podem surgir muitos abusos por parte dos patrões e tememos que muitos empregadores aproveitem esta medida para forçar despedimentos", sublinha este sindicalista, lembrando que os próprios advogados de Direito do Trabalho têm diversas opiniões quanto à legalidade dos despedimentos por incumprimento do CovidCheck.
Pelos contactos que já fez, Diogo Sumares considera que "a maioria das empresas do setor das limpezas não pensam adotar esta medida. Têm receio de que haja muitos trabalhadores que não estejam vacinados e isso levaria a que ficassem sem gente para trabalhar". Até, porque, como estima, neste ramo, há muitas pessoas que ainda não se vacinaram.
Outra das dificuldades é que muitas destas empresas trabalham para outras empresas, as suas clientes, que as contratam para as limpezas. "E aí, sim, pode haver clientes que exijam CovidCheck às equipas que lá vão trabalhar. Nestes casos, o que nós estamos a sugerir é que os patrões e responsáveis constituam equipas apenas com trabalhadores com CovidCheck, para irem trabalhar nestes clientes, resolvendo assim a questão, enquanto os trabalhadores sem este certificado possam ser transferidos para clientes que não exigem esta medida", explica o assistente sindical da LCGB.
Claro que haverá empresas clientes a exigir certificado porque "o governo assim o permitiu, criando esta medida para aumentar a taxa de vacinação e passou a 'batata quente' às empresas e aos trabalhadores", sustenta Diogo Sumares.
Com o fim dos testes rápidos e os PCR a serem pagos, o dirigente questiona: E, agora, quem não tem está vacinado ou imunizado e precisa de realizar "dois testes PCR por semana para trabalhar, como vai ser? Quem paga os cerca de 160 euros semanais pelos testes, a empresa ou o trabalhador? É impossível. Tem de ser o Estado a assumir as suas responsabilidades e de continuar a pagar estes testes".
Restauração. Regra menos segura
A obrigatoriedade do CovidCheck a trabalhadores e clientes da restauração e da Horeca deixa a empresária Fernanda Batalau apreensiva quanto a uma possível quebra de clientela e segurança sanitária dos seus funcionários.
Para esta portuguesa, que tem quatro restaurantes e dois cafés, com 48 trabalhadores a seu cargo, os "testes rápidos realizados à entrada eram mais seguros do que a apresentação do certificado". "Os testes feitos na hora garantiam que todas as pessoas no interior do restaurante estavam sem infeção, enquanto o CovidCheck não garante. Os vacinados podem estar infetados, e os clientes com um PCR feito até 72 horas antes ou com teste rápido certificado, válido por 48 horas . Embora na altura do teste fossem negativos, nada nos diz que não possam ter, entretanto, sido contagiados", sustenta Fernanda Batalau. Por isso, os seus funcionários decidiram "continuar a usar máscara durante o serviço pois sentem-se mais protegidos e continuar a respeitar as medidas de prevenção, e todos eles estão vacinados". Além de que, realça, "pedimos o CovidCheck mas não podemos pedir o bilhete de identidade para confirmar se o certificado é mesmo daquela pessoa, o que não nos dá credibilidade nem segurança. Os testes na hora são mais eficazes".
Também a empresária considera que o Governo passou a responsabilidade para os empregadores. "No fundo, nós estamos a substituir o Ministério da Saúde, somos nós a controlar o CovidCheck, um regime que funciona como a vacinação obrigatória, quanto mais não seja, porque os indecisos acabam por se vacinar para ser mais prático".
Como a medida é obrigatória para os trabalhadores deste setor, "pode originar despedimentos sim, porque na restauração o funcionário é obrigado a apresentar o certificado, se não o possuir ou recusar mostrar, vai para casa e pode ser despedido", por colocar em causa a segurança sanitária do local, diz Fernanda Batalau criticando a introdução deste regime. "Ao invés do CovidCheck o governo deveria ter apostado em campanhas de sensibilização à vacinação e manter as medidas anteriores, havia menos riscos".
Tudo calmo na Construção
Nesta fase inicial, há muitas empresas do país que decidiram não aplicar o CovidCheck segundo a "ronda" feita pelos sindicatos. Na construção civil, por exemplo, setor que emprega muitos trabalhadores portugueses, poucas serão as empresas a introduzir este novo regime. Entre as cerca de 400 empresas de construção e manutenção com representantes sindicais da OGBL, em metade, praticamente nenhuma adotou o novo regime, segundo Jean-Luc De Matteis, secretário central do Sindicato da Construção, da OGBL.
Por agora, "está tudo calmo" no nosso setor, vinca este sindicalista para quem também a nova medida "não é solução". "A OGBL não é contra a vacinação, mas o CovidCheck é muito complexo para as empresas que dizem que preferem apostar nas campanhas de sensibilização à vacinação e na continuação das medidas de prevenção adotadas, como máscara ou distanciamento social", explica este dirigente sindical.
