Grupo de refugiados abre primeiro restaurante afegão no Grão-Ducado
Grupo de refugiados abre primeiro restaurante afegão no Grão-Ducado
Qabuli, carne de vaca cozinhada lentamente, apresentada num prato em forma de cúpula com arroz, cenouras, passas, cardamomo e nozes, é a refeição caseira favorita de Jawid Modasir e da sua esposa, Shukria, que vieram para o Luxemburgo em 2015 como refugiados do Afeganistão.
Em novembro de 2022, o casal, juntamente com os conterrâneos Esmatullah e Sakina Etemadi, abriu o primeiro restaurante afegão do Grão-Ducado, Bamyan, ao lado das Casemates do Bock, nas instalações do bar Mirador.
Bamyan é uma província central do Afeganistão, uma importante paragem da antiga rota da seda, onde a cozinha une o Oriente e o Médio Oriente com muitas especiarias e sabores. É também o principal território da minoria étnica Hazara no Afeganistão - principalmente muçulmanos xiitas, que enfrentam perseguições por parte da maioria sunita Pashtun há mais de um século.
Foi esta perseguição que forçou Jawid a partir há sete anos. "A situação piorava de dia para dia. Depois tornei-me um alvo. Não consegui obter qualquer ajuda do governo, pelo que não tive outra escolha senão fugir da minha casa", conta.
A gratidão ao Luxemburgo
Há mais de 130 anos, o emir do Afeganistão, Abdur Rahman Khan, tentou erradicar o povo Hazara, acusando-o de ser herege. Conseguiu exterminar 62% desta população, e iniciou uma história de exclusão de cargos governamentais ou de influência que continua nos nossos dias.
A comunidade Hazara foi recetiva à ocupação liderada pelos EUA em 2001, em parte esperando uma democracia representativa, e, como o segmento mais educado da sociedade, apoio à escolarização para todos - incluindo as raparigas. Foram também quem mais perdeu com a retirada das tropas ocidentais em 2021.
No ano passado, os Talibãs torturaram e executaram 150 civis Hazara no distrito de Balkhab, de onde Jawid é natural. Alguns meses mais tarde, um ataque suicida no Centro Educacional Kaaj em Cabul tirou a vida a 35 raparigas da comunidade Hazara.
"Agora a situação é perigosa, porque nunca deixamos de educar as raparigas em centros privados, por isso eles estão a desalojar as pessoas, ao anunciar que centenas de famílias têm de se mudar. Não há apoio da comunidade internacional ou do governo local", refere.
Criar oportunidades de emprego
Veio para a Europa através da Grécia, e enquanto esteve na Alemanha tomou a decisão de se instalar no Luxemburgo. "Chegámos como refugiados. Não saímos antes devido a problemas económicos, mas fomos obrigados a partir pela nossa segurança. Nunca foi fácil porque é uma cultura e um sistema totalmente diferentes. Mas as pessoas no Luxemburgo tornaram tudo mais fácil."
Jawid lembra-se de chegar à Grécia, molhado e gelado, onde foi acolhido e recebeu rouba seca. "Nesse dia, senti que [a mudança] não seria demasiado para nós." Quando chegou ao Luxemburgo, havia apenas 50 habitantes afegãos, mas hoje essa comunidade cresceu para cerca de 2.000 pessoas.
"Estou sempre grato às famílias luxemburguesas que me receberam e me guiaram", afirma, recordando como demorou um ano e meio a obter os seus documentos, período durante o qual estudou línguas e fez cursos de negócios.
Tanto Jawid como Esmatullah tentaram encontrar trabalho mal receberam os seus documentos. "Queríamos retribuir a ajuda das pessoas que nos tinham acolhido. Candidatámo-nos a muitos empregos, mas pediam sempre três línguas, e nós não conseguíamos falá-las", recorda.
Então, a dupla decidiu criar a sua própria oportunidade de emprego e dar trabalho a pessoas como eles, "que têm dificuldades no mercado de trabalho normal". Jawid conhecia os proprietários do Mirador, que apoiaram a ideia de criar um restaurante social, e providenciaram as instalações para que este funcionasse nos dias de semana. A cozinha está nas mãos de Sakina, mas "todos fazem tudo", garante Jawid.
Dumplings, guisados e arroz com açafrão
Um dos pratos presentes no menu é dumplings (bolinhos de massa) de Ashak, um dos favoritos da comunidade afegã, feito a partir de uma receita familiar e recheado com alho-porro e cebolinho, servido com molho de alho e tomate. Outros pratos populares são Zerishk Palaw, que combina frango com arroz de açafrão, e Bamia, um guisado de quiabo e tomate servido com pão tradicional.
O abastecimento de ingredientes no país de origem é difícil devido à situação atual, mas conseguem comprar alguns alimentos não perecíveis e temperos numa loja afegã na Bélgica. A carne e os legumes são obtidos localmente.
Uma vez que se trata de um estabelecimento familiar, a partilha está no centro das refeições que produz. O Bamyan tem um menu de partilha para grupos de seis ou mais pessoas, e pode servir pequenos eventos privados.
Jawid espera mudar-se para instalações próprias eventualmente. O afegão não acredita que seja possível regressar a casa num futuro próximo. "Não há uma reação forte da comunidade internacional aos Talibãs. Não quero que os meus filhos tenham medo de ser mortos ou lutem para obterem uma educação."
O seu parceiro de negócio, Esmatullah, faz eco destes sentimentos: "Sinto falta da esperança que se criou nos últimos 20 anos para as pessoas, de que as crianças poderiam ir à escola, e da liberdade e paz prometidas que agora nenhum de nós terá", declara, acrescentando: "A minha terra já não é a minha casa, mas começámos a sentir que a nossa casa é aqui, e estamos prontos a retribuir."
(Artigo originalmente publicado no Luxembourg Times e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)
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