Os leopardos que ocuparam os bosques do Luxemburgo
Os leopardos que ocuparam os bosques do Luxemburgo
É que não me apetecia mesmo nada cozinhar. Depois de semanas fora do país e dois ou três dias no Luxemburgo a comemorar o regresso com os meus amigos, chegou domingo à noite e fui tomado de assalto pela preguicite aguda.
Não há assim tantos restaurantes abertos na cidade nesse dia, mas há sempre Clausen. Em Clausen consegue-se sempre arranjar um lugar para jantar. Todos os dias, e mesmo fora de horas. É também isso que torna o bairro numa pérola extraordinária da capital.
Estava aberto o restaurante do Patrick, o Maybe Not Bob’s. Não me pareceu má ideia dar conta de um hambúrguer e ainda por cima podia dar um abraço à Ana, gerente da casa. Nesse dia tinha ido lá parar um amigo dela que gostava de animais, de Clausen e do Luxemburgo. Já tínhamos três pontos em comum para começar uma conversa. Ele convidou-me para me sentar com ele enquanto despachava a janta. Apresentou-se com um aperto de mão forte. Chamava-se Steven.
O Steven não gostava apenas de Clausen, ele conhecia o bairro profundamente. A sua família materna, contou-me ele, tinha-se instalado nestas margens do Alzette no século XIII – e aqui permaneceu nos últimos 800 anos. Viram o Luxemburgo crescer, erguer uma fortaleza e depois derrubá-la.
E o meu novíssimo amigo, por causa desse legado, há muito que decidira fazer-se historiador amador. Andou a consultar registos da cidade, vasculhou documentos em latim, encontrou histórias do arco da velha. E depois contou-me esta, que eu achei verdadeiramente extraordinária.
Tudo o que conhecemos hoje como Clausen fazia parte do castelo de Mansfeld, erguido no final do século XVI. Era um edifício renascentista, com uns sumptuosos jardins cheios de estátuas e fontes – que valeram ao edifício o nome de La Fontaine.
O edifício acabaria por ser demolido depois da morte do conde Pierre de Mansfeld, governador do Luxemburgo, em 1604. Mas na sua época áurea foi um dos mais belos edifícios do estilo. O político era de alguma forma um excêntrico. Colecionava arte, coisa rara para a época, e gostava particularmente de animais.
Nos terrenos em volta de Clausen, instalou uma zona de caça e outra com um parque de animais exóticos. Foi esta última que me impressionou particularmente. Quem sobe para Neudorf encontra à direita uma estrada fechada ao trânsito, mas ainda circulável. Esse caminho leva a Cents – e era aí que ficava o improvável jardim zoológico.
Mansfeld encheu aquela zona de toda a espécie de bichos provenientes do norte de África. Steve não me conseguiu especificar quais eram as espécies exatas que ocupavam aquele pedaço da floresta, mas olhando para um mapa zoológico do Magreb percebemos as probabilidades: há 500 anos imperavam as populações de hienas, gazelas e leopardos. É muito provável que fosse essa a bicharada a habitar os bosques da cidade.
Há uns tempos vi um veado atravessar a estrada perto de Neudorf e achei isso um espanto completo. Mas pensar que um dia houve leopardos em Clausen é seguramente mais perplexante. E fico a pensar que desde os tempos antigos que o bairro histórico da capital tem esta tendência de receber bem os forasteiros. Acabei o meu jantar e despedi-me de Steve bastante contente. Não só fiz um amigo novo como aprendi qualquer coisa importante. Há qualquer coisa de mágico em Clausen.
(Grande Repórter)
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