Os portugueses mais conhecidos de Esch. Miro, o CR7 do talho
Os portugueses mais conhecidos de Esch. Miro, o CR7 do talho
Claudemiro Rocha é como o CR7 de Esch-sur-Alzette. As iniciais do nome não são só uma coincidência. É uma das figuras mais conhecidas da cidade. O mais famoso dos tugas. Toda a gente o trata por Miro. "Olha o Miro do talho", diz quem o vê passar na rua. O talho é a Casa do Brill, estabelecimento histórico na Rue Zénon Bernard, no centro de Esch, onde Miro trabalha há 30 anos. Cortar carne é a sua arte, mas também cozinha e faz a gestão do espaço. É do Porto e ainda mantém a pronúncia do Norte, este tripeiro que agora é um ícone no Sul do Luxemburgo.
Nascido na cidade Invicta há 52 anos, Miro cedo começou a trabalhar de cutelo na mão. "Para poder trazer alguma coisa para casa", recorda. Os amigos da juventude trabalhavam todos no talho, então lá foi ele aprender a "cortar a chicha" no mítico Mercado do Bom Sucesso, quando ainda era um adolescente. "Achava piada, porque eles levavam carne para casa ao fim de semana", conta, aos risos. Eram outros costumes, em tempos modestos. Miro tinha jeito para a coisa. Ao fim de 11 anos no mercado, foi lá um "agente" do Luxemburgo para contratar a "estrela" do açougue.
A diferença de salário era enorme. Na altura compensava, ganhava-se muito bem. Viajei sozinho, de avião. Senti-me como o Cristiano Ronaldo.
Miro emigrou para o Grão-Ducado em 1993. "O meu patrão foi a Portugal e trouxe-me para cá. Tinha 21 anos. Podia ter vindo antes, mas não vim por causa da tropa", explicou. O que o motivou a mudar foi o salário, porque o que ganhava em Portugal era baixo. "A diferença era enorme. Na altura compensava, ganhava-se muito bem. Viajei sozinho, de avião. Senti-me como o Cristiano Ronaldo", comparou, com uma gargalhada. Passados três meses, pediu ao patrão para ir embora, porque tinha saudades da namorada. "Estava habituado a estar com ela todos os dias. Depois fui a Portugal para casar e trouxe-a comigo para cá". Acabaram por ficar no Luxemburgo e têm uma filha de 28 anos, já casada.
Hoje ali está ele, atrás do balcão do talho, de polo vermelho, resguardado pela bata branca com o logo da Casa do Brill, a combinar com o boné. Vai cumprimentando as pessoas que lá entram. "Olá, como é que está a menina? Está mais magra!", brincou com uma das clientes, provocando umas risadas. Aquela é uma casa tipicamente portuguesa. Apesar de o patrão ser luxemburguês, todos os que lá trabalham são portugueses, assim como a maior parte da clientela. Algo de que Miro tem muito orgulho. "O português é o maior! Não há hipótese! Sem os portugueses, não havia nada feito no Luxemburgo. Fechavam as lojas todas", garantiu.
No talho, Miro trabalha com mais três emigrantes portugueses. "A equipa foi sempre esta. O Aníbal tem 33 anos de casa, o Jacinto tem 31 e a Graça tem 21. O meu irmão também estava aqui, mas saiu para outro talho. Já é uma equipa de muitos anos. E em equipa que ganha não se mexe", lembrou. O dia de trabalho começa às 7h e Miro vai a pé para o talho, porque mora ali perto, a uns 10 minutos. Começa a preparar o balcão e depois vai para a cozinha. "Não é que tenha grande especialidade, mas desenrasco-me. Aos fins de semana temos a cozinha aberta, com frangos assados, vitela, lombo de porco, um pouco de tudo. Passo mais tempo aqui do que em casa", admitiu.
Estou em Esch há 30 anos. Nunca trabalhei noutro lado. Conheço toda a gente. E em qualquer parte que vá sou conhecido.
