“Os portugueses dizem que não são racistas, mas quantos deles vieram aqui protestar connosco?”
“Os portugueses dizem que não são racistas, mas quantos deles vieram aqui protestar connosco?”
A marcha ainda só tinha saído há uns minutos do parque de estacionamento de Hollerich, mas Elisangela Fortes, que toda a gente trata por Lizzy, já fervia. "Como é que, 11 dias depois de o rapaz morrer, 21 dias depois de ser atacado, ainda ninguém foi preso? O ataque aconteceu num sítio público, a discoteca onde começou a discussão há de de ter câmaras. Não consigo perceber isto, ninguém consegue perceber isto. E é por isso que aqui estamos hoje".
A morte de Luís Giovani Rodrigues, estudante cabo-verdiano espancado violentamente por um grupo de portugueses em Bragança, deixou a comunidade africana do Luxemburgo em choque.
"Muita gente nos interpelou a pedir que fizéssemos qualquer coisa", diz Antónia Ganeto, porta-voz da Finca-Pé, associação que marcou a marcha deste sábado. "Decidimos fazer esta caminhada até à embaixada de Portugal, em homenagem ao Giovani mas também em protesto. A indiferença das autoridades portuguesas com um caso tão bárbaro de violência é chocante, sobretudo nos primeiros dias. Sentimos que, se não fosse a pressão diplomática de Cabo Verde, a investigação não teria sequer avançado".
As críticas estendem-se à comunicação social de Lisboa. "Os meios portugueses ignoraram completamente este caso, até não poderem continuar a fazê-lo. Não deixa de ser sintomático que tenha sido o Contacto, um jornal do Luxemburgo, o primeiro a dar informações rigorosas sobre o que tinha acontecido".
Horas mais tarde, a direção da Finca-Pé haveria de reunir-se com os embaixadores de Portugal e de Cabo Verde e receberia a confirmação de que a revolta e a indignação dos cabo-verdianos do Luxemburgo chegaria a Lisboa.
"Racismo? Com certeza"
O passeio em frente à embaixada tornar-se-ia pequeno para tanta gente e obrigaria a polícia a fechar uma das faixas de rodagem da Route de Longwy. Muita gente tinha trazido flores, sobretudo rosas brancas, em sinal de paz, que seriam depositadas numa espécie de memorial – decorado também com cartazes, velas e fotografias de Giovani. Fez-se um minuto de silêncio, houve discursos e canções.
Carlos Semedo, embaixador de Cabo Verde, serenava os ânimos: "Confiamos totalmente nas autoridades portuguesas e acreditamos que este caso, apesar de muito triste, foi excecional". António Gamito, embaixador português, dir-se-ia inclusivamente honrado por receber esta manifestação. "Estamos todos do mesmo lado e queremos todos que a justiça seja célere". Mas também admitiria o que muita gente já tinha reparado: "Gostava que estivessem aqui hoje mais portugueses".
Antónia Ganeto, da Finca-Pé, diz esperar que o caso de Giovani não crie novas tensões entre as comunidades portuguesa e cabo-verdiana, mas diz que elas existem. "Há muitos estudos que confirmam o racismo estrutural dos portugueses. Apesar de haver um discurso oficial de que a colonização portuguesa foi branda, apesar de ter havido mestiçagem, os cabo-verdianos em Portugal são empurrados para guetos e condenados à invisibilidade social constante". E no Luxemburgo? "Bem, não convocámos só o povo cabo-verdiano para esta manifestação. Toda gente podia ver. Mas quantos vieram?".
Não eram mais de meia dúzia. Entre eles estava Maria Alcina Lopes e a sua opinião não deixava margem para dúvidas: "Este crime tem uma motivação racista e o racismo tem de ser punido exemplarmente. Não me interessa se o Giovani era branco ou preto. Tem a idade do meu filho, e isso é que me impressiona. Se eu mandar o meu filho estudar para Portugal, quero saber que ele está seguro".
Gianni Filipe e Jenilson Modesto, 18 e 16 anos, ouvem a conversa e resolvem intervir: "Nós não dizemos que todos os portugueses são racistas, mas a verdade é que, aqui no Luxemburgo, são eles quem mais nos discrimina. Chamam-nos constantemente de macacos e pretos de merda".
Lizzy também tem uma coisa a dizer. Adora Portugal e tem tantos amigos portugueses que não se conforma que eles hoje tenham falhado a chamada. "Há sinais, sabe? Eu trabalho numa cantina, já fiz limpezas, e, mesmo que tenha mais experiência que uma portuguesa, sei que ela me vai dar o pior trabalho e o pior turno. E estas coisas moem, aleijam devagarinho. Se ao menos tivessem vindo hoje chorar connosco uma morte tão injusta, era um consolo que nos davam".
