Setor das Limpezas. Quando a precariedade cabe na Comissão Europeia
Setor das Limpezas. Quando a precariedade cabe na Comissão Europeia
Três minutos e nem mais um segundo. As empregadas da limpeza dos sete edifícios da Comissão Europeia são cada vez menos. O volume de trabalho não diminuiu. Três minutos e nem mais um segundo é o tempo limite que cada uma tem para limpar cada um dos perto de 150 escritórios, 20 deles a fundo, duas casas de banho, seis ou sete salas de fotocópias, cozinhas, corredores e áreas comuns.
“Eu acho que antes da ISS ganhar o concurso público éramos 300, agora somos pouco mais de 80”, estima Natália, uma das mais de 150 trabalhadoras que participaram na primeira manifestação do setor às portas das instituições europeias sediadas no Grão-ducado.
“23 anos no Luxemburgo, 23 anos nas limpezas. Antigamente era trabalho normal, mas desde que a ISS entrou ali é impossível. Não somos nós que não queremos, é trabalho impossível de fazer”, começa Adelaide. “Antigamente éramos duas mulheres a fazer o meu trabalho, agora sou eu sozinha”.
Não é não querer trabalhar. Eu não aguento mais andar sempre a correr.
Adelaide, empregada doméstica
Acontece desde janeiro, desde que a empresa que assegurava a limpeza dos edifícios europeus foi substituída pela ISS Facility Services. Mudou o patrão mas os trabalhadores são os mesmos. Mais de metade foram despedidos, numa operação de redução de custos. O aumento da carga de trabalho tem determinado a saída de outros tantos.
Lina confessa que “é cada vez mais difícil manter boa cara”. À beira de uma depressão, a portuguesa começa a tremer dez minutos antes de entrar no carro, onde segue para o trabalho com Natália, Adelaide e outra lusodescendente.
Saem todos os dias de Dudelange rumo a Kirchberg por volta das 16h da tarde. Picam o ponto às 17h45. Recebem 12,63 euros à hora. Trabalham quatro na Comissão Europeia por menos de mil euros. As casas que limpam durante a manhã ajudam a completar o orçamento familiar. “Só falamos de trabalho para lá e para cá. Agora é isto. Uma chora, outra despediu-se e vai embora no fim do mês e a outra anda como eu. Se isto não muda, não vamos andar nisto”, descreve Natália.
O pedido de demissão de uma das companheiras de viagem foi um ponto de viragem para as três. “Todas as semanas íamos e vínhamos. Cada uma levava o seu carro à vez. Era menos uma despesa”, lamenta Adelaide que a pedido da filha mais velha, a primeira a entrar na univerdade, se viu obrigada a deixar algumas das casas que limpava para garantir o contrato fixo. “Não é não querer trabalhar. Eu não aguento mais andar sempre a correr”.
Passa culpas
A OGBL chama-lhes “primeiras vítimas” da externalização e subcontratação de serviços do estado e das próprias instituições europeias. Questionada pelo sindicato, a ISS assumiu que baixar os custos é não só essencial para a sua sobrevivência no mercado como também para assegurar a eleição nos concursos públicos.
“Quando confrontámos a direção da Comissão Europeia com isto, disseram-nos que deixaram de se preocupar com a organização das empresas e que passaram a priorizar os resultados”, denuncia a dirigente sindical, Jessica Lopes.
“Há aqui um problema de responsabilidade. Quem é que assume a responsabilidade pelas condições de trabalho destas pessoas?”, questiona a sindicalista. “As empresas do setor dizem que são obrigadas a reduzir os orçamentos e o número de trabalhadores para garantirem a escolha nos concursos públicos e os clientes culpam as empresas”.
Uma semana depois da manifestação, as posições das instituições europeias e da ISS mantêm-se inalteradas. Entregue em mãos, o documento da OGBL que apela à Comissão Europeia para que “adopte uma atitude responsável, garantido que qualquer trabalhador que ali trabalhe o possa fazer em condições dignas e aceitáveis”, continua por assinar.
Entretanto, a gigante das limpezas comprometeu-se a criar um grupo especializado para “estudar o caso”, embora continue descartar quaisquer responsabilidades.
Na reunião desta terça-feira, 15 de outubro, a empresa concorda que a “política virada para os resultados” agrava as condições de trabalho. Comprometeu-se a apresentar soluções até ao fim do ano, apesar de desdramatizar o aumento da carga de trabalho. “O que nos dizem é que há uma lista de tarefas a cumprir e que são menos que antigamente”, resume a OGBL. “Culpam as trabalhadoras. Dizem que não se estão a adaptar”.
No centro do passa culpas, as três portuguesas desmentem. “Com a outra empresa, a inspeção dava 100% na limpeza dos andares. Estava sempre tudo bem, até iam lá de vez em quando dizer que estavam sem trabalho”, recorda Lina.
Reivindicação à vista
Se continuarem sem resposta às reivindicações, nomeadamente ao reforço de pessoal, os trabalhadores prometem voltar à carga. Maioritariamente mulheres imigrantes ou transforteiriças, muitas recusam bater com a porta antes de ir à luta.
“Vamos fazer uma, duas ou três manifestações. Estamos a ver se isto muda, se não mudar, o próximo passo é mesmo avançar para uma greve. Vai ser difícil porque há muita gente que tem medo e o processo é complicado, mas é a única maneira de mostrar que fazemos tanta falta como outro trabalhar qualquer da Comissão”, avança Natália.
Há aqui um problema de responsabilidade. Quem é que assume a responsabilidade pelas condições de trabalho destas pessoas?
Jessica Lopes, sindicalista
Em vigor há três anos, o contrato coletivo de trabalho das empregadas de limpeza do Luxemburgo vai ser revisto em Janeiro. A OGBL já lançou um inquérito para definir as prioridades do setor.
De resto, a confederação sindical acompanha as denúncias das trabalhadoras desde o início. Demoveu-as , inclusive, do objetivo inicial: uma paralisação para exigir soluções imediatas para a deterioração das condições de trabalho, para a redução de pessoal e para a, cada vez mais frequente, rotatividade no local de trabalho.
No Grão-ducado o direito à greve requer uma declaração de conflito e 16 semanas de mediação entre patrões e funcionários. Por considerar que os postos de trabalho das empregadas de limpeza corriam sérios riscos, o sindicato optou por mobilizar as centenas de trabalhadoras em frente às instituições europeias “para fazer eco”. O plano da não confrontação direta vai manter-se pelo menos até dezembro.
