“Não sei alemão nem francês, como posso ajudar os meus filhos nas aulas em casa?”
“Não sei alemão nem francês, como posso ajudar os meus filhos nas aulas em casa?”
Carla Martins tem três filhos de seis anos, nove, e 18 anos, todos atualmente a estudar em casa, no Luxemburgo, através do ensino à distância motivado pelo confinamento, em tempos de epidemia do novo coronavírus.
Numa primeira fase, foi esta portuguesa que ficou de licença parental a cuidar dos filhos, mas o marido, trabalhador da construção civil ficou sem trabalho, em desemprego parcial. Por isso, agora é ele quem está em casa. Como sempre trabalhou entre portugueses nos anos todos que estão imigrados no Grão-Ducado, “sabe mal o francês” e “não percebe uma palavra de alemão”.
“Como é que o meu marido pode ajudar os meus filhos? Eu ainda sei francês, mas ele não. Não lhes consegue explicar os deveres quando eles pedem ajuda. Como é que eles podem aprender assim? Como vão aprender e passar de ano? É uma aflição!”, questiona esta mãe portuguesa que afirma estar “muito nervosa e preocupada” pelos seus filhos.
“Quando chego a casa ainda tento fazer os trabalhos com eles, mas não é suficiente. Eu e o meu marido, que tem o 9º ano, não somos professores e acho que os meus filhos vão ficar prejudicados”, desabafa.
O caso de Lara, de 9 anos
O maior problema é a filha de nove anos, Lara, que “está fraca nas disciplinas de línguas como me avisou a professora”. “Lara tem tido sempre apoio no ATL, mas agora também estão encerrados”, lembra esta mãe que já contactou a professora da filha.
“Ela compreendeu a situação e disse que ia falar com o presidente da escola, mas ainda não há resposta”, diz Carla Martins que já contactou o ministério da Educação que a encaminhou “para o ministério da Saúde”, o qual também não deu resposta para o seu problema. “O governo decidiu e bem que a guarda das crianças neste período sem aulas ficasse assegurada por um dos pais, mas a aprendizagem deles não está assegurada e muitos alunos como os meus filhos vão ficar prejudicados”, argumenta esta mãe.
"Oh filho, eu ajudava-te", mas...
As preocupações de Carla Martins são as mesmas de muitos pais portugueses radicados no Grão-Ducado pois, neste momento, sentem o peso de “poder estar a prejudicar os seus filhos por não os poderem ajudar”, realçou Carlos Pato, secretário-geral do Sindicato de Professores no Estrangeiro (SPE).
“Oh filho eu ajudava-te mas não percebo o que está escrito”, ou “não domino essa matéria”. Para este dirigente, também professor, custa-lhe ouvir esta frase que lhe é repetida pelos pais portugueses que o abordam a ele e aos elementos do sindicato ou colegas professores.
“Os pais não têm capacidades para ensinar as crianças, embora o quisessem fazer e ficam deveras preocupados”, garante Carlos Pato. Entre a a comunidade portuguesa, muitos são aqueles que não o conseguem fazer, porque não têm conhecimentos para tal e sobretudo por não dominarem a língua alemã ou luxemburguesa falada nas escolas”.
Grande entreajuda entre alunos
O que vale é a “grande entreajuda e solidariedade” que existe na comunidade portuguesa a este nível. “Alunos mais velhos, bons alunos, dão explicações e apoiam os estudantes mais novos”, como os professores portugueses não negam apoio aos compatriotas que os procuram, sobretudo nesta situação de escola em casa. Se as escolas continuarem encerradas, quem sabe, até ao final do ano escolar, há muitos alunos a quem irão faltar competências para compreender as matérias do ano seguinte, perspetiva Carlos Pato. Em seu entender há que acautelar estas falhas na avaliação deste ano escolar especial.
Também António Valente, da associação de pais da escola de Junglinster e presidente do Comité de Ligação das Associações Estrangeiras (CLAE) sublinha a preocupação pelos alunos portugueses ou lusodescendentes.
"Nem todos têm computadores"
“A língua alemã é a grande dificuldade dos alunos não só portugueses e luso-descendentes como de outras nacionalidades imigrantes”, vinca este pai de uma aluna de 16 anos. “Não sei alemão, nem luxemburguês, nem domino bem o francês como vou ajudar o meu filho nas aulas em casa?” questionam a António Valente.