Sem a introdução da nova regra, há empresas que "vão oferecer os testes antigénios aos trabalhadores não vacinados, para se testarem mesmo em casa, duas ou três vezes por semana", diz Jean-Luc De Matteis, lembrando que o governo ofereceu milhares de testes às empresas numa fase anterior da pandemia e ainda têm em stock. "Mesmo testando-se em casa, se o trabalhador acusar positivo para a covid não vai trabalhar, pois sabe as consequências que pode sofrer, apresentando-se no trabalho sabendo que está infetado", lembra Jean-Luc De Matteis.
Tal como nas limpezas, o caso torna-se mais complicado entre as empresas da área de manutenção ou aquecimento que são contratadas por empresas clientes, como por exemplo, as instituições europeias, que se regem pelo regime CovidCheck. "Aqui as empresas com quem falámos optaram ou por oferecer os testes PCR ou testes antigénios certificados a quem não está vacinado ou perguntaram aos trabalhadores quem quer integrar estas equipas a trabalhar para clientes com CovidCheck. Como a maioria dos trabalhadores está vacinado, o mais natural será criar, em regras, equipas com CovidCheck para estas empreitadas", explica Jean-Luc De Matteis.
Quanto aos trabalhadores portugueses quer Jean-Luc De Matteis, da OGBL, como Christophe Knebeler, secretário geral adjunto da LCGB acreditam que não vai haver grandes problemas "porque a grande maioria dos portugueses aqui no Luxemburgo está vacinado", seguindo o exemplo de Portugal onde "85% da população do seu país natal está já vacinada".
Confusão instalada
Nas últimas semanas, a confusão instalou-se nas empresas, com os responsáveis e gestores a terem liberdade para equacionar as mais diversas regras na aplicação do CovidCheck, como por exemplo, planear a introdução da medida, apenas nos refeitórios, dividindo o espaço entre vacinados e não vacinados (estilo fumadores e não fumadores), ou programar a apresentação do certificado por sorteio, ou nalguns dias fixos. Há também empresas que pretendem aliciar os seus trabalhadores a vacinarem-se mediante bónus, nomeadamente, dar mais dois dias de férias por ano, aos trabalhadores vacinados.
A Luxair, por exemplo, aplicou o CovidCheck apenas nas cantinas, por enquanto. "Como a CovidCheck já está em vigor há muito tempo para os seus clientes e em conformidade com a lei CovidCheck que foi votada a 18 de outubro de 2021, a Luxair irá, a partir de 1 de novembro de 2021, adotar o regime CovidCheck, inicialmente nas suas cantinas. No entanto, estão ainda em curso discussões para determinar que medidas, caso existam, serão postas em prática no resto da empresa", explica ao Contacto a assessoria da companhia aérea luxemburguesa.
Assim, "os empregados que não tenham um CovidCheck válido não poderão fazer as refeições na cantina, mas podem encomendar a refeição" e levá-la, explica esta fonte frisando que o objetivo é a "restauração de espaços de convívio para os trabalhadores". A Luxair "elogia este regime" e "encoraja todos a serem vacinados, porque esta é a única forma de sair da pandemia", realça a mesma fonte.
Na função pública, já há organismos que estão a aplicar o CovidCheck desde 19 de outubro, nomeadamente alguns ministérios, indicou ao Contacto o porta-voz do ministério desta tutela, onde a medida entrou em vigor no dia 1 de novembro.
"Cabe às administrações decidirem se aplicam ou não este regime" que também na função pública "não é obrigatório", realça o porta-voz do Ministério da Função Pública, tutelado por Marc Hansen. Como em todas as empresas, se as administrações decidirem introduzir o CovidCheck têm de proceder a um aviso prévio a delegação de pessoal. Este ministério divulgou uma nota explicativa deste regime a todos os chefes das administrações sob a sua alçada. Até sexta-feira passada, nenhum problema tinha sido reportado a este ministério entre as administrações com CovidCheck desde 19 outubro, indica a mesma fonte.
"Governo joga com a vida das pessoas"
Os sindicatos vincam que "não são contra a vacinação", mas sim contra o novo regime mais "perigoso" e ineficaz que as medidas de prevenção contra a covid-19 até agora em vigor no mundo do trabalho. A nova lei não é mais do que "a vacinação obrigatória mascarada de CovidCheck", vinca Christophe Knebeler, secretário geral adjunto da LCGB. "O CovidCheck vai perturbar e degradar ainda mais o ambiente de trabalho nas empresas, já de si fragilizado pela pandemia, com risco de gerar conflitos laborais até entre os próprios trabalhadores, entre vacinados e não vacinados, o que é muito grave", perspetiva este dirigente sindical.
E critica: "O Governo está a jogar com a vida das pessoas, com o seu trabalho, em que é preciso ter certificado para trabalhar e se pode ser despedido pela única razão de não ter certificado válido". Mais. "Não são as empresas que tem de obrigar à vacinação. O Código de Trabalho é claro, todas as medidas e instrumentos de saúde devem ser gratuitos, por isso os testes de rastreio, como os PCR, têm de ser gratuitos, não tem de ser o patrão ou o trabalhador a pagar", defende este responsável sindical. E questiona: "Até agora as empresas funcionavam bem com as medidas de proteção em vigor, e sem CovidCheck. Então para quê esta medida? O bom caminho é os testes serem pagos pelo Estado e o governo recuar neste regime".
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