Luxemburgo. Rendas 'loucas' obrigam portugueses a irem viver para países vizinhos
Luxemburgo. Rendas 'loucas' obrigam portugueses a irem viver para países vizinhos
"Já existem cerca de 10 mil luxemburgueses e sete mil portugueses que deixaram o Luxemburgo para ir viver para os países vizinhos, França, Bélgica e Alemanha, por causa dos preços altíssimos da habitação no Grão-Ducado”, afirmou Emmanuelle Lebau, conselheiro municipal e candidato à Câmara de Metz nas eleições de março.
“O Luxemburgo está com preços de casas e rendas completamente loucas que não dá para as famílias suportarem, por isso, estão a vir viver para o outro lado das fronteiras, mas mantém os seus trabalhos no Grão-Ducado”, adianta este conselheiro municipal. Emmanuelle Lebau refere que na cidade de Metz e pelo distrito verifica-se um "aumento crescente" de portugueses e luxemburgueses que escolheram aquela região para viver e abandonaram o Grão-Ducado.
A cidade de Metz dista apenas a 60 km da capital do Luxemburgo, demorando a viagem de comboio, cerca de 40 minutos. Também a vereadora portuguesa Nathalie de Oliveira, da autarquia de Metz estima que o número de portugueses nesta região esteja a aumentar, e “muitos devem vir do Luxemburgo por causa do preço da habitação, que se tornou um problema muito sério”.
Contudo, a vereadora explica que não há números oficiais porque nas estatísticas em França é proibido distinguir os habitantes por nacionalidades ou etnias. “Tenho visto muitas caras novas nas minhas visitas, às associações, localidades, cafés. “Não posso dar estatísticas, mas penso que posso falar em centenas de famílias novas de portugueses que passaram a residir neste distrito, alguns vindos de Portugal, mas outros, penso que se mudaram do Luxemburgo para cá. E continuam a trabalhar lá”.
Cada vez mais portugueses em Villerupt
Joaquim Loureiro, residente em Villerupt, em Meurthe-et-Moselle, e condutor de pesados numa empresa de Esch-Sur-Alzette, confirma o aumento de famílias portuguesas no lado de lá da fronteira francesa.
“Estão a chegar mais portugueses do que luxemburgueses a Villerupt. E são cada vez mais. Deixam o Luxemburgo e mudam-se para aqui, porque já não conseguem pagar a renda da casa lá. Os preços são exorbitantes”, conta ao Contacto.
Estudos revelam que os inquilinos do Grão-Ducado gastam, em média, mais de 30% do salário na renda da casa, no Grão-Ducado, indica um relatório recente sobre a crise na habitação, da Chambre des Salariés, do Luxemburgo.
Rendas 70% mais baratas
“Os portugueses que se mudam para cá, com quem falo, dizem que têm pena de deixar o Luxemburgo, mas não há outra alternativa”, refere Joaquim Loureiro, que chegou há 15 anos a esta localidade francesa e ali comprou casa, porque não “tinha dinheiro para os preços do Luxemburgo, mas preferia ir para lá”.
Ainda hoje, a diferença das rendas das casas entre o Grão-Ducado e esta região francesa “é muito grande, anda à volta dos 60% a 70%”, diz este português e exemplifica: “imagine, por um apartamento igual aqui paga-se 500 euros de renda, por mês, enquanto no Luxemburgo custa mais de 1200 euros, por mês”.
Contudo, muitas pessoas optam por comprar casa neste lado da fronteira. “Mesmo os casais novos dizem-me que vêm para ficar e compram casa. A diferença de preço vale a pena”, declara Joaquim Loureiro.
De facto, “quase um quarto das casas colocadas no mercado para venda são adquiridas por novos residentes que vêm no Luxemburgo”, entre eles muitos portugueses, contou Alain Casoni, presidente da câmara da cidade numa reportagem da RTL.
“Aqui, o preço de uma casa velha é de cerca de 2.000 euros por m2, enquanto no Luxemburgo, o preço mínimo é de cerca de 5.000 euros", comparou Alain Casoni declarando que esta “imigração está claramente relacionada com o preço elevado do mercado imobiliário”.
