Frédéric Docquier. “O regresso à normalidade levará tempo”
Frédéric Docquier. “O regresso à normalidade levará tempo”
Um mês de confinamento terá gerado uma perda de “dois mil milhões de euros” na economia do país e provocado uma redução de “2,0% a 3.5% do PIB anual” do Luxemburgo, estima o novo estudo “Os Efeitos Económicos da Covid-19 no Luxemburgo”, realizado por um grupo de 27 investigadores a trabalhar no Grão-Ducado. Uma investigação que analisou as consequências negativas desta crise da pandemia, as já visíveis e aquelas que ainda estão para vir.
O economista Frédéric Docquier, um dos coordenadores da elaboração do relatório, e diretor do departamento “Crossing Borders” do Luxembourg Institute of Socio-Economic Research (LISER), alerta nesta entrevista ao Contacto, para os principais problemas que o país pode enfrentar e como se deve atuar para minorar os seus efeitos na economia do país e na vida dos residentes.
A vida do Luxemburgo esteve em suspenso durante cinco semanas, com a população fechada em casa, e todas as atividades paradas. De acordo com a vossa investigação, será este o momento certo para o país voltar lentamente ao trabalho com a reabertura da construção e de outros sectores?
A questão do ’desconfinamento’ é uma questão complexa que se coloca mais em termos epidemiológicos do que económicos. Do ponto de vista estritamente económico, quanto mais cedo se retomar a atividade, menos danos serão causados. Uma crise longa aumentá os riscos (e os casos) de insucesso empresarial e o número de famílias sem capacidade para pagar as suas dívidas. A recuperação permite igualmente reduzir as transferências governamentais e estimular as receitas públicas, o que facilita as medidas de apoio orçamental para as vítimas mais gravemente afetadas. No entanto, até que esteja disponível um medicamento ou vacina covid-19 eficaz, a situação sanitária permanece frágil. As medidas de ’desconfinamento’ estão a ser consideradas num número crescente de países. As comparações internacionais devem ser feitas com prudência, mas a situação do Luxemburgo (por exemplo, o número de mortes por habitante) está na média correta. Parece justificar-se uma retoma lenta e controlada da atividade, mas todos os países devem ter presentes a possibilidade de terem de recuar se houver um agravamento ou ressurgimento da epidemia.
Como conciliar a retoma da economia com o controlo da propagação da doença?
Estamos em território inexplorado. Trata-se, portanto, de retomar as atividades com a máxima precaução, setor por setor. Um teste maciço no(s) setor(es) em causa parece-me ser uma condição necessária para a recuperação. As medidas de distanciamento físico e de proteção médica (tais como o uso obrigatório de máscaras ou luvas) são igualmente importantes. Contudo, os riscos continuam a ser elevados. A realização de testes de quatro em quatro dias minimizaria os riscos, mas provavelmente não é sustentável de um ponto de vista orçamental. A utilização de meios numéricos de ’tracing’ pode reduzir o número de contaminações, caso o número e frequência dos testes seja limitada. Imagino que a viabilidade de tais medidas esteja a ser estudada; não cabe obviamente aos economistas decidir a melhor forma de travar a propagação do vírus.
Esta pandemia é uma situação única, sem antecedentes. A economia do país já sofreu grandes mudanças? O ministro do Trabalho já assumiu que o desemprego vai aumentar. Quantos anos pode a economia luxemburguesa recuperar?
É difícil acreditar que esta crise não terá efeitos duradouros, e é preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para limitar os danos. O regresso à normalidade levará tempo. É provável que esta crise venha a transformar as nossas economias de uma forma duradoura. Vista de forma pessimista, esta crise poderá criar medo ou pânico que afetará o consumo de certos bens; pode aumentar a aversão ao risco, que é um dos principais fatores determinantes do investimento. Pode também conduzir a movimentos populistas que transformarão as nossas instituições. Vista de forma otimista, esta crise demonstra o enorme potencial de desenvolvimento digital do nosso sistema económico e mostra que as decisões políticas são muito mais eficazes quando são coordenadas e antecipadas. Há muito a aprender com as crises. Se esta puder ajudar-nos a enfrentar os desafios a longo prazo (alterações climáticas, desigualdades globais, etc.) e assegurar uma transição para uma globalização mais equilibrada, será a mais bela homenagem que teremos prestado às vítimas da covid-19.
O preço da habitação é um dos maiores problemas das famílias. O vosso estudo indica que, com a crise, até famílias com rendimentos médios podem agora ter dificuldade em pagar renda. Haverá mais famílias endividadas?