Além da dificuldade dos conhecimentos das disciplinas há também problemas logísticos. “Há pais que não têm computadores em casa, nem impressoras, só têm telemóveis, o que se torna ainda mais difícil para os alunos poderem desenvolver todos os trabalhos pedidos. Outros não dominam a informática e não sabem aceder às plataformas das escolas ou realizar tarefas simples”, frisa.
António Valente declara que pelo feedback que tem tido, “a grande maioria dos professores está a apoiar os pais e estes alunos”. “Há professoras que vão de casa em casa deixar os planos de trabalhos dos seus alunos nas caixas de correio e estão em contacto com eles através das plataformas de ensino colocadas à disposição pelo governo, ou pelas redes sociais”.
Pais têm de pressionar escolas
Aliás, há professores de nacionalidade portuguesa que já estão a ajudar os pais da comunidade portuguesa explicando-lhes os deveres escolares dos filhos.
A todos os pais portugueses que sintam não ter o apoio suficiente dos professores, António Valente aconselha a “dirigirem-se ao presidente da escola dos seus filhos e à associação de pais dando conta da situação”. Para que os alunos portugueses tenham o “melhor apoio”.
Tal como Carla Martins, também outra mãe portuguesa, licenciada, confessa a dificuldade em ajudar o seu filho mais novo, de oito anos, com os deveres em alemão. “Eu própria não tenho competências ao nível deste idioma pelo que a cada ficha vou à procura das palavras nos dicionários cá de casa, vou ao google tradutor e tento ajudar o meu filho”, explica Andreia frisando estar a ter “todo o apoio da professora”.
No seu caso, até pode ter conversas privadas com estes educadores, o que permite “um melhor auxílio” aos seus filhos.
Andreia está em casa, em teletrabalho e segundo conta, neste modelo de escola em casa, a ajuda constante com as matérias do filho mais novo, o primogénito tem 12 anos, faz com que o seu dia de trabalho “seja mais comprido”. “É o meu e dos outros pais que também estejam em teletrabalho. O período de aulas que normalmente é passado na escola, agora os estudantes passam-no em casa e nós temos de dispor de tempo para eles, além do nosso trabalho”.
O risco das desigualdades
Outro das situações reportadas por estes pais “é a carga elevada de trabalhos escolares que os professores enviam aos alunos”, o que “dificulta ainda mais o auxílio” destes pais aos seus educandos.
Todos estes pais são da mesma opinião: “O ensino em casa, embora seja a solução possível de momento, vai acentuar as desigualdades de oportunidades entre alunos”, neste caso entre portugueses, que podem ficar “prejudicados por não terem o apoio habitual nas aulas normais”.
O mesmo alerta já foi lançado pela central sindical OGBL na semana passada. “Os pais não são professores” e o que o ministério fez foi delegar-lhes as funções de um educador “para as mãos dos pais”, como sublinha ao Contacto Eduardo Dias, responsável do departamento de imigrantes da OGBL.
Para esta central sindical durante este tempo de aulas em casa a matéria enviada pelos professores deveria ser “exclusivamente baseada em repetições das matérias adquiridas ou o aprofundamento”.
O fraco conhecimento ao nível dos idiomas como francês ou alemão pelos pais, a sobrecarga de trabalhos enviados pelos professores ou a falta de equipamento informático nas casas dos portugueses, são também vincados por esta central sindical. Factores que irão acentuar “as desigualdades de oportunidades entre alunos”, vinca Eduardo Dias.
Alertas ao governo
Por isso, a OGBL exige garantias por parte do Ministério da Educação: “O impacto das medidas atuais sobre as desigualdades sociais já existentes tem de ser minimizado” e tem de ser “dada prioridade às crianças de contextos desfavorecidos que provavelmente serão os grandes prejudicados nesta crise”.
Será sexta-feira que estes pais e todos do Luxemburgo com filhos em idade escolar saberão se os estabelecimentos escolares vão continuar encerrados depois das férias a Páscoa devido ao risco de propagação da doença covid-19 e a escola em casa se prolongará por mais uns tempos. Se assim for a 20 de abril os estudantes voltarão aos deveres escolares em confinamento nas suas casas.
De acordo com o ministro da tutela,Claude Meisch para já está decidido que, em relação aos alunos que estão a frequentar o último ano de ensino secundário, os exames finais abrangerão as matérias tratadas até ao dia 13 de março.
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