Habitação: principal prioridade
Um novo estudo do Eurobarómetro volta a revelar que a habitação é o principal problema dos habitantes do Grão-Ducado. Entre os inquiridos do Luxemburgo, 71% elegeu a dificuldade em encontrar casa como a preocupação número um, refere o estudo realizado em novembro, e divulgado na passada semana pela Representação da comissão Europeia no Luxemburgo.
"Isso não é uma surpresa para o Luxemburgo", disse Tommy Klein, diretor de atendimento ao cliente da TNS Ilres, que apresentou o estudo com Yuriko Backes, chefe da Representação. "Mas deve-se notar que essa preocupação aumentou 20% nos últimos três anos", acrescentou.
Também no artigo recente da Fundação Idea se destaca que habitação é a “prioridade nº 1 no Luxemburgo desde 2010”.
“Os preços no setor imobiliário aumentaram 56% entre 2010 e 2019, enquanto o índice de preços na construção não progrediu “além” dos 19% e o salário médio não ultrapassou os 35%”, compara o estudo “10 anos em 10 gráficos”, entre 2010 e 2019, desta fundação.
"Perder horas nas filas"
E dá um exemplo: “Atualmente para comprar um apartamento de 50 m2 no Grão-Ducado são necessários 15 anos de salário mínimo, enquanto em 2011, só seriam necessários 11 anos do mesmo salário”.
Joaquim Loureiro frisa que entre os seus novos “vizinhos” há portugueses que deixaram o Luxemburgo “depois de muitos anos a morar lá, desde que emigraram de Portugal”.
Todos mantêm o mesmo emprego no Luxemburgo. Só que tornar-se transfronteiriço implica “passar a perder horas nas filas de trânsito”, nas estradas entre França e o Luxemburgo, o que “não estavam habituados”. Mas tem de ser “pois o preço das casas em França compensa”, garante Joaquim Loureiro afirmando que há gente que chega a “mudar-se para sítios em França, a 80 km de distância do Luxemburgo”.
Mais de 200 mil transfronteiriços
Entre 2010 e 2019, o número de transfronteiriços aumentou 30%, residindo mais de metade na França (52%) e na Alemanha e Bélgica em igual percentagem, 24%. Em setembro de 2019, esta população ultrapassou os 200 mil, representando agora cerca de 45% dos trabalhadores do Grão-Ducado.
Preço das rendas das casas na Valónia, Bélgica.
Os luxemburgueses e portugueses que tiveram de deixar o país para residir no outro lado da fronteira contribuíram para este aumento.
Contabilizando apenas os transfronteiriços luxemburgueses, a 29 de março de 2019, residiam 3520 na Bélgica, 3320 na Alemanha e 3090 em França, num total de 9930 pessoas, o que corresponde quase à população do município de Ettelbruck, de acordo com dados da edição francesa do Wort.
Também o relatório ‘Quality of Work in Luxembourg 2019’ da Chambre des Salariés do Luxemburgo revela que “2% a 3% dos luxemburgueses vive no outro lado da fronteira, nos países vizinhos, e vem todos os dias trabalhar para o Grão-Ducado”. No entanto, não é possível aferir se estes trabalhadores se mudaram para outro país por causa do preço do mercado imobiliário, dado que este não é o objetivo do relatório como explicou ao Contacto Claude Roeltgen, conselheiro executivo da Chambre des Salariés.
Êxodo está a aumentar
Contudo, Claude Roeltgen confirma a existência de uma mudança crescente dos habitantes do Luxemburgo para os países vizinhos, provocado pelos preços astronómicos da habitação.
“É óbvio que este fenómeno existe e que o crescimento dos preços dos imóveis está a impulsionar este desenvolvimento. No entanto, a nossa câmara não tem dados recentes sobre a extensão deste fenómeno”, declara Claude Roeltgen.
A Chambre des Salariés tem proposto recomendações ao governo para combater a especulação imobiliária, pressionar os proprietários a vender os terrenos para construção de imóveis e alterar a legislação para beneficiar mais o inquilino.
Enquanto nada for feito continuará a crescer o número de habitantes que terá de deixar o Luxemburgo e mudar-se para a França, Bélgica, ou Alemanha, engrossando ainda mais as já longas filas de trânsito nas horas de ponta nas estradas utilizadas pelos transfronteiriços.
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