Com efeito, o mercado da habitação no Luxemburgo é único. É difícil prever de que forma a crise irá afetar este mercado. Tudo dependerá do tempo que durar. Por enquanto, os apoios do Estado desempenham um papel estabilizador fundamental e as famílias reduziram consideravelmente as suas despesas de consumo. Uma vez terminado o ’desconfinamento’, contaremos as vítimas a longo prazo que terão perdido os seus empregos... E veremos em que situação de liquidez se encontram os bancos, o que afetará a oferta de crédito. Prever se esta crise vai aumentar ou baixar os preços da habitação é complicado.
Em alguns setores, como o da restauração, as perdas podem ser de 100%. O que pode ser feito?
É previsível que os setores que estão totalmente encerrados sejam os mais afetados. Como referi anteriormente, as medidas de apoio financeiro adotadas são muito boas, mas não impedirão as falências individuais. As famílias e os empresários ficarão provavelmente em apuros e os governos de todos os países tomarão provavelmente medidas para os ajudar.
O Luxemburgo é já o país da União Europeia onde o risco de pobreza entre a população ativa é maior. A crise pandémica irá realmente aumentar o número de famílias pobres? O que pode ser feito para reintegrar mais trabalhadores no mercado de trabalho?
A pobreza é medida em termos relativos como a proporção de indivíduos cujo rendimento é inferior a uma fração do rendimento médio. Este rendimento médio é elevado no Luxemburgo e o sistema de apoio funciona relativamente bem. No entanto, é verdade que alguns grupos se encontram numa situação desfavorável. Estou a pensar, por exemplo, nos nacionais de países não europeus com um baixo nível de qualificações. Se o regresso à normalidade ocorrer a partir de maio ou junho, os efeitos sobre a desigualdade e a pobreza devem ser limitados. Pelo menos é isso que mostram as nossas estimativas iniciais. Se a crise persistir, é provável que a pobreza e as desigualdades aumentem. Em que medida? Impossível de quantificar!
De acordo com o vosso relatório poderá ser necessário aumentar os impostos. Como os dos proprietários de terras e imobiliário? Que outros impostos devem ser aumentados?
Todos os estados estão a aumentar a sua dívida para apoiar os atores em dificuldade. Isto implica uma transferência negativa para as gerações futuras, que também ficam com uma gestão complicada das alterações climáticas. O aumento dos impostos no período pós-crise parece inevitável quando a economia tiver recuperado suficientemente. Uma estratégia que me parece adequada é evitar que aqueles que mais sofreram durante a crise paguem duas vezes. É demasiado cedo para identificar os setores que terão sido relativamente poupados e aqueles que terão sido mais negativamente afetados. No final, faremos as contas, de modo a podermos fazer recomendações justas.
O regresso gradual ao trabalho deverá basear-se em testes serológicos em grande escala, como aconselham no documento. Contudo, os trabalhadores transfronteiriços estarão mais vulneráveis.
Antes do regresso gradual ao trabalho, a estratégia menos arriscada seria a realização de um teste duplo – PCR e testes serológicos – para identificar os trabalhadores infetados, saudáveis e que têm imunidade. Só aqueles que já ganharam anticorpos devem regressar ao trabalho, mas estes podem constituir apenas uma pequena fração da mão-de-obra. Assim sendo, os trabalhadores não imunizados e não infetados irão também regressar ao ativo. E, estes últimos correm o risco de serem contaminados no local de trabalho. Para os transfronteiriços não infetados, o risco é duplo: no trabalho e no local de residência. Os trabalhadores transfronteiriços têm um papel económico fundamental no Luxemburgo. Sem eles, o Luxemburgo não seria o que é. Os riscos de contaminação ligados aos movimentos fronteiriços não podem ser perfeitamente controlados se as regiões agirem de forma descoordenada. Dentro do país, mas também na Grande Região, seríamos mais fortes se pudéssemos coordenar os nossos esforços.
Como podem os países afetados pela covid-19 sair desta crise com o mínimo de danos possível?
É demasiado fácil de aconselhar e muito mais difícil tomar medidas concretas no terreno. Com base na nossa investigação, eu diria que é interessante considerar as seguintes opções: Manter as medidas de apoio financeiro às pessoas que continuem a passar dificuldades após esta crise de saúde; realizar testes maciços e regulares antes e durante a recuperação; autorizar o regresso ao local de trabalho apenas os trabalhadores essenciais que não possam trabalhar a partir de casa; retomar as atividades de forma seletiva e gradual, com todas as medidas de precaução possíveis, estando prontos a recuar, se necessário; acompanhar a evolução do vírus nos sectores de recuperação, mas também noutros sectores adjacentes; preparar-se para o futuro e enfrentar os desafios a longo prazo com uma maior coordenação entre todos os intervenientes envolvidos.
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