Ministro do Trabalho. "É preciso aumentar o salário mínimo, está perto do limiar de pobreza"
Ministro do Trabalho. "É preciso aumentar o salário mínimo, está perto do limiar de pobreza"
Contacto: No mês de janeiro, durante a visita do secretário de Estado para as Comunidades Portuguesas, anunciou que tinham chegado a um acordo para organizar formação profissional em português, que poderia ser assinado em março. Isso ainda não aconteceu. Em que fase estão as negociações e quando vai ser assinado?
Nicolas Schmit, ministro do Trabalho: É uma boa questão [risos]. Sei que houve negociações, mas neste momento não sei se já conseguiram preparar um documento para ser assinado. Eu próprio vou estar em Portugal, no Porto, para uma conferência da OCDE sobre a formação profissional [dias 28 e 29 de junho], e gostaria que pudéssemos assinar o acordo nessa ocasião.
Segundo as minhas informações, já houve entretanto uma reunião em Lisboa para discutir este acordo.
Sim, houve uma reunião com especialistas em Lisboa, mas ainda não vi o documento. Vou informar-me agora para saber em que ponto estamos.
A possibilidade de organizar formação profissional em português parece-lhe um objetivo importante?
Sim, porque hoje em dia a chave do mercado de trabalho é ter uma boa formação profissional, e se pudermos facilitar o acesso à formação, nomeadamente para aqueles que têm dificuldades em encontrar ou voltar a encontrar um emprego, é uma mais-valia para todos: para os trabalhadores, para as empresas e para o Estado, que combate o desemprego. É importante adaptar a formação, também no plano linguístico – ainda que, volto a dizer, seja preciso que toda a gente fale pelo menos uma língua do país corretamente. Em geral, para os portugueses, é o francês, e se não dominam a língua francesa, é preciso que a aprendam. Isso não impede que possamos ajudar, através da formação em português, mas aprender uma das línguas praticadas no Luxemburgo é muito importante.
É a favor do aumento do salário mínimo social, e disse mesmo que gostaria que aumentasse cem euros. O primeiro-ministro Xavier Bettel não concorda, e Claude Wiseler, o líder da oposição, também não – é uma coisa em que estão de acordo.
Em primeiro lugar, que eles concordem ou não, não é problema meu. Eu e o meu partido [LSAP] – porque esta reivindicação foi apoiada de forma clara pelo meu partido – vamos bater-nos por um aumento do salário mínimo. Para nós, é preciso assegurar um aumento estrutural de cem euros líquidos, além dos aumentos normais. Temos um sistema de adaptação dos salários de dois em dois anos e, da última vez, penso que houve um aumento de 1,6%, o que não é propriamente um grande aumento. É preciso dar uma ajuda extra ao salário mínimo. Neste momento, está perto do limiar da pobreza, que corresponde a 60% dos salários medianos, e não podemos dar a impressão às pessoas de que o trabalho não compensa ou não paga o suficiente. Isto não tem nada a ver com os preços elevados do alojamento: aí, também devem encontrar-se soluções. Mas é preciso que o trabalho pague; é preciso que as pessoas que se levantam de manhã e que vão trabalhar para um estaleiro de construção, ou para onde quer que seja, sejam pagas de forma a poderem ter pelo menos uma vida digna.
Neste momento, não é o caso.
Quando o salário mínimo social está próximo do limiar da pobreza, segundo a definição usada em toda a Europa, é preciso dar-lhe um impulso para o aumentar. E é por isso que defendemos este aumento, seja através do aumento direto, seja através da redução dos impostos – estamos abertos a discutir como pode ser feito. O número de contratações e a dinâmica do mercado de trabalho mostram que os salários não são demasiado elevados no Luxemburgo. Tive este debate na Câmara do Comércio e ninguém me contradisse. Que outros tenham opiniões divergentes, bem... Aceito. Com o senhor Wiseler, o problema é que nunca percebemos se o que importa é o que ele diz ou o que diz o senhor Spautz [presidente do CSV]. Quem tem razão, Wiseler ou Spautz? Estão sempre no vago. Não se pronunciam claramente contra nem claramente a favor, e o senhor Spautz está mais de acordo comigo. É preciso que um dia se decidam para que as pessoas saibam com o que contar nas eleições legislativas.
Mas no Governo [formado pelo DP, LSAP e Verdes] também não há acordo. Esta proposta não foi um ponto de fricção na coligação?
Não. Preferíamos que o aumento se fizesse nesta legislatura, mas um dos membros da coligação achou que não era a altura certa para o fazer. Registei. O outro membro da coligação também não se pronunciou de forma clara. É verdade que não estava previsto no programa da coligação governamental, mas para nós – e Étienne Schneider [ministro da Economia], do meu partido, já o disse – é um ponto essencial para poder formar uma coligação no futuro.
