Origami eleitoral
Origami eleitoral
No próximo dia 6 de outubro os portugueses vão eleger um novo Parlamento. No Luxemburgo, parece não seguirmos com atenção a campanha eleitoral. Ao eventual desinteresse que podem ter as caravanas eleitorais dos vários partidos soma-se o facto de estarmos longe do país. Na emigração, muitos de nós seguimos a política portuguesa como na célebre parábola da caverna de Platão. Os gritos e as palavras da campanha eleitoral chegam-nos aqui como murmúrios. Sombras de uma realidade que decorre fora do nosso olhar.
Este ano, pela primeira vez houve um recenseamento automático que aumentou em muito o número de portugueses no estrangeiro que podem votar nas eleições legislativas.
Foram gastos milhões de euros para mandarem uns estranhos envelopes origami de confeção duvidosa, em que os poucos milhares que votam ficam com nítida sensação que o seu boletim será enviado para um buraco negro, sem terem a mínima certeza que o seu voto seja de facto contabilizado.
Numa altura em que a geopolítica se tornou um negócio cada vez mais explosivo, temos votos que passam, sem nenhuma proteção, pelos correios de outros Estados. Aquilo que nos garante é a nossa insignificância. Nenhum outro governo, por mais pirata que seja, gastaria uma moeda para manipular as eleições em Portugal.
Se calhar, porque nada está suficientemente em causa nestas eleições e porque parece impossível qualquer escolha que não seja manter tudo como está.
No início da crise, um dos grandes cronistas do “Financial Times” comparava os dogmas da doutrinas económicas que cristalizaram nas políticas da troika à decisão de um condenado à morte, a quem é dada a possibilidade de viver caso ensine inglês ao cavalo do rei. O homem aceita o desafio pensando: “Neste ano, o rei pode morrer, eu posso fugir e até o cavalo pode aprender inglês”.
Não consta que o equídeo em questão tenham aprendido em inglês, nem que o governo português e o diretório europeu, em vésperas de uma possível nova crise económica e financeira, tenham percebido as razões pelas quais tudo correu mal há uns anos.
Enquanto nada se faz, os portugueses continuam a ser fervidos grau a grau e lentamente não percebendo que estão mesmo a ser fervidos. Isso percebe-se pela contínua saída de gente para outros países e pelo facto das razões que estão subjacentes ao nosso atraso estrutural estejam longe de ser sequer discutidas nesta campanha eleitoral.
Para nós que estamos longe, só nos resta conseguir colar o divertido envelope que nos enviaram pelo correio.
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