Grão-Duque Henri: "Isabel II tinha um enorme carisma"
Grão-Duque Henri: "Isabel II tinha um enorme carisma"
A Grã-Bretanha está de luto e o chefe de Estado luxemburguês está também profundamente comovido e entristecido com o desaparecimento da monarca britânica. O Grão-Duque Henri conheceu bem a Rainha Isabel II. Em entrevista ao Luxemburger Wort, Henri relembra a monarca que o marcou pela sua simpatia e discrição.
Muitos luxemburgueses choram, por estes dias, a Rainha Isabel II. Na sua mensagem de condolências ao rei Carlos III evocou os laços estreitos que unem as (vossas) famílias. Que recordações pessoais tem da monarca britânica?
Conheci Isabel II quando ainda era pequeno, porque fui muitas vezes a Inglaterra com os meus pais, nos anos 70. A Rainha tinha um enorme carisma. Isabel II era muito agradável e tinha uma grande habilidade para lidar com pessoas. Juntamente com a Grã-Duquesa, visitei-a em muitas ocasiões, por exemplo, em festas em Inglaterra.
Ao longo de décadas, a Rainha construiu uma reputação de monarca trabalhadora e disciplinada que não se queixava. Essa é a imagem pública. Como via Isabel II?
Isabel II nunca se queixou de nada - pelo menos não em público. Penso que em privado também mantinha o seu caráter. A Rainha e o príncipe Filipe amavam-se muito, era algo muito especial. Nunca falámos de política. De vez em quando, falávamos de economia.
A Rainha Isabel era muito agradável e tinha uma grande habilidade para lidar com pessoas.
Grão-Duque Henri do Luxemburgo
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra ofereceu exílio à sua mãe, Grã-Duquesa Charlotte. Como é que os anos de guerra marcaram a relação entre as duas famílias?
Penso que foi o início de uma amizade muito forte entre as duas famílias. Não devemos esquecer que a Grã-Duquesa Charlotte deixou Portugal para ir diretamente para a Grã-Bretanha com o Governo. Encontravam-se lá regularmente. O meu pai juntou-se então ao exército britânico. Na altura, teve de se candidatar e obteve autorização oficial do rei de Inglaterra para se juntar ao exército. Tornou-se coronel da Guarda Irlandesa e participou no "Trooping the Colour". Para ele, foi algo muito especial. E penso que foi também muito bom para a relação entre a Grã-Bretanha e o Luxemburgo.
Essa união atravessa gerações?
Sim, na Grã-Bretanha tivemos oportunidades relativamente frequentes de conhecer o rei Carlos III, fizemos coisas diferentes juntos. A covid-19 refreou um pouco essa ligação.
Na sua mensagem de condolências escreve: "A Rainha, como a monarca mais antiga, desempenhou um papel fundamental na história do Reino Unido". Está a referir-se a eventos concretos?
Penso que quando alguém está no trono há 70 anos, faz parte da história. A Rainha viveu grande parte do século XX e uma parte considerável do século XXI. Isso deu-lhe autoridade moral. Isabel II estava acima dos partidos, acima da política, mas a sua influência não era menos importante. A Rainha era ouvida, em particular, quando o primeiro-ministro a visitava, mas também por outras figuras políticas. Ninguém sabe realmente o que foi dito nestas audiências, mas é possível ter transmitido conhecimentos importantes que tiveram impacto.
Será que essas conversas poderão um dia tornar-se públicas?
Talvez nunca... (risos). Em geral, estavam apenas os dois. O mesmo acontece aqui no Luxemburgo: quando estou sozinho com o primeiro-ministro, não há ninguém para tomar notas. Eu acho que nenhum registo foi mantido das audiências da Rainha com o primeiro-ministro.
Isso está de acordo com o que o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, enfatizou no seu obituário: que a Rainha foi "responsável por sucessos diplomáticos consideráveis". A função da Rainha é essencialmente representativa, mas será que essa função representa um poder maior do que geralmente se pensa?
Quando alguém ocupa essa função há 70 anos, impõe um grande respeito. Penso que se a Rainha diz algo – mesmo que seja a um grupo pequeno de pessoas, isso poderá ter grande influência. No plano diplomático também. No seio da Commonwealth, por exemplo, Isabel II participou ativamente nos comités. As discussões eram conduzidas pelo primeiro-ministro, mas não se sabe o que mais estaria a acontecer nos bastidores. Coisas importantes podem ter acontecido. Mas, é esse o segredo da monarquia, se assim podemos dizer... Tenho a certeza que ela exerceu influência indireta.
Trata-se de uma monarquia que mudou muito ao longo de sete décadas...
Sim, absolutamente.
Que impressão tem sobre a forma como a Rainha lidou com a diminuição de influência na Commonwealth?
Penso que a Rainha viu com inteligência e lucidez a evolução da nossa sociedade. Não só as mudanças na sociedade, mas também as mudanças políticas no mundo. Isabel II compreendeu isso muito bem, e isso ficou patente nas diferentes decisões que tomou no seio da família.
O eterno herdeiro, príncipe Carlos, tornou-se Rei. Que imagem tem dele?
Gosto muito dele, é uma pessoa muito simpática, inteligente e empenhada, tem convicções sobre o ambiente, arquitetura, educação, entre outras. Penso que agora será, provavelmente, mais difícil para Carlos III se envolver da forma como costumava fazê-lo, enquanto príncipe herdeiro. Mas, hoje em dia, penso que o Rei pode dar um impulso a um país como a Grã-Bretanha.
A proteção ambiental e climática é uma das preocupações centrais do novo rei Carlos III, que o Grão-Duque também apoia.
Sim, estamos no mesmo comprimento de onda sobre este assunto. Carlos envolveu-se desde muito cedo. Já nos anos 90, sentiu que estávamos a ir na direção errada em muitos domínios da proteção ambiental. Ele tentou promover ideias originais.
Há quem defenda que a monarquia dependeu fortemente do carisma da Rainha. O Rei Carlos também tem o que é preciso para trazer a família real para o século XXI?
Penso que sim. O princípio da monarquia é a continuidade: o rei está morto, viva o rei! A escola da sua mãe foi muito boa. Carlos tem experiência, sabe exatamente o que pode e o que não pode fazer. Isso irá ajudá-lo. Por isso, penso que ele será muito bom rei.
A Rainha Isabel percebeu com inteligência e lucidez a evolução da nossa sociedade.
Grão-Duque Henri do Luxemburgo
Carlos III passou por momentos muito difíceis nos anos 90, especialmente com a princesa Diana. Acha que a vida pessoal do rei, o seu passado, pode conceder-lhe uma autenticidade diferente nos dias de hoje?
Não sei. A sua vida não tem sido fácil. A sua vida privada não é da nossa conta. O Rei Carlos e a Rainha Consorte Camilla são, de qualquer forma, um casal muito unido. E penso que os filhos também estão contentes com a situação.
Já está decidido quem, da corte grã-ducal, irá assistir às cerimónias fúnebres da Rainha em Londres?
A Grã-Duquesa e eu próprio pretendemos assistir ao funeral.
(Entrevista publicada originalmente na edição alemã do Luxemburger Wort e editada por Paula S. Ferreira.)
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