Apesar de a maioria dos clientes serem portugueses, também há muitos luxemburgueses e italianos. "Eu falo português, francês e um pouco de italiano. Compreendo algumas coisas em luxemburguês, mas não falo corretamente". Durante os últimos 30 anos, foi estabelecendo a sua clientela habitual. "Nunca trabalhei noutro lado. Conheço toda a gente. E em qualquer parte que vá sou conhecido", contou, falando da sua paixão pela profissão. "Eu gosto mesmo disto. Para se ter vontade de trabalhar tem de se gostar daquilo que se faz. Se não se gostar, não vale a pena. Foi o que fiz durante toda a minha vida, não sei fazer outra coisa".
De terça a sábado, Miro está no talho até às 18h e aos domingos trabalha até às 12h. No domingo à tarde e às segundas-feiras, deixa de ser o talhante para passar a ser apenas Claudemiro. Mas sempre com a mesma boa disposição. "Sou uma pessoa divertida, comunicativa, seja no talho ou fora. Umas vezes vou até ao café, entretenho-me a jogar cartas com os amigos. Também gosto de passar tempo na capital, ir ao restaurante italiano, porque aqui todos me conhecem", revelou. Mas é em Esch que Miro gosta de estar. "A gente habitua-se a isto, tenho aqui tudo, conheço isto tudo. Já são 30 anos. É uma vida".
Adoro o Luxemburgo! Portugal é sempre Portugal, é o nosso país, mas se não fosse o Luxemburgo eu não tinha aquilo que tenho hoje.
Ir a Portugal só nas férias, para visitar os pais e os irmãos, em Paredes. Tenta ir sempre duas ou três vezes por ano, mas nunca na altura das festas. "É impossível ir lá no Natal ou na Páscoa, porque no comércio é quando trabalhamos mais, não dá para ter férias. Não tive um Natal com os meus pais durante quase 30 anos. Eles vieram cá uma vez, mas é frio e eles não querem deixar a terra", contou. Para Miro isso não é um problema. "Adoro o Luxemburgo! Portugal é sempre Portugal, é o nosso país, mas se não fosse o Luxemburgo eu não tinha aquilo que tenho hoje. É muito mais difícil em Portugal ter alguma coisa. É impossível ter uma vida como a que se tem aqui".
Porém, o talhante reconhece que hoje em dia também é mais difícil viver no Grão-Ducado por causa do custo de vida e da recente crise. "Está complicado e a juventude vai sofrer com isso. Se continuar assim, o Luxemburgo vai acabar por ser um país só para quem tem dinheiro. As pessoas vão deixar de ter poder de compra", lamentou, lembrando que o comércio também está a sofrer. "Estamos a atravessar um problema por causa do estacionamento. Já vamos em dois anos com obras aqui e tem sido complicado. Se não tiverem onde estacionar, as pessoas acabam por fugir para os centros comerciais".
Não vou abdicar do Luxemburgo tão cedo. Tenho aqui a minha vida e gosto de estar cá, não troco o Luxemburgo por Portugal. De maneira nenhuma.
Quanto ao futuro, o plano de Miro é continuar a viver em Esch. "Não vou abdicar do Luxemburgo tão cedo. Tenho aqui a minha vida e gosto de estar cá, não troco o Luxemburgo por Portugal. De maneira nenhuma. Talvez vá a Portugal passear um bocado, correr um pouco o país. Enquanto tiver os meus pais, é o que me faz ir lá. Caso contrário, o que é que vou lá fazer? Não tenho lá nada", confessou. O português também quer aproveitar para visitar outros países, mais baratos, porque "atualmente ir a Portugal é caro", diz ele. Por enquanto, vai continuar a cortar carne com a mesma habilidade com que CR7 marca golos. "A minha paixão é isto. Faço o meu trabalho e depois vou embora sossegado".
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