Os portugueses de Pétange. Rita e Pedro da clínica dentária
Os portugueses de Pétange. Rita e Pedro da clínica dentária
Pedro e Rita conheceram-se em Coimbra, quando estudaram juntos na faculdade. Ele vivia lá, ela era de Bragança. Para nenhum deles a medicina dentária foi uma primeira opção. Pedro estava indeciso entre ser dentista, fisioterapeuta ou veterinário. Rita queria ser juíza. Acabaram por se formar na mesma área e hoje são médicos dentistas. Em 2015, ele decidiu emigrar para o Luxemburgo. Dois anos depois, ela seguiu-lhe as pegadas. Juntos decidiram comprar uma clínica em Pétange. Trabalham na Ambrósio&Tavares, na Avenue de la Gare, há cinco anos e meio.
Antes de pensar mudar-se para o Grão-Ducado, Pedro tinha tudo tratado para emigrar para o Reino Unido. "Estava à procura de clínicas, mas um amigo propôs-me vir para cá. Eu analisei a realidade do país e acabei por decidir vir", recordou. Mais tarde, ele falou com a Rita, que também aceitou o desafio. "Apresentou-se esta possibilidade e foi um país que nos recebeu muito bem", disse ela. Quando chegaram, não conheciam ninguém, mas depressa se adaptaram ao novo país. "Acho que quem nunca veio ao Luxemburgo não tem uma verdadeira noção. É um país muito mais jovem do que eu pensava, com uma multiculturalidade muito grande e muitos espaços verdes", acrescentou ele.
Sabíamos que há uma grande comunidade portuguesa e a procura é maior por médicos portugueses. Não só em Pétange, mas também nas fronteiras.
Pedro Ambrósio
Ambos sentem um pouco a falta do mar e do sol de Portugal, mas acabam por compensar com as viagens frequentes. "Vamos algumas vezes, porque fazemos formações em Portugal, o que nos possibilita ver a família e estar mais em contacto com o nosso país. Mas vir para o Luxemburgo foi uma boa decisão", garantiu Rita, 35 anos. Ambos vivem em Belval, Esch-sur-Alzette, mas optaram por comprar a clínica em Pétange porque era o imóvel que estava em melhor estado. "A nível geográfico também era bom, porque sabíamos que há uma grande comunidade portuguesa e a procura é maior por médicos portugueses. Não só em Pétange, mas também nas fronteiras", justificou Pedro, 33 anos.
Compraram o espaço, que já era uma clínica, e remodelaram. Têm ainda duas assistentes e duas médicas colaboradoras. A maior parte das consultas são em português, mas também em francês, inglês ou espanhol. "Uma grande percentagem dos nossos pacientes é portuguesa, talvez 85%. Aqui no Luxemburgo acaba por ser inevitável, porque a comunidade portuguesa é tão grande e procura exclusivamente médicos que falem português. Mas também temos pacientes luxemburgueses, belgas e franceses", afirmou Rita.
Em Portugal, vai ao dentista quem realmente precisa, em caso de urgência, e quem pode pagar. É uma realidade muito frustrante.
Rita Tavares
A médica está a fazer formação na área da ortodontia em Portugal e no Luxemburgo dedica-se à odontopediatria, especialidade no cuidado da saúde oral das crianças. Já Pedro continua a atender de forma generalista, mas tem feito toda a sua formação na parte da cirurgia. Os dentistas notam que também neste país há alguma falta de cuidado na saúde oral. "Ainda que o acesso à saúde no Luxemburgo seja diferente ao de Portugal, noto que ainda há uma percentagem grande de pessoas da comunidade com um estado de saúde oral bastante débil", reconheceu Rita. "Temos pacientes que estão connosco há cinco ou sete anos, mas também temos os que estão connosco há dias, o que também pode justificar essa falha no controlo e no cuidado da saúde oral", concordou ele.
Comparando a realidade da profissão em Portugal e no Luxemburgo, os médicos admitem que há grandes diferenças. "As consultas aqui são reembolsadas. Em Portugal vai ao dentista quem realmente precisa, em caso de urgência, e quem pode pagar. A realidade em Portugal é muito frustrante. O mercado está saturado. Existem muitos dentistas, o preço das consultas é por competição, ou seja, é muito baixo. A nossa realidade, enquanto proprietários de uma clínica no Luxemburgo, é completamente diferente", garantiu a dentista.
Quero regressar a Portugal um dia, mas provavelmente não como dentista. Quando pensar nisso, não será para exercer esta profissão.
Pedro Ambrósio
Pedro partilha da mesma opinião da colega: "Em Portugal é tudo privado, não há nenhum suporte do Estado. Não é só falta de apoio institucional, mas também porque a nossa área foi esquecida. Chegamos ao ponto ridículo de um gestor em Portugal ser proprietário de 20 ou 30 clínicas, o que não faz sentido. Qualquer pessoa podia abrir uma clínica", criticou. Por isso, um regresso a Portugal é uma incógnita. "Eu quero regressar a Portugal um dia, mas provavelmente não como dentista. Quando pensar nisso, não será para exercer esta profissão. Posso sempre manter cá uma vinda mensal para fazer as cirurgias, mas, em termos de trabalho, não me vejo a continuar a ser dentista em Portugal", confessou ele.
Para Rita é exatamente a mesma coisa: "Quando voltar para o meu país já não quero ser dentista", assegurou. Ambos gostam muito da profissão que exercem, mas reconhecem que há coisas boas e más. "Para mim, o melhor é o contacto com o público. E a exigência técnica e a necessidade de estar sempre atualizado", disse ela, apoiada por Pedro. "O sentimento de poder ajudar alguém, principalmente quando são mudanças muito grandes. Há pessoas que não sorriem e não conseguem estar à vontade. Nós conseguimos dar de volta essa felicidade".
Leva-se muito trabalho para casa com a gestão da clínica. É complicado, principalmente porque fazemos muita formação e precisamos de horas de estudo.
Rita Tavares
O pior, concordam, é a exigência, "tanto a nível mental como física". "Cada um de nós tem um dia de folga e ao fim de um tempo começa a pesar. Não são só as horas de trabalho na clínica, mas também as que usamos para planear os casos. Não é uma profissão em que se possa deixar os emails para responder no dia seguinte. As pessoas têm necessidades e nós temos a obrigação de dar os cuidados necessários", lembrou o dentista. "Leva-se muito trabalho para casa com a gestão da clínica. É complicado, principalmente porque fazemos muita formação e precisamos de horas de estudo. É preciso capacidade de sacrifício e dedicação à causa", concluiu Rita.
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