Os portugueses mais conhecidos de Esch. Jorge, o rei das bicicletas
Os portugueses mais conhecidos de Esch. Jorge, o rei das bicicletas
Ali na famosa Rue du Brill, cheiinha de comércio português, encontra-se uma loja histórica de Esch-sur-Alzette. A Rasqui Cycles tem qualquer coisa como 106 anos de existência. Quem lá entra sabe exatamente para o que vai. É o sítio certo para quem tem uma paixão por bicicletas. Como Jorge Francisco, 54 anos, o português que é hoje proprietário do espaço. Ali todos o conhecem como "Jorge das bicicletas".
Tudo o que há para saber sobre o velocípede é com ele. Seja para comprar, reparar ou construir. Ou simplesmente para ouvir algumas das suas histórias, como a do dia em que o Acácio da Silva foi à sua loja ou a da sua participação no Giro de Itália.
A vida de Jorge esteve sempre ligada às bicicletas. Nasceu em Torres Vedras, fazendo questão de lembrar que é da mesma terra do ciclista Joaquim Agostinho. Em 1969, quanto tinha apenas um ano, os pais emigraram para o Luxemburgo. O pai era soldador e a mãe empregada de limpeza. Moraram em Schifflange durante 26 anos. Jorge fez lá a sua escola luxemburguesa e a portuguesa fê-la na Escola do Brill, em Esch. Foi na adolescência que descobriu o gosto pelas bicicletas. "Sempre fui um bocadinho cheio. Então o meu pai dizia: ‘faz bicicleta, faz bicicleta’. Começamos a andar de bicicleta e eu gostei tanto que decidi tornar-me mecânico de bicicletas", conta a rir-se.
Houve uns anos em que fiz muitos quilómetros. O meu melhor ano foram 20 mil quilómetros de bicicleta, mas tinha 45 quilos a menos.
Foi assim que Jorge começou a trabalhar naquela loja centenária, há 36 anos. Rasqui era um ciclista luxemburguês que correu na Volta à França e decidiu abrir um espaço dedicado ao seu amor pelas bicicletas. "Não é uma loja que vem do nada, tem muita história. Ao início ainda era no tempo da guerra e até vendiam carvão. O Rasqui passou isto para o filho dele, com quem ainda trabalhei durante um mês, e depois o meu patrão ficou com a loja", recordou. Há 23 anos, o patrão reformou-se e passou o legado para Jorge. "Eu peguei, tentei a minha sorte e graças a Deus até ao dia de hoje ainda estou aqui".
Ele próprio foi ciclista, apesar de nunca ter sido profissional. "Houve uns anos em que fiz muitos quilómetros. As pessoas que me conhecem sabem bem o quanto andei. O meu melhor ano foram 20 mil quilómetros de bicicleta, mas tinha 45 quilos a menos. Hoje já não ando, como dá para ver", brincou, olhando para a barriga enquanto soltava uma gargalhada. Apesar de não ter corrido, Jorge até chegou a entrar no circuito. "Fui fazendo cursos com mecânicos da Volta à França e uma vez até fui mecânico do Giro de Itália. Mas foi só uma vez, porque era outro patamar e muito stress, era muito mais intenso. Já tenho uma certa idade e precisam de pessoas jovens e rápidas".
Depois de tantos anos com as bicicletas, deixou de pedalar e passou a dedicar-se apenas à loja. "Começou a ser cada vez mais trabalho. A única coisa que eu não fazia com uma bicicleta era dormir com a minha mulher", confessou, entre risos. Agora é na loja que passa os seus dias. "Chego aqui por volta das 8h45 e fico até às 19h. Como qualquer coisa aqui à volta, porque há muitos restaurantes portugueses bons".
Fazemos reparações e construções de todo o tipo de bicicletas. Mesmo para crianças com deficiência arranjamos uma bicicleta especial. Personalizamos tudo.
Jorge tem dois jovens a trabalhar com ele, um português e outro brasileiro, mais um senhor luxemburguês que vai ajudando de vez em quando. E a cadela da raça pastor-alemão que carinhosamente apelidou de "Ti Amo" e que vai recebendo os clientes.
A maior parte da clientela é portuguesa, mas também há muitos luxemburgueses. "Todos os dias falo português, mas também falo luxemburguês, francês, alemão, italiano e um pouco de inglês", revelou. Na loja fazem um pouco de tudo. "Fazemos reparações e construções de todo o tipo de bicicletas. Vendemos tudo o que são acessórios e peças. Mesmo para crianças com deficiência arranjamos uma bicicleta especial. Também fazemos bicicletas com um só travão para as pessoas que só têm uma mão. Personalizamos tudo", assegurou o português.
Até tenho ex-ciclistas profissionais que vêm à minha loja, como o português Acácio da Silva ou o luxemburguês Benoît Joachim. Fico muito contente.
Além dos clientes habituais, a Rasqui Cycles também já recebeu alguns ilustres conhecidos do desporto. "Com muito prazer até tenho ex-profissionais que vêm aqui à minha loja, como o Acácio da Silva. Tenho fotografias com ele, a andar com a minha roupa. Também tive aqui o Benoît Joachim, um ex-ciclista luxemburguês e antigo ajudante do Lance Armstrong. Fico muito contente com esta clientela", admitiu Jorge, garantindo que não pensa só no negócio. "Não vejo a minha loja como só para venda. E isso faz vender. Estou aqui para ajudar as pessoas. Há muitos portugueses que vêm aqui à loja para me pedir ajuda, às vezes até para preencher papéis".
Hoje, Jorge vive em Belvaux com a mulher, que é luxemburguesa, e os dois filhos. A filha tem 26 anos e está na universidade e o filho tem 21 e quer ser instrutor de condução. A Esch vai mais para trabalhar. "E também para as saídas à noite. Já não é como antigamente, nos anos 80, mas ainda há algumas saídas à noite e aos restaurantes", revelou, divertido.
Para o português, há algo de especial em Esch. "É uma cidade com muita cultura. Se procurar um sítio que tenha mais nacionalidades, é aqui. É muito interessante, porque num dia podemos estar a falar sobre Cabo Verde com um cabo-verdiano, noutro dia com um italiano sobre Itália e noutro com um sueco sobre a Suécia. Há este multiculturalismo".
Vou ficar aqui a viver, porque os meus amigos todos estão cá e tenho a amizade com os clientes. Viver em Portugal nunca mais. Só por um mês ou para passar férias.
Sobre aquela cidade, não tem nada de mal a dizer. "Esch deu-me a vida que tenho aos dias de hoje. Uma pessoa nunca pode falar mal da cidade que nos ajudou". Jorge também gosta muito de Portugal e adora ir de férias a Torres Vedras, para ver o irmão. Mas não pensa em voltar para lá definitivamente. "É como o ‘tá aqui, tá lá’. Quero ir para lá e quero vir para cá. Vou ficar aqui a viver, porque os meus amigos todos estão cá e tenho a amizade com os clientes. Viver em Portugal nunca mais. Só por um mês ou para passar férias. Quando estiver bom tempo vou para lá".
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