A Comissão Europeia e o FMI disseram que o Luxemburgo tem de fazer mais esforços para reduzir o desemprego das pessoas mais velhas e dos jovens, e propõem mesmo criar mais postos de trabalho para as pessoas mais velhas.
Criar trabalho para as pessoas mais velhas é uma coisa que já fazemos. Criei uma medida que visa propor um contrato de reinserção profissional a partir dos 45 anos, com uma subvenção de 50% para a entidade empregadora. O problema é que os empregadores não querem contratar pessoas mais velhas, mesmo com as ajudas que lhes damos.
Com 45 anos, nem sequer estamos a falar de pessoas velhas.
Sim, é perfeitamente absurdo. A outra coisa que fizemos foi criar empregos de inserção no setor social e associativo para as pessoas com mais de 50 anos, em que asseguramos o pagamento integral do salário, até ao limite de uma vez e meia o valor do salário mínimo. Que posso fazer mais? Temos 400 postos de trabalho nestas condições previstos para este ano. Já atribuímos cerca de uma centena e gostaria que o processo avançasse mais depressa.
Quem pode beneficiar desta medida?
Pessoas que têm direito ao subsídio de desemprego ou que recebem o RMG. Quero que estas pessoas saiam do desemprego e do RMG, e que usemos esse dinheiro para lhes dar um emprego, dando-lhes condições para terem uma certa segurança nas suas vidas.
E quanto aos jovens?
Não posso dizer que tenhamos propriamente um problema fundamental de desemprego entre os jovens. Temos um problema com os jovens não qualificados, e há alguns dispositivos para os ajudar a encontrar trabalho e a aceder à formação profissional. Esse é o desafio não só para os jovens, mas para todos os trabalhadores não qualificados: aceder à formação. Voltamos ao início: isto é válido para todos, incluindo as pessoas com origem na emigração. É preciso investir mais na formação para adaptar os perfis de quem procura emprego ao que as empresas procuram. É esse o grande problema no Luxemburgo.
Faltam pessoas qualificadas?
Não temos falta de emprego, temos falta de pessoas com o perfil que as empresas pedem. Podemos criar alguns empregos no setor social, mas não podemos ditar às empresas que tipo de emprego devem criar. Tivemos agora a notícia de que o projeto industrial previsto para o Sul do país [fábrica de lã de rocha Knauf] não virá para o Luxemburgo, e que em vez disso vai para França, a poucos quilómetros da fronteira. Era um projeto industrial que requeria perfis de pessoas qualificadas e não qualificadas. Bom, se não queremos estes projetos industriais, porque pelos vistos há quem ache que já temos demasiados, depois não se admirem se não tivermos trabalho para as pessoas com menos qualificações. Quando alguém quebra a dinâmica económica, depois não pode ficar surpreendido por não haver emprego, porque houve responsáveis políticos que criticaram este projeto [N.B.: o burgomestre de Sanem, Georges Engel, que se opôs ao seu colega de partido e ministro da Economia, Étienne Schneider; e o burgomestre de Differdange, Roberto Traversini, dos Verdes, ambos por questões ecológicas]. Não me podem pedir que crie mais emprego para pessoas com poucas qualificações se depois recusam projetos como este. Não podemos empregar todos os trabalhadores com poucas qualificações nas autarquias e nos organismos públicos.
Está preocupado com a venda da unidade da ArcelorMittal em Dudelange e com a possibilidade da perda de 300 postos de trabalho?
Bem, a Comissão Europeia obrigou a Arcelor a vender essa unidade, e outras, mas disse que a venda não deveria implicar a extinção de postos de trabalho. Vou cobrar-lhes essa promessa, e por isso a venda deve fazer-se, e aqui sou taxativo, com a total garantia da manutenção dos empregos e dos salários. Não há discussão. Não se pode obrigar a Arcelor a desfazer-se desta unidade [por motivos de concorrência], tomando como reféns os assalariados. Isso é inaceitável.
O FMI e Bruxelas criticaram o Luxemburgo, acusando-o de desincentivar o trabalho com ajudas financeiras demasiado generosas. Que comentário faz?
Isso é a linguagem neoliberal que eu detesto! – escreva isso. É a teoria de que se deve dar o mínimo dos mínimos de subsídio de desemprego para que as pessoas voltem a trabalhar. Para mim é claro que é preciso ajudar as pessoas a ultrapassarem momentos difíceis quando ficam sem trabalho. Temos um regime bastante severo na ADEM e, se a pessoa não aceita o trabalho proposto, há sanções, como a diminuição do valor do subsídio. Agora, vir pregar esta ideia de que é preciso cortar em todos os subsídios de desemprego? Enfim, é próprio de pessoas que estão fechadas nos seus gabinetes e não conhecem a realidade social.
Não é a primeira vez que se opõe às políticas neoliberais. Durante a presença da troika em Portugal, foi uma das poucas vozes críticas das políticas de austeridade. Como vê agora a situação em Portugal?
O Governo do primeiro-ministro António Costa, que eu conheço bem, está a mostrar que há outra via que não a da austeridade brutal. Portugal conduz neste momento uma política financeiramente responsável, mas ao mesmo tempo utiliza toda a margem possível para reparar os danos sociais que foram provocados pelas políticas de austeridade. Graças a isso, o Governo deu uma verdadeira nova dinâmica à economia portuguesa, e isso mesmo com o aumento do salário mínimo. Portugal mostrou que há outra via para lá da austeridade e que não se pode desmantelar o Estado social e destruir os salários. E está a ter uma transformação económica interessante, incluindo nas tecnologias, graças ao dinheiro investido na formação, e há cada vez mais start-ups e empresas de jovens. Essa a forma de um país se levantar, e não destruindo a base económica, como foi feito com as políticas de austeridade em Portugal, na Grécia e, em menor medida, em Itália – e vemos as consequências políticas nesses países.
O setor da construção emprega muitos portugueses. A OGB-L ameaçou vir aqui visitá-lo ao Ministério, com uma manifestação, se as negociações da convenção coletiva não avançarem. O que é que está a bloquear o acordo?
Em primeiro lugar, a negociação coletiva das convenções de trabalho não é uma responsabilidade do ministro do Trabalho.
Mas vai passar rapidamente a ser, porque a OGB-L já pediu uma reunião de conciliação, e o seu Ministério terá um representante nas negociações.
Acompanho de muito perto a situação, num setor que é muito importante na vida económica do Luxemburgo e que está de boa saúde. Vou refletir de que forma posso encorajar as partes [patronato e sindicatos] a encontrar uma base de diálogo para encontrar uma solução equitativa, mas isso não se faz na praça pública.
Ainda sobre o setor da construção: em 2016, registaram-se várias mortes de trabalhadores portugueses. Nessa altura, disse que ia aumentar o número de inspetores na Inspeção do Trabalho [ITM]. Quais são as dificuldades para contratar mais inspetores?
Vamos apresentar o relatório do ITM esta semana. Fazemos todos os esforços possíveis e imagináveis para recrutar mais inspetores e temos autorização do Governo para o fazer. O problema bloqueia nos candidatos.
Porque não têm as qualificações necessárias, ou porque não falam luxemburguês?
Bom, eles têm de falar luxemburguês de qualquer forma, mas têm de fazer o exame para a Função Pública. É preciso desde logo que haja candidatos suficientes, porque ser inspetor do trabalho não é a profissão mais fácil do mundo: implica um determinado número de competências pessoais, técnicas, jurídicas e sociais. Um inspetor do trabalho tem de ter uma formação relativamente intensa, que não é a mesma noutros setores da administração. Talvez a atratividade da profissão não seja suficiente. Propus aliás um projeto-lei para que os inspetores que estão no terreno aos fins-de-semana, por exemplo, possam beneficiar de pagamento suplementar, e espero que o possamos aprovar rapidamente. É preciso revalorizar a carreira dos inspetores do trabalho para a tornar mais atrativa. Tentámos conseguir alguns candidatos através da ADEM, mas infelizmente chumbaram no exame de admissão à Função Pública.
Disse que têm dificuldades para encontrar candidatos com o perfil necessário, mas se não os há no universo de pessoas que falam luxemburguês, por que não abrem o concurso a outras pessoas? É preciso mesmo falar luxemburguês para fiscalizar estaleiros de construção com trabalhadores portugueses e romenos?
Bem, acho que é necessário falar luxemburguês e outras línguas, como francês e alemão, e, se possível, ainda uma outra língua – e, por que não, para os que fazem inspeções no setor da construção, também português. Mas os inspetores não encontram apenas trabalhadores portugueses nos estaleiros de construção: há muitos romenos, polacos, da Lituânia, etc.
Não encontram de certeza é luxemburgueses.
Não muitos, mas são funcionários luxemburgueses e, a priori, devem falar luxemburguês. É por isso que é importante aprender outras línguas. Compreendo que, para alguém que trabalha duramente durante oito horas, não seja fácil ir estudar línguas, mas aprender idiomas é sempre importante. Se as pessoas têm a ambição de trabalhar no ITM, por que não ir estudar luxemburguês? Mas acho que esse não é o principal problema. É preciso ter pelo menos o ensino secundário – em todos os outros países, as exigências são mais elevadas, são pessoas com estudos superiores. Nós recrutamos pessoas com o ensino secundário.
Paula Telo